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Como o Amazonas passou do colapso para a queda de mortes por covid-19

Funcionário passa por meio de sepulturas no cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus - 25.fev.21 - Michel Dantas/AFP
Funcionário passa por meio de sepulturas no cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus Imagem: 25.fev.21 - Michel Dantas/AFP

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

04/04/2021 04h00


Foram 86 dias de fila de espera de pacientes com covid-19 por leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva), num enredo que teve não só colapso em hospitais, mas falta de oxigênio e recorde de mortes no estado. Agora, após uma sequência de casos de covid-19 simultâneos e medidas de restrição, o Amazonas registra queda acentuada no número de casos, internações e mortes.

Na semana retrasada, por exemplo, a secretaria de saúde não registrou nenhum pedido de vaga em UTI (unidade de terapia intensiva) para Manaus. Além disso, no interior, os pedidos caíram a números de pacientes que conseguem atendimento na capital sem aguardar.

O número de mortes também desabou: na quarta-feira, último dia de março, por exemplo, foram seis óbitos registrados. No pico da pandemia, dia 17 de janeiro, foram 179 mortes no Amazonas. Naquele momento, o estado enfrentava a falta de oxigênio nas unidades de saúde.

Mas o que houve para que o estado fosse na contramão do resto do país?

A primeira questão a se levar em conta é que o estado foi o primeiro a ter aceleração de casos na segunda onda, com alta explosiva no início de janeiro, quando o estado chegou a ter mais de 250 pacientes internados por dia.

Sem medidas de isolamento, e com as festas de fim de ano, a ainda desconhecida nova variante, a P.1, muito mais transmissível, se aproveitou da movimentação de pessoas e se espalhou. Além de maior capacidade de contaminação, as mutações do vírus têm potencial de escape imunológico, aumentando o risco de reinfecção.

Essa variante teve muita importância na aceleração das ondas que já vinham em construção. O vírus mutado circulou livremente de forma abrupta e velocíssima, e nós tivemos todo aquele caos, com milhares de mortes em curtíssimo período de tempo. Isso construiu, depois desses dois meses, uma barreira imunológica da população
Antônio Lima Neto, epidemiologista da Unifor (Universidade de Fortaleza)

Com o vírus mais transmissível e sem barreira imunológica, grande parte da cidade adoeceu em um curto espaço de tempo.

"Com essa nova variante, aumentou muito a população suscetível, o que gerou um adoecimento massa. Essa queda agora tem a ver com esse alto número de pessoas que adoeceram nesse curto período", confirma o infectologista Bernardino Cláudio de Albuquerque, professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Amazônia.

Outro ponto que ele considera fundamental é que, após o colapso hospitalar, o estado adotou medidas mais fortes de restrição à circulação de pessoas, com a proibição à circulação de pessoas nas ruas.

"Essas medidas não farmacológicas ajudaram a reduzir a circulação do vírus e também contribuíram para essa queda agora", aponta.

Para o Felipe Naveca, virologista e pesquisador da Fiocruz Amazônia, o adoecimento em massa deixou o coronavírus com menos chance de conseguir infectar pessoas no estado por conta da imunidade temporária gerada pelos casos em segunda onda.

"Quando você tem um grande pico, como houve aqui, a tendência é de diminuição —e foi o que aconteceu. Provavelmente isso veio de um esgotamento de suscetíveis, aliado às medidas de distanciamento, que fizeram diminuir a taxa de transmissão e, consequentemente, o número de casos novos", afirma.

Paciente transferido de Manaus é desembarcado no Aeroporto de Brasília - Pedro Ladeira - 15.jan/Folhapress - Pedro Ladeira - 15.jan/Folhapress
No auge da crise, pacientes foram transferidos do Amazonas para outros estados
Imagem: Pedro Ladeira - 15.jan/Folhapress

Ainda não há no estado resultado finalizado de inquérito epidemiológico que aponte qual percentual da população adoeceu nessa segunda onda. Apesar de acreditar num percentual alto de contaminados nos primeiros meses do ano, Bernardino diz que a baixa de casos e mortes, não é possível relaxar.

Teoricamente há a chance de uma terceira onda, caso surja uma nova variante nas quais não haja uma cobertura efetiva pela vacina. Isso traria a possibilidade, sim, de ter uma nova alta epidêmica. Mas a nossa esperança é a vacinação, mas infelizmente ela não está na velocidade adequada
Bernardino Cláudio de Albuquerque, infectologista e professor da Ufam

Para o epidemiologista Antônio Lima Neto, a variante P.1 não só teve um papel crucial na aceleração da epidemia no Amazonas, como em outras áreas do país.

"Agora isso se repete, por exemplo, no Ceará, em São Paulo, onde a curva de casos acelerou de forma impressionante. A tendência, no país, é que você comece a construir um platô de casos, com circulação viral alta", finaliza.