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Em menos de 1 ano, SUS gasta R$ 3 bilhões com internações para tratar covid

Profissionais da saúde em Sorocaba, no interior de SP, relatam a rotina com hospitais lotados, leitos improvisados e filas de espera - Getty Images
Profissionais da saúde em Sorocaba, no interior de SP, relatam a rotina com hospitais lotados, leitos improvisados e filas de espera Imagem: Getty Images

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

03/05/2021 04h00

As internações de pacientes com covid-19 custaram ao menos 2,99 bilhões aos cofres do SUS (Sistema Único de Saúde) desde o início da pandemia até fevereiro de 2021, segundo dados do Sistema de Informações Hospitalares do Ministério da Saúde.

O UOL consultou os valores gastos pelo ministério, que não incluem investimentos de estados, municípios e entidades filantrópicas, por exemplo. Os dados remontam apenas ao final de abril, quando foi criada uma rubrica específica para os procedimentos de covid-19.

"É bom citar que esse custo não se mede só pelo período de internação. Boa parte dessas pessoas, após a alta de UTI [Unidade de Terapia Intensiva], vai precisar de cuidado continuado, assistência e previdência social para suporte em diversas situações", diz a sanitarista Bernadete Perez, vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).

Números altos

Do final de abril de 2020 a fevereiro deste ano, o sistema contabiliza 609.501 pacientes tratados no SUS, com 129.890 mortes —o equivalente a uma taxa de mortalidade de 21,3% dos internados. O sistema não permite separação de dados por pacientes em UTI e em enfermaria.

Em 2020, o sistema contabilizou 470.529 internações pela doença causada pelo novo coronavírus. Já neste ano, até fevereiro, foram 138.972. Não há ainda dados disponíveis de março e abril.

Em média, somando internações em enfermarias e UTIs, o SUS desembolsou R$ 4.916,14 por tratamento de paciente.

"O gasto financeiro com a hospitalização pela covid é muito alto, mas ainda é aquém da necessidade brasileira —vide as filas de espera nas UPAs [Unidades de Pronto Atendimento]", afirma Perez.

Segundo apurou o UOL, o governo federal repassa aos estados R$ 1.600 por diária de leito de UTI para pacientes com covid-19, o dobro do valor que era pago a pacientes antes da pandemia.

Porém, no início de 2021, o governo federal reduziu em mais de 80% o número de leitos financiados em fevereiro, em comparação com o final de 2020. Estados precisaram ir ao STF (Supremo Tribunal Federal) para garantir a volta do financiamento dos leitos.

Valor completado

O dinheiro repassado pelo governo não é capaz de cobrir os custos e tem de ser completado por estados e municípios. "Aqui a gente pagava, no ano passado, R$ 2.000 por diária a um hospital contratualizado. Com essa nova onda neste ano, ampliamos esse valor para R$ 2.400", diz André Longo, secretário de Saúde de Pernambuco.

Leito - Mateus Pereira/Governo da Bahia - Mateus Pereira/Governo da Bahia
Imagem: Mateus Pereira/Governo da Bahia
Bernadete Perez afirma que para a covid-19 vale a máxima da saúde pública de que prevenir sairia bem mais barato que remediar e, se ações de distanciamento social tivessem sido tomadas no momento certo, os gastos com internações --e consequentemente o número de mortes-- seriam bem menores.

Leito de UTI não diminui a transmissão viral. Prevenir uma doença evitável como a covid é muito mais em conta.
Bernadete Perez, sanitarista

"Bastava uma renda emergencial, suporte aos mais vulneráveis, rede de atenção primária forte com vigilância epidemiológica, disponibilidade de testes em massa, incentivo de uso e distribuição de máscaras, políticas públicas para garantir distanciamento, transporte público etc.", explica.

Faltam detalhes e planejamento

Segundo o conselheiro e coordenador-adjunto da Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento do CNS (Conselho Nacional de Saúde), Getúlio Vargas Júnior, o gasto com pacientes com covid-19 deve ter sido ainda maior que o informado no sistema.

"Como houve crédito suplementar, esses gastos ficaram separados. Como os créditos não eram tão organizados, ficou difícil fazer o controle. Isso, para nós, é bem complicado para estabelecer um mecanismo de fiscalização, por exemplo", diz.

Ele lembra que, desde o início da pandemia, o governo federal foi orientado por vários setores e por cientistas a adotar políticas de distanciamento que reduziriam a circulação viral e os custos com a covid-19.

"Seria muito mais barato, e o presidente [Jair Bolsonaro] foi cobrado disso várias vezes pelos secretários, pelo CNS. Era preciso articular uma coordenação nacional, e agora entramos no segundo ano com prejuízo a nossa economia, à produção e para vida das pessoas", afirma Vargas Júnior.

leito de uti monitor - Rodrigo Félix Leal/ANPr - Rodrigo Félix Leal/ANPr
Imagem: Rodrigo Félix Leal/ANPr

Em falas públicas sobre o tema, Bolsonaro sempre se colocou contra medidas de distanciamento social e chegou a dizer que os decretos estaduais e municipais eram uma "covardia". Ainda ameaçou, por mais de uma vez, usar as Forças Armadas para impedir ações restritivas.

Alta a partir de março

Como os gastos do SUS se referem apenas até fevereiro, Vargas Júnior lembra que eles devem retratar um aumento considerável nos meses de março e abril, quando o país viveu o pico da pandemia com mais adoecimentos e mais de 130 mil mortes pela covid-19.

"Nessa onda, são internações que tendem a ser mais demoradas. Antes, a pessoa ficava uma ou duas semanas. Com essa nova variante, a gente tem visto casos de pessoas ficarem até 30 dias. Além de mais letal, essa doença está mais trabalhosa para tratamento", explica.

"Isso faz com que, embora a situação hoje esteja melhor que há 45 dias, não tenha diminuído tanto o número de leitos ocupados."

O ideal teria sido atravessar essa fase de forma menos traumática. Mas o Brasil adotou o negacionismo e acabou nessa política de 'hospital-terapia' com a falta de prevenção.
Getúlio Vargas Júnior, coordenador-adjunto da Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento do CNS

Para ele, os erros de planejamento também tornam a pandemia mais cara para o contribuinte.

"Havia recursos de 2020 que ainda estavam sendo executados nesse início de ano. Agora que a gente percebe essa falta de planejamento e execução adequada pela falta de medicamentos para intubacão, por exemplo. Isso acaba tornando um processo mais traumático e custoso, com o paciente ficando mais tempo internado e tendo mais lesões a tratar", analisa.

Por fim, ele lembra que o orçamento aprovado para 2021 não prevê nem mesmo gastos para a saúde equivalentes ao ano passado, e podem faltar recursos para a covid-19 caso isso não seja suprido.

"O valor atual não serve nem para voltar aos atendimentos normais, nem para enfrentar a pandemia neste momento. Esse subfinanciamento acaba afetando quem depende só do SUS", diz, citando uma petição pública com quase 600 mil assinaturas que pede mais recursos para a Saúde em 2021.