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'Abre e fecha' faz sociedade perder a confiança nas medidas, diz Nicolelis

Ana Carla Bermúdez, Andréia Martins e Felipe Oliveira

Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL

21/05/2021 11h08

O médico e neurocientista Miguel Nicolelis criticou hoje, durante participação no UOL Entrevista, o afrouxamento sem critérios científicos das medidas restritivas para conter a pandemia do novo coronavírus no Brasil. Para ele, o abre e fecha de estabelecimentos por "uma ou duas semanas" e sem um lockdown eficiente, como foi feito pelo Reino Unido, "destrói a confiança" da população. Ainda segundo o médico, o brasileiro foi confrontado com a opção de "morrer de fome ou morrer do vírus".

"Você abre para o dia das mães, feriadão. O que acontece? O que estamos vendo agora, a reversão daquela tendência de queda, temporária. Então você tem a sanfona", disse ele na entrevista conduzida pelas jornalistas Fabíola Cidral e Lúcia Helena. "Abre a sanfona, fecha, o que isso faz? Primeiro destrói a confiança da sociedade de que realmente alguma coisa está sendo feita para acabar a pandemia, porque você nem entende mais as cores, o que é roxo, amarelo, laranja", afirmou.

As pessoas passam a desacreditar dessas medidas [restritivas], e não é desprezível esse efeito. É o efeito psicológico que literalmente destrói a capacidade de você falar: 'Temos que fazer lockdown de um mês'.

Ainda segundo o cientista, a estratégia brasileira de enfrentamento do novo coronavírus erra ao priorizar critérios administrativos, em vez de epidemiológicos.

"O problema é que nossa estratégia predominante no Brasil, eu apelidei de estratégia sanfona, porque quando a coisa chega muito grave, e aqui muito grave é 95% de ocupação de UTI, o único critério que maioria dos gestores olha, e isso não é um critério epidemiológico, é administrativo. Você tem que olhar o número de casos, de óbitos, ver a taxa de transmissão, ver a dinâmica geográfica, o fluxo de pessoas. Mas quando se chega a um número absurdo, se fecha ou faz alguma coisa paliativa que dura uma semana ou duas", disse ele.

"Já ouvi em alguns lugares pessoas dizendo: 'Só está 90% de ocupação, melhorou'. Então pode abrir shopping, escola, relaxar as poucas medidas paliativas, porque, com raríssimas exceções, na primeira onda, nunca fizemos lockdown correto, como o Reino Unido fez", completou.

Ao citar o lockdown realizado no Reino Unido, Nicolelis lembrou que o governo britânico ofereceu auxílio financeiro para que os ingleses ficassem em casa e que o governo dos Estados Unidos também enviou cheques para parte da população. O Brasil falhou nesse quesito, na opinião do especialista.

O brasileiro foi confrontado com a opção que nunca deveria ter existido, porque é desumana, criminosa. Ele foi confrontado com a opção de ou morrer de fome ou de vírus. Aqui as pessoas tiveram na primeira onda um auxílio que realmente ninguém consegue sobreviver com aquilo, e agora o auxílio é menor e mais restritivo.