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Brasil exportou mais que o dobro do que recebeu de linhagens do coronavírus

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

22/10/2021 04h00

Um amplo estudo, produzido por mais de cem pesquisadores e coordenado no Brasil, aponta que o país exportou mais do que o dobro de linhagens ou variantes do SARS-CoV-2 (o novo coronavírus, que causa a covid-19) do que importou de outros países. Publicado no site Medrxiv, ainda precisa de revisão de outros especialistas. (Veja aqui a diferença de linhagem e variante.)

A pesquisa analisou 3.866 genomas coletados até 30 de junho de 2021 nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal e estabeleceu, pela primeira vez, um mapa com a dinâmica da introdução do novo coronavírus no Brasil.

O estudo apontou um papel decisivo da pandemia brasileira na transmissão da variante gamma na América do Sul e em outros países no mundo.

Genomas catalogados para pesquisa - Reprodução - Reprodução
Genomas catalogados para pesquisa
Imagem: Reprodução

Segundo os pesquisadores, na primeira fase da pandemia (até agosto de 2020), foram 147 importações de tipos de vírus —que fizeram a covid-19 se disseminar pelo Brasil.

Dessas, 114 ocorreram antes da implementação de medidas de restrição social, em abril de 2020, e a maioria veio da Europa. Outras 33 introduções ocorreram após as medidas até agosto de 2020.

Entretanto, com a chegada do vírus, o Brasil se tornou o polo mundial de mutações novas e foi responsável por pelo menos 316 eventos de exportação da variante gama e 32 da variante zeta —totalizando 348 casos, ou 136% a mais que o número de importações.

"Conforme a epidemia progredia, a ausência de medidas de restrição efetivas levou ao surgimento local e disseminação internacional das variantes de preocupação (VOC) e de interesse (VOI), incluindo as gamma (P.1) e zeta (P.2)", afirma o estudo.

Um dos maiores exportadores do mundo

Segundo Maria Carolina Sabbaga, vice-diretora do centro de desenvolvimento científico do Instituto Butantan e uma das autoras do estudo, após a fase inicial da pandemia, o Brasil se tornou um dos maiores exportadores de coronavírus do planeta.

Nós exportamos muito mais do que importamos. Na prática, quer dizer que mais gente saiu com vírus daqui para outros países, do que gente contaminada que chegou ao Brasil."
Maria Carolina Sabbaga, uma das autoras do estudo

Ela afirma que, pela dinâmica da pandemia, o vírus chegou no começo do ano de 2020 ao país, vindo especialmente de países europeus.

"E a nossa nossa exportação ocorreu após a primeira onda, quando as restrições e barreiras foram afrouxadas e pessoas vieram e voltaram para os seus países de origem, ou brasileiros levaram para fora. A gente estava com uma segunda onda tão alta que nos transformou num dos maiores exportadores", diz.

08.ago.2020 - Aglomeração de pessoas no Centro de Campinas (SP): falta de controle fez mutações prosperarem - KAREN FONTES/CÓDIGO19/ESTADÃO CONTEÚDO - KAREN FONTES/CÓDIGO19/ESTADÃO CONTEÚDO
8.ago.2020 - Aglomeração de pessoas no centro de Campinas (SP): falta de controle fez mutações prosperarem
Imagem: KAREN FONTES/CÓDIGO19/ESTADÃO CONTEÚDO

Países vizinhos afetados

Para os cientistas, os países vizinhos ao Brasil foram os que mais sofreram com as cepas brasileiras. Um deles, o Paraguai, teve dados analisados no estudo. "No final de julho, 78% dos genomas depositados no Paraguai eram relacionados a vírus do Brasil. Não sabemos exatamente como foi em outros países, porque não pesquisamos, mas ficou claro que fomos exportadores pelas fronteiras terrestres", diz.

Uma variante pode mudar a dinâmica da epidemia em um país, como ocorreu com a gamma e a segunda onda no país. "Foi também o que aconteceu agora com a delta, que causou uma terceira onda em Israel, no Reino Unido, nos Estados Unidos. A variante mudou o cenário, e poderia ter mudado aqui também, onde ela já circula", afirma Sabbaga.

Segundo a pesquisadora do Butantan, todas as VOCs e VOIs catalogadas pela OMS (Organização Mundial de Saúde) circulam ou já circularam no Brasil. Dentro do país, o Sudeste (com 40% dos casos) e o Norte (com 25%) foram os que mais exportaram o vírus para outras regiões.

Nós tivemos uma circulação do SARS-CoV-2 muito grande porque tivemos um grande trânsito de pessoas pelo Brasil. O perigo disso foi visto com o surgimento da variante gamma, que apareceu em uma cidade perto de Manaus, se espalhou e virou a dominante no país inteiro. Nós temos essas migrações entre regiões do país, e isso é um problema."
Maria Carolina Sabbaga, uma das autoras do estudo

Segundo estudo encabeçado pelo cientista Miguel Nicolelis, o vírus viajou pelo país basicamente por meio de rodovias e se disseminou até as menores cidades.

Riscos com o fim das restrições

Por fim, os cientistas que produziram o estudo voltaram a alertar para os riscos de que uma nova variante do vírus surja por conta do fim das restrições sociais.

A atual cocirculação de VOIs e VOCs no Brasil, juntamente com o lançamento lento da vacina, tem implicações importantes para a saúde pública neste país altamente populoso e regionalmente importante. Tais condições epidemiológicas criam o ambiente perfeito para a evolução contínua do SARS-CoV-2, potencialmente permitindo o surgimento de novas variantes do fenótipo alterado."
Trecho do estudo feito por pesquisadores

Ainda segundo eles, o estudo destaca a utilidade do sequenciamento do genoma 2 para investigação de surto de covid-19 e a necessidade de estudos mais abrangentes em todo o país sobre a epidemiologia e disseminação de cepas virais emergentes.

"Uma vez que a campanha de vacinação representa o início de uma 'nova normalidade', a intervenção farmacêutica e não farmacêutica deve ser suficientemente forte para evitar a evolução contínua da SARS-CoV-2 que pode anular o impacto da vacinação", afirmam.