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Covid-19: "Brasil pode alcançar estatísticas estratosféricas dos EUA", diz infectologista

Vítimas da covid-19 são sepultadas no Cemitério da Vila Formosa, na zona leste de São Paulo-SP - Werther Santana/Eestadão Conteúdo
Vítimas da covid-19 são sepultadas no Cemitério da Vila Formosa, na zona leste de São Paulo-SP Imagem: Werther Santana/Eestadão Conteúdo

Correspondente da RFI em Brasília

25/05/2020 07h27

Com baixo isolamento social e autoridades divergindo sobre condução de políticas públicas, o Brasil já tem mais de 20.000 mortos. O presidente Bolsonaro foi até um grupo de manifestantes, sem máscara, nesse domingo (24).

Segundo no mundo em casos confirmados de coronavírus, com quase 370 mil pessoas contaminadas, o Brasil caminha para chegar perto ou mesmo ultrapassar os números assustadores dos Estados Unidos, que hoje têm quase cem mil mortos. O país já tem quase 23 mil mortos e o isolamento social, mesmo com antecipação de feriados e fechamento total em algumas cidades, tem ficado abaixo do esperado. E as autoridades reconhecem que os dados são subnotificados.

"É bem plausível que o Brasil alcance as estatísticas estratosféricas dos Estados Unidos. As pessoas aqui não aderiram ao isolamento social", avalia o infectologista Dalcy Albuquerque, da Sociedade Brasileira de Doenças Tropicais. Ele lembra que mesmo em locais onde os casos estão em alta, como São Paulo, a adesão tem ficado na casa dos 50%. O especialista também afirmou que o país tem hoje vários pontos de concentração da doença, no Norte, Nordeste e no Sudeste, e que em outras regiões o vírus está chegando.

"Uma divergência de condutas entre as esferas de governo deixou a população confusa e, a maioria acaba seguindo pelo mais fácil, não ficando em casa. Além disso vários hospitais de campanha que iriam ajudar o sistema de saúde não ficaram prontos como planejado e houve dificuldade em garantir respiradores e infraestrutura nesses locais. Alguns estados, ainda por cima, estão com grave crise financeira. A soma disso tudo pode levar o Brasil a se tornar o epicentro mundial da doença em algum momento, passando mesmo os Estados Unidos", projetou o infectologista.

Enquanto o Brasil registrava quase 16 mil novos casos de coronavírus de sábado (23) para domingo (24), o presidente Jair Bolsonaro voltou a se juntar a manifestantes que foram para a Praça dos Três Poderes declarar apoio ao governo federal. Sem máscara, ferindo o que determina o governo local de Brasília, o presidente estava separado por uma grade, mas se aproximou por várias vezes das pessoas e chegou a tirar foto com uma menina e depois a pegar no colo outras duas crianças.

Crise política

A atitude do presidente não mostra apenas uma divergência na condução da crise sanitária com relação a outros países e à Organização Mundial da Saúde (OMS), mas ilustra a crise política por que passa o país neste momento.

Bolsonaro participou em várias ocasiões de manifestações que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), onde tramitam processos de interesse do governo, do próprio presidente e dos filhos dele. A instabilidade do Executivo ficou evidente com a demissão de dois ministros populares - Henrique Mandetta, da Saúde, e Sérgio Moro, da Justiça. Depois veio a saída de Nelson Teich da Saúde por discordar do presidente quanto à indicação da hidroxicloroquina no tratamento da covid.

O capítulo mais recente dessa instabilidade do Executivo foi a divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, que está no centro da briga entre o presidente e o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. Em duas horas de conversa com toda a equipe de governo, a pandemia de coronavírus esteve longe de ser prioridade entre as autoridades presentes. Ao contrário, quase passou batido. Um presidente raivoso, que não poupou palavrões para atacar adversários e cobrar postura de apoio de seus ministros, e que reclamou da falta de informações de órgãos de inteligência. Cresce agora a expectativa em torno do procurador geral da república, Augusto Aras, que terá de dizer se viu a tentativa do presidente em interferir politicamente na Polícia Federal.

" O vídeo não mostra o presidente interferindo numa investigação específica da Polícia Federal. Mostra a intenção dele em fazer alterações porque está insatisfeito e menciona ali eventuais investigações contra a família e amigos. Não é uma prova definitiva de um ato ilícito do presidente. Mas a gente está no início da investigação. Outros elementos de prova serão colhidos. Depois a avaliação será feita no contexto de todas as provas", afirmou o criminalista e professor de Direito Thiago Botino, da Fundação Getúlio Vargas.

Vídeo reforça embate político

O cientista Político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, diz que, além da parte criminal, a liberação do vídeo pelo ministro Celso de Melo, do STF, que impediu a divulgação apenas de trechos que citam dois países, vem num cenário de crise do Executivo, reforçando o embate político.

"Aspectos que tiveram ampla repercussão na mídia e na opinião pública, como o Ministro da Educação atacando o STF, o ministro do Meio Ambiente dizendo que era para aproveitar a pandemia e liberar licenças na área ambiental, o próprio presidente falando em armar a população. Então foram vários pontos que consolidam a imagem negativa que ele tem hoje numa parte da população, que não votou nele ou que se distanciou dele nesse início de governo. Mas por ter muitas frases de efeito do Bolsonaro, o vídeo agrada a uma parte muito fiel do presidente que repercutem frases dele nas redes sociais e nos protestos", analisa Ismael.

E nesse inquérito, o ministro Celso de Mello, relator do caso, encaminhou ao Procurador Geral da República um pedido de partidos de oposição para que seja aprofundado o caso com perícia no celular de várias autoridades, inclusive no de Bolsonaro e do filho dele, Carlos. Depois da manifestação do Ministério Público, Celso de Mello tomará uma decisão sobre o celular.

O general Augusto Heleno, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, divulgou uma nota em que fala de 'impactos imprevisíveis' caso a apreensão do aparelho do presidente venha a acontecer. A Ordem dos Advogados do Brasil rechaçou e disse que o ministro militar precisa sair de 64, numa referência à ditatura, e focar em resolver os problemas de 2020, ou seja, democraticamente.