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Pequeno número de crianças liberianas retornando à escola reflete o medo persistente do ebola

De luvas rosas, James Nyema, 9, canta o hino da Libéria na escola de ensino fundamental C.D.B. King, na capital Monróvia - Daniel Berehulak/The New York Times
De luvas rosas, James Nyema, 9, canta o hino da Libéria na escola de ensino fundamental C.D.B. King, na capital Monróvia Imagem: Daniel Berehulak/The New York Times

Norimitsu Onishi

Em Monróvia (Libéria)

05/03/2015 06h00

Duas dúzias de alunos estavam sentadas silenciosamente dentro do auditório escuro e empoeirado da Escola Primária C.D.B. King, em sua primeira manhã de volta às aulas. Apesar do calor, muitas das crianças vestiam mangas longas e calças cobrindo o máximo do corpo possível.

Um aluno da segunda série vestia luvas cor de rosa que abafavam o som de suas palmas enquanto os professores se apresentavam. Quando todo mundo se levantou para cantar o hino nacional da Libéria, ele saudou com a mão esquerda, ainda com a luva.

"O ebola destruiu e devastou nossa terra", disse Venoria Crayton, a vice-diretora, aos seus alunos. "Ele nos trouxe tristeza, nos trouxe dor. Alguns de seus vizinhos morreram, não é? Alguns dos filhos de seus vizinhos morreram, não é? Mas vocês estão aqui."

Cerca de oito meses depois dos governos da região terem fechado as escolas para impedir a disseminação do ebola, crianças não uniformizadas carregando mochilas voltaram às ruas de Monróvia, a capital, talvez no sinal mais visível do recuo da epidemia.

Mas a campanha ora em vigor, ora não, de volta às aulas da Libéria também é uma medida da longa sombra projetada pelo ebola, uma doença que afetou quase todos os aspectos da sociedade nos países mais duramente atingidos, Libéria, Serra Leoa e Guiné.

Apesar dos casos de ebola terem praticamente desaparecido na Libéria, com o Ministério da Saúde dizendo na quarta-feira que o último paciente em tratamento apresentou resultado negativo para o vírus, o temor persistente e a economia deprimida reduziram o comparecimento dos alunos às escolas. Muitas ainda não reabriram, ao não atenderem às exigências mínimas implantadas para impedir a transmissão do vírus.

Muitas das que reabriram enfrentam dificuldades. Assim como o fraco sistema de saúde da Libéria ruiu enquanto o ebola varria o país, muitas pessoas aqui temem que as escolas do país estejam mal equipadas para lidar até mesmo com o final da epidemia.

A C.D.B. King, apesar de ficar no centro da capital, carece de eletricidade e água corrente, e tem apenas poucos vasos sanitários para os cerca de 1.000 alunos que a frequentavam antes da epidemia.

Agora, a escola está tentando superar esses antigos problemas - e os estragos causados por uma doença que matou mais de 9.600 pessoas na região.

Abanando-se com uma folha de papel, Crayton, a vice-diretora, apresentou a lista de coisas que não devem ser feitas. Não brinquem de modo agressivo. Não troquem lápis. Não dividam comida. Não cuspam. Não urinem no pátio. Não escondam doenças na família.

"Se vocês quiserem viver", ela disse aos alunos, "não mintam sobre o ebola".

Ao final do primeiro dia de aula, apenas cerca de 30 alunos compareceram.

"As pessoas ainda estão com medo, de forma que estão sendo cuidadosas com seus filhos", disse Augustus Seongbae, o diretor. "Muitas delas estão observando o que acontece às crianças que vierem primeiro."

Forte desacordo sobre a retomada ou não das aulas forçou o governo a mudar várias vezes a data original de reinício de 2 de fevereiro, antes de finalmente decidir pela reabertura das escolas de modo gradual a partir de 16 de fevereiro. O governo disse que, com o declínio do ebola, muitas crianças já estavam brincando em suas comunidades, e que tempo letivo potencial estava sendo perdido.

Mas alguns legisladores, autoridades de educação e pais argumentaram que as crianças não deveriam voltar às aulas até a Libéria ser declarada livre do ebola, ou 42 dias após o último caso da doença - o que especialistas dizem que ainda pode levar meses.

Tolbert Nyenswah, o vice-ministro da Saúde da Libéria encarregado pela resposta ao ebola, disse na quarta-feira que não há nenhum novo caso confirmado da doença no país há 12 dias, mas que as autoridades ainda estão rastreando 102 pessoas por possível exposição ao vírus.

"Nós ainda não saímos da floresta", ele disse.

Miatta Fahnbulleh, a mãe do menino com luvas cor de rosa, James Nyema, 9, costumava mandá-lo para uma escola particular. Mas como ela está desempregada há meses de seu cargo de professora de jardim de infância, ela optou por mandá-lo à C.D.B. King, uma escola pública. As escolas públicas são gratuitas, apesar dos pais terem que pagar pelos uniformes e outros itens.

Ela levou seu filho, conhecido como J.C. porque seu segundo nome é Christian, à escola pela manhã com um saco plástico azul contendo seu lanche e uma garrafa de água.

"Eu lhe disse no caminho: 'Não troque nada com ninguém, não beba água de ninguém, não toque ninguém'", ela disse rindo, quando veio buscar seu filho.

Ela o vestiu com calças e camisa de manga longa, que ele normalmente só veste durante a estação das chuvas - não agora, a época mais quente e seca do ano. Ela comprou as luvas em um mercado próximo, onde passaram a ser vendidas durante o auge da epidemia, no ano passado.

"O que posso fazer?" ela disse, rindo de novo.

Na C.D.B. King, Crayton chegou às 6h30 da manhã no segundo dia de aula para tentar deixar a escola segura contra o ebola. Ninguém na escola recebeu treinamento direto, de modo que ela consultou um folheto de instrução que recebeu juntamente com os materiais dos doadores internacionais - termômetros de infravermelho, baldes, cloro, botas e luvas de borracha, escovas e sabão.

Ela botou para fora alguns ambulantes locais, que guardaram seus produtos durante a noite no pátio da escola. "Esta é uma escola do governo", ela disse para uma mulher, que partiu com seus utensílios sobre a cabeça.

O único guarda da escola –que opera ao menos dois negócios paralelos, incluindo o aluguel do pátio da escola para armazenamento e venda de cartões de celular pré-pagos em frente à porta da escola– foi encarregado de tomar a temperatura dos alunos que chegavam. Estações para lavagem das mãos, cheias de cloro e água tirada do poço no pátio, foram montadas nas entradas da escola e dos toaletes.

Uma professora soou o sino para a reunião matinal. Após rezarem, Crayton alertou seus alunos: "O ebola ainda está na cidade, assim queremos que vocês sejam muito, muito, muito cuidadosos".

Ao longo do restante da primeira semana, algumas peças começaram a se encaixar no C.D.B. King. A bandeira vermelha, branca e azul da Libéria foi hasteada no pátio. As crianças pareciam mais à vontade e J.C. até mesmo vestia um short no fim da semana. Na sexta-feira, cerca de 60 alunos compareceram.

O sino apontou o término das aulas. Incapaz de encontrar a tia que supostamente o levaria para casa, J.C. começou a voltar sozinho para casa, parando diante das lojas de brinquedos. Ao chegar em casa, sua mãe riu quando perguntada sobre o short e mangas curtas de seu filho, e a ausência das luvas.

"Nós ainda temos medo", ela disse. "O ebola ainda está aqui."