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Dietas com alto teor de gordura podem ajudar a performance de atletas

Petiscos da Academia da Cachaça, em foto de fevereiro - Guto Costa/Divulgação
Petiscos da Academia da Cachaça, em foto de fevereiro Imagem: Guto Costa/Divulgação

06/03/2015 06h00

Uma alimentação com grande quantidade de gordura pode servir para um atleta de alta performance?

A maioria das pessoas que faz exercícios ou compete em esportes de resistência provavelmente responderia que não. Por décadas, atletas profissionais e amadores acreditaram firmemente que deveríamos – até precisaríamos – ter uma dieta rica em carboidratos para alimentar o esforço. O senso comum aconselha a evitar comidas com muita gordura por serem uma fonte pouco eficiente de combustível e poderem causar aumento do peso.

Nos últimos anos, alguns cientistas e um bom número de esportistas começaram a questionar essas certezas. Atletas devotados a esportes de alta resistência, principalmente, elogiam as dietas de alto teor de gordura como uma maneira de melhorar o desempenho.

O debate provavelmente vai aumentar com o anúncio, na semana passada, de novas diretrizes do Comitê Consultivo de Orientação Alimentar que sugerem cortar os carboidratos vindos do amido, básicos em várias dietas de atletas, e consumir mais nozes e outros alimentos ricos em gordura, para aumentar a saúde metabólica.

Claro que melhorar a saúde metabólica não é o foco principal de atletas sérios. Eles se preocupam com treinos e corridas mais difíceis, rápidos e frequentes. E querem que suas dietas os transformem em melhores atletas.

Teoricamente, uma dieta de alto teor de gordura pode fazer isso. Somos, no final das contas, cheios de gordura, como deixou claro um abstrato publicado no ano passado no The European Journal of Sport Science. Intitulado “Rethinking Fat as a Fuel for Endurance Exercise” (“Repensando a Gordura como Combustível para Exercícios de Resistência”, em tradução livre), o artigo afirma que mesmo o maratonista mais magro mantém “um excesso de 30 mil quilocalorias de reserva de tecido adiposo no corpo”, que é “uma ordem de magnitude maior do que a quantidade máxima de carboidratos estocados no corpo”.

Ou seja, podemos carregar combustível suficiente na forma de gordura corporal para nos ajudar a terminar várias maratonas.

Porém, a gordura da alimentação não está tão facilmente disponível como os carboidratos, que ficam estocados nos músculos na forma de glicogênio. Os músculos podem retirar e queimar o glicogênio sem ter que passar por várias etapas metabólicas intermediárias. O glicogênio proporciona uma energia rápida vinda do açúcar, que pode servir de combustível para a maioria dos exercícios.

A gordura, ao contrário, precisa primeiro ser quebrada em ácidos graxos e outros componentes antes que possa ser usada pelo músculo, um passo intermediário que a torna menos disponível e ineficiente como combustível, especialmente durante treinamentos intensos.

No entanto, pesquisadores que estudam esportes mostraram há tempos que o treinamento de esforço faz com que os atletas tenham mais capacidade de usar a gordura como combustível. Recentemente, essa adaptação metabólica levou vários cientistas e técnicos a pensarem sobre o que aconteceria se você ampliasse essa habilidade ao extremo e treinasse o corpo do atleta para depender quase que exclusivamente de gordura, aumentando sua ingestão e tirando todo o carboidrato da alimentação.

“Do ponto de vista da evolução, uma dieta de grande quantidade gordura e de alto desempenho faz sentido”, afirma Jeff Volek, professor da Universidade Estadual de Ohio e coautor do abstrato. “Os primeiros humanos, os caçador-coletores, que eram bastante ativos fisicamente, comiam principalmente gordura. Ela tem sido o principal combustível dos humanos há muito mais tempo do que os carboidratos.”

Mas a ciência moderna que defende os benefícios de uma alimentação com teor extremamente alto de gordura e pouco carboidrato para melhorar o desempenho no esporte é escassa e equivocada, avisa Louise Burke, chefe de nutrição do esporte da Comissão Australiana de Esportes, que conduziu vários estudos sobre dietas de alto teor de gordura para atletas.

Uma parte do problema, Volek e Louise concordam, é que não existe uma definição formal para dieta de alto desempenho com alto teor de gordura para pessoas ativas. Muitos atletas acreditam que reduzir os carboidratos a menos de 20 por cento de suas dietas, enquanto aumentam a gordura para pelo menos 65 por cento, com o resto sendo proteína, representa o tipo de alimentação de alto teor de gordura que vai permitir que vivam quase exclusivamente de gordura durante o esforço e, dessa maneira, quase nunca fiquem cansados.

Mas, segundo Volek, a dieta ideal com grande quantidade de gordura para aumentar a performance no esporte teria cerca de 85 por cento de gordura e quase nada de carboidratos. Essa alimentação extremamente gordurosa leva a uma condição conhecida como cetose, em que o corpo cria moléculas chamadas cetonas, resultado da quebra da gordura em ácidos graxos. Quando o sangue não tem muito açúcar, o corpo e o cérebro queimam as cetonas como combustível. Acredita-se também que as cetonas ajudem a reduzir inflamações pelo corpo todo.

Assim, na teoria, as cetonas e os ácidos graxos podem alimentar mesmo o exercício mais prolongado e difícil em pessoas que seguem uma dieta de alto teor de gordura, e ajudá-los a se recuperar desse esforço reduzindo as inflamações e os danos aos músculos.

Mas Louise Burke afirma que nenhuma pesquisa até agora mostrou que dietas cetogênicas, com teores muito altos de gordura, na verdade “melhoram o desempenho nos esportes”, apenas que fazem com que atletas de resistência usem melhor a gordura como combustível. Os mesmos estudos geralmente mostram que dietas de alto teor de gordura diminuem a performance durante picos de alta intensidade, já que mesmo atletas adaptados à elas precisam de reservas de açúcar para queimar rapidamente.

Ainda assim, pode haver razões para que alguns atletas tentem uma dieta de alto teor de gordura e baixo de carboidrato, diz Louise. “A performance no esporte requer flexibilidade metabólica – a habilidade para usar bem todos os tipos de combustível”, explica. Melhorar a capacidade de queimar gorduras pode ser parte desse treinamento.

Dietas cetogênicas também normalmente causam perda de peso, diz Volek, o que pode melhorar a performance do esportista.

Se você decidir pela sobrecarga de gordura, no entanto, saiba que a mudança pode causar alterações em seu treino. Na verdade, o desempenho cai drasticamente durante várias semanas, conta Volek, especialmente se você está tentando chegar em um estado de cetose. O corpo usa o todo o glicogênio antes de se adaptar bem ao uso da gordura, e as pessoas tendem a ficar cansadas, sentir as pernas pesadas, ter náuseas e mal-estar por até um mês.

O mecanismo desse tipo de dieta também é assustador. Apesar da ideia de se encher de porções de manteiga, creme e bacon parecer atraente, “é muito difícil ter” uma alimentação apetitosa e sustentável com 80 por cento de gordura, avisa Louise. (Volek é coautor de “The Art and Science of Low Carbohydrate Performance” – A Arte e a Ciência da Performance com Baixo Carboidrato, em tradução livre – que inclui planos de refeições e receitas para atletas.)

O resultado, baseado na melhor ciência disponível hoje em dia, é que uma dieta com muita gordura e pouquíssimo carboidrato pode ser útil para alguns atletas, especialmente os que participam de atividades prolongadas e baseadas na resistência. Porém, para o resto de nós, uma alimentação balanceada, com menos açúcar e talvez mais alguns tabletes de manteiga, pode beneficiar a saúde e, dessa maneira, melhorar nossa performance nas pistas e na academia.