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Em seu último surto, vírus ebola não exibiu mutações incomuns, aponta estudo

Pesquisador trabalha na produção de vacina contra o vírus ebola no Instituto The Jenner em Oxford, na Inglaterra - Eddie Keogh
Pesquisador trabalha na produção de vacina contra o vírus ebola no Instituto The Jenner em Oxford, na Inglaterra Imagem: Eddie Keogh

Pam Belluck

26/03/2015 19h56

Os temores de que a atual epidemia de ebola, a mais mortífera na história, foi causada por um vírus mais letal, mais rápido e facilmente transmissível do que o de surtos anteriores parecem ser infundados, segundo um novo estudo.

A análise genética publicada na revista "Science" na quinta-feira se baseia em dados que indicam que o vírus sofreu mutação com o passar do tempo de modo semelhante ao de surtos anteriores, menores.

Os pesquisadores dizem que estudos de mais casos e mais recentes ainda são necessários para confirmar essas conclusões. Mas a nova análise oferece evidência encorajadora de que os testes usados para diagnosticar os pacientes com ebola e as vacinas e drogas que estão sendo desenvolvidas para prevenir e tratar a doença podem continuar se baseando na taxa típica de mutação. Também significa que as preocupações com cenários apocalípticos, como o vírus se tornar transmissível pelo ar, parecem improváveis, dizem os especialistas.

"Ele não se tornou mais letal ou mais virulento", disse David Safronetz, um autor do estudo e cientista do Laboratório de Virologia do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas. "O vírus está agindo como sempre agiu."

Basicamente, indica o estudo, apesar deste surto ter infectado 24 mil pessoas e matado cerca de 10 mil, sua escala está relacionada ao local onde a epidemia ocorreu –no cruzamento de três países vulneráveis– em vez de ser devido a alguma característica incomum do próprio vírus.

Os cientistas avaliaram as mudanças no vírus com o passar do tempo, comparando dados de sequenciamento genético de um pequeno número de casos em Mali, em outubro e novembro, com dados dos pacientes infectados em março passado na Guiné e em junho em Serra Leoa.

Eles descobriram que o número de mutações foi praticamente o mesmo que nos vírus em surtos anteriores, sugerindo que o vírus não está sofrendo mutações mais rapidamente. E relataram que as mudanças genéticas que identificaram não eram significativas o bastante para tornar o vírus mais transmissível ou mortífero.

"O estudo não sugere que o vírus esteja se tornando pior", disse o dr. Thomas Ksiazek, um especialista em ebola da University of Texas Medical Branch, em Galveston, que não esteve envolvido no estudo.

Isso apoia o uso e desenvolvimento de testes de laboratório específicos para o vírus e drogas calibradas segundo a taxa de mutações vista nos surtos anteriores.

"Você não preveria, de acordo com o que eles publicaram, que teremos problemas com os diagnósticos, vacinas e terapias" que estão sendo desenvolvidos, disse o dr. Anthony S. Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, que financiou em parte a pesquisa.

Os casos analisados no estudo envolveram pessoas que foram infectadas na Guiné e viajaram para Mali: uma menina de 2 anos levada por parentes para Mali em outubro e um imã que foi para Mali em novembro e cuja doença se espalhou para seis outras pessoas antes de ser contida. O dr. Heinz Feldmann, chefe do Laboratório de Virologia do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas e um autor do estudo, disse que a equipe obteve genomas completos a partir das amostras de sangue da menina de 2 anos e de três pacientes dos casos de novembro.

Dados das amostras de sangue de março e junho vieram de dois estudos anteriores por outros pesquisadores. Um deles, usando as amostras de junho, relatou que a taxa de mutação era "cerca de duas vezes maior dentro do surto de 2014 do que entre surtos" e disse que, "como muitas das mutações alteram sequências de proteínas e outros alvos biologicamente importantes, elas devem ser monitoradas para impacto sobre diagnósticos, vacinas e terapias críticas para a resposta a uma epidemia".

Os autores daquele estudo não levantaram alarme sobre um vírus em rápida mutação, mas Fauci disse que alguns os interpretaram erroneamente, como se sugerissem que poderia haver problemas com os testes de laboratório e drogas em desenvolvimento. Os resultados do estudo de Mali acalmou esses temores, ele disse.

O estudo das amostras de junho foi o maior, como 99 genomas de 78 pacientes. Mas, como esses pacientes adoeceram mais cedo no surto, os casos posteriores de Mali possibilitam documentar a mudança com o passar do tempo.

"Nós avançamos cinco meses a mais no surto e não encontramos o vírus com uma taxa maior de evolução", disse Feldmann. Sua equipe usou um algoritmo diferente do usado pela equipe de junho, e Fieldmann disse que, quando aplicaram seu algoritmo às amostras de junho, a taxa de mutação resultante foi semelhante a de surtos anteriores.

Pardis Sabeti, uma geneticista de Harvard e uma autora do estudo com amostras de junho, disse que o novo estudo foi "consistente" com a análise de sua equipe, que ela disse ter encontrado um número semelhante de mutações. Ela acrescentou: "Não há como dizer se as mutações em particular mudam a biologia do vírus sem estudos experimentais. Nós não devemos nos tornar alarmistas e nem complacentes".

Feldmann disse que o passo seguinte foi analisar um lote de amostras da Libéria, de agosto até o presente. Os estudos até o momento, incluindo o de sua equipe, "são retratos", ele disse. "A análise se tornará muito melhor se pudermos olhar para todo o surto."

Tradução: George El Khouri Andolfato