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Cientistas discutem imunoterapia para alguns tipos de câncer

As pesquisas de câncer focam na imunoterapia para ajudar o sistema imunológico a combater o câncer - Shannon May/The New York Times
As pesquisas de câncer focam na imunoterapia para ajudar o sistema imunológico a combater o câncer Imagem: Shannon May/The New York Times

George Johnson

23/05/2015 06h00

O poderoso algoritmo que povoa a Terra com 10 milhões de espécies, cada uma das quais ocupando um diferente nicho ecológico, é um exemplo do que os cientistas da computação chamam de "geração e teste aleatórios”.

Comece com o alfabeto do DNA, em seguida embaralhe as letras para produzir um caleidoscópio de seres vivos. Os mais fortes, selecionados pelas demandas do ambiente, se multiplicam e preenchem o ambiente em que vivem.

O princípio darwinista também funciona no interior do corpo, ainda que de maneira diferente. Por meio de variações aleatórias e da seleção, o sistema imunológico fabrica a infinidade de anticorpos que utiliza para barrar os invasores microscópicos.

Entretanto, o câncer também se desenvolve com esse mesmo princípio evolucionário, mutação por mutação, até que uma célula humana normal se converta em um tumor mortal, que se torna cada vez mais forte à custa de seu hospedeiro. Entre as vantagens que o tumor desenvolve está a capacidade de superar as defesas imunológicas.

Um dos desenvolvimentos mais encorajadores da pesquisa médica é o esforço para ajudar o sistema imunológico a combater e vencer o câncer no mesmo páreo evolucionário.

Esse foi o tema dominante do encontro anual da Associação Norte-Americana de Pesquisa Oncológica na Filadélfia, onde os cientistas discutiram os sucessos mais recentes da imunoterapia, refletindo sobre os limites desse campo.

Por que esses tratamentos funcionam tão bem com alguns tipos de câncer, mas não com outros? E por que, mesmo nos melhores casos, nem todos os pacientes reagem?

A percepção de que forças evolucionárias funcionam no interior dos nossos corpos – para o bem ou para o mal – surgiu no início dos anos 50, quando o virologista australiano Frank Macfarlane Burnet refletia sobre como combater uma infinidade de micróbios invasores, adaptando anticorpos para enfrentar cada caso.

Uma das possibilidades era a de que, ao identificar os intrusos por suas características moleculares, o sistema imunológico cria automaticamente uma arma feita sob medida. A natureza não funciona de maneira tão metódica, e Burnet sugeriu uma explicação mais bagunçada e intuitiva: a teoria da seleção clonal da imunidade.

Ao misturar o DNA, o corpo sempre gera uma variedade aleatória de células imunológicas, cada qual com um formato diferente. Quando uma delas encontra um micróbio com uma superfície compatível, ela entra em ação.

Então ela começa a se multiplicar para produzir um exército de clones com progenia idêntica. É isso que permite que os anticorpos combatam as infecções.

Algumas das novas células imunológicas permanecem no corpo, guardando a memória do invasor. Na próxima vez que aparecer, o corpo estranho será rapidamente reconhecido e destruído.

No câncer, a variação aleatória e a seleção natural produzem um tipo diferente de progenia: clones de células mutantes. Quando as células saudáveis se dividem, mutações inevitavelmente ocorrem e se espalham. As mutantes mais fracas morrem, ao passo que as mais fortes sobrevivem.

As mais agressivas se convertem em tumores cancerosos, sempre encontrando novas formas de expandir seu território e estender sua vida.

Existem inúmeras hipóteses para explicar porque não é possível buscar e destruir essas células com a mesma eficácia com que tratamos doenças vindas de fora do corpo. Como o câncer surge em nossos próprios tecidos, o sistema imunológico nem sempre reconhece a distinção entre o que faz parte do corpo e o que é "de fora".

Além disso, ao contrário de uma infecção, o câncer geralmente floresce em pessoas mais velhas. Sob o olhar frio da evolução, não existe muita vantagem na manutenção da vida de seres que já passaram da idade de reprodução.

Sobra para os humanos encontrar formas de ensinar o corpo a tratar o câncer como um inimigo, sem afetar os tecidos saudáveis.

Nos últimos anos, os cientistas trataram alguns pacientes por meio da extração de células imunológicas e de sua reprogramação para o combate aos tumores. Às vezes as células cancerosas são utilizadas no desenvolvimento de uma vacina feita sob medida, imunizando o corpo contra uma porção destrutiva do si mesmo.

Essa é a abordagem do design inteligente: o cientista-criador está alí, criando remédios para os problemas internos de cada paciente.

Boa parte da empolgação no encontro na Filadélfia girava em torno das técnicas que modificavam o sistema imunológico de uma forma mais profunda.

Na batalha contra bactérias e vírus, é importante que o ataque seja breve e fulminante. Do contrário, o resultado pode ser uma inflamação crônica, o que também tem consequências desastrosas.

As células desenvolveram proteções moleculares que impedem o sistema imunológico de combater a si mesmo. Quando o câncer leva a uma resposta defensiva em pequena escala, o corpo logo interrompe o processo, como se estivesse lidando com uma infecção comum.

O câncer, ao longo da própria evolução, também encontra maneiras de sobreviver por meio de seu próprio sistema de proteção. Em ambos os casos, o contra-ataque do sistema imunológico é bloqueado.

Agora, os médicos estão desenvolvendo novos medicamentos que visam impedir que o sistema imunológico pare de combater o câncer.

Até o momento, os resultados mais impressionantes se deram no tratamento de melanomas avançados; alguns pacientes que provavelmente morreriam nos próximos meses acabaram tendo uma sobrevida de anos. Isso pode se dever ao fato de que as células do melanoma geralmente possuem um número grande de mutações, o que oferece inúmeros alvos para o sistema imunológico alterado. Pacientes com câncer de pulmão e grande incidência de danos genéticos também parecem responder de forma positiva ao tratamento.

Em todo caso, as terapias parecem funcionar melhor no combate a cânceres onde a reação imunológica já ocorra naturalmente, ainda que de forma limitada. A maior dificuldade é aumentar a intensidade da reação, sem causar muitos danos colaterais.

No caso das doenças mais mortais, provavelmente vale a pena correr o risco. O desafio agora é enfrentar outros tipos de câncer – além de identificar rapidamente os pacientes que responderão melhor ao tratamento.

Apesar de todos os tratamentos criados pela humanidade – a quimioterapia, a radiação, os medicamentos específicos – o câncer tem demonstrado uma capacidade incrível de desenvolver novas saídas. A esperança é que desta vez as coisas sejam diferentes.

Assim como o câncer, a imunoterapia conta com o poder do darwinismo – mas só se conseguirmos ganhar a corrida evolucionária.