Depoimento: Por que eu não faço parte do "roteiro esperado" de vida sexual
Se alguém tivesse me contado dez anos atrás que eu iria anunciar no "New York Times" com que idade perdi a virgindade, eu teria morrido de vergonha.
Quando tinha 20 e poucos anos, só havia duas explicações válidas para ser virgem: 1) Você era extremamente religiosa e fizera um voto de castidade até se casar. 2) Você era uma "otária": sem atrativos ou incompetente socialmente para ter sucesso no instinto biológico mais básico.
Eu não era religiosa e sabia que não era "otária", mas mesmo assim eu me sentia tremendamente envergonhada do fato de não ser sexualmente ativa.
Não que eu tivesse medo do sexo ou nojo dele. Como a maioria das pessoas que conhecia, eu falava sobre sexo constantemente. Na hora de conversar, eu era bacana, flertava, tinha coragem. Já em particular, minha vida sexual praticamente não existia e não inteiramente por minha própria escolha. Em um mundo ideal, eu teria perdido a virgindade nos dois primeiros anos da faculdade, mas a oportunidade certa nunca pareceu se apresentar. Eu queria fazer sexo, mas queria que fosse com alguém que amasse -- ou pelo menos com alguém de quem gostasse e confiasse o suficiente para esperar que nosso relacionamento durasse mais um mês ou dois depois que realizássemos a façanha.
Assim, eu esperei, ficando mais e mais envergonhada do meu status, embora nunca perturbada o bastante para entregar as pontas e transar com quem não estivesse a fim.
Sentir vergonha da vida sexual é uma experiência tão antiga quanto a civilização ocidental. Quer fosse com gays forçados a sepultar os desejos sexuais por medo de serem marginalizados ou mortos ou com adolescentes grávidas enviadas a "maternidades" para ter os filhos distantes dos vizinhos bisbilhoteiros, o sexo tem sido tratado como uma medida da nossa propriedade, cuidadosamente monitorada quanto ao menor sinal de não conformidade.
Contudo, nas últimas décadas, os padrões pelos quais nossa sexualidade é avaliada -- e as fontes de nossa vergonha sexual -- evoluíram. O sexo deixou de ser apenas uma coisa que não nos deixam fazer para não sermos julgados como sujos e depravados. Também é algo que devemos fazer ou seremos declarados patéticos, puritanos e indesejáveis.
Não se trata de dizer que as velhas ortodoxias desapareceram por completo. Ainda vivemos em um mundo repleto de "slut shaming" [fazer uma mulher se sentir inferior devido ao comportamento sexual] e homofobia. Porém, esses padrões agora são acompanhados por um novo e mais insidioso conjunto de ideais e aspirações em torno da frequência, desempenho e identidade sexuais.
Tais ideais são implícitos nas pesquisas habituais sobre nossa frequência sexual, rapidamente transformada pela cultura popular em doutrinas da frequência com que deveríamos fazer sexo (duas a três vezes por semana, como qualquer leitora regular de uma revista feminina irá dizer). Eles estão na descrição do sexo como uma torneira que sempre pinga da qual todos bebem, e na insinuação de que o seu sexo provavelmente não é interessante a ponto de satisfazer as necessidades do seu parceiro -- ou, em primeiro lugar, de garantir um parceiro.
Todavia, a parte mais inegociável da nova ortodoxia sexual é simplesmente que se deve estar fazendo sexo. Se você fizer parte de um casal, o sexo é a medida da saúde da sua relação -- um barômetro isento do quanto você deseja seu parceiro e do quanto ele ainda deseja você. Se você for solteiro, sua vida sexual é um reflexo do seu valor de mercado -- do nível de atratividade e da profundidade com que está engajado com a sua vida. Como Helen Gurley Brown, a editora fundadora da revista "Cosmopolitan" ficou famosa por dizer, "minha filosofia é a de se você não está transando, você está acabada".
Se sexo é bom e prazeroso, uma vida sem ele deve ser deficiente. Se for natural, não fazer sexo significa desafiar a natureza. Se o sexo é o prazer supremo, não fazer tudo que pode em busca dele sugere que você está fraco. Se poderia estar transando, mas não está, você deve ser reprimido ou indesejável.
Esse não é só um problema para virgens de 20 e poucos anos. É um problema para qualquer um que já temeu que sua vida sexual fosse diferente do que poderia ser. Ou seja, é um problema para quase todos nós.
Por mais gostoso e prazeroso que o sexo possa ser, a maioria vive períodos em que a vida sexual não bate com o roteiro oferecido para nós. Talvez você queira menos sexo do que antes, e está pensando qual é o significado disso para a sua relação. Talvez você esteja em um celibato quase involuntário em um mundo que imagina a vida de solteiro como um longo episódio de "Sex and the City" ou "Entourage". Talvez seu impulso sexual seja ardente, mas você não consegue dar vazão a ele ou seus desejos carnais mais profundos são algo a que você foi criado a pensar como nojento. Talvez você nunca tenha entendido porque dão tanta bola para isso e prefere sair com os amigos ou comer uma bela fatia de pizza.
Provavelmente, o sexo sempre será um assunto que nos afeta profundamente. Ele está relacionado demais à maneira pela qual a maioria das pessoas se conecta e encontra intimidade com as outras (sem mencionar o impulso de liberação do desejo sexual e das consequências reprodutivas do intercurso heterossexual). Porém, ele não precisa ser tão cheio de emoção -- e simbolismo -- como é. Nós não deveríamos ser obrigados a sentir vergonha de nosso desejo pelo sexo, mas também não deveríamos sentir vergonha por não conseguir fazer sexo.
Para mim, em parte foi a passagem do tempo que me ajudou a ir além da vergonha que sentia por minha virgindade. Bem como o amadurecimento e a entrada em um relacionamento que me deixou mais perto dos ideais determinados para mim por minha cultura.
Entretanto, também foi a percepção de que mesmo se minha fonte particular de vergonha fosse unicamente minha, a sensação de não ser "suficiente" em termos de sexo era comum a muitos de nós, e que uma das melhores maneiras de dissolver essa ansiedade era compartilhar as partes de nossas histórias que nos deixam mais incomodados.
Para que fique claro, eu tinha 26 anos.
* Rachel Hills é autora de "The Sex Myth: The Gap Between Our Fantasies and Reality" (O Mito do Sexo: o abismo entre nossas fantasias e a realidade; Simon & Schuster, 2015)
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