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Quanto tempo você vai viver? Dinheiro e políticos podem influenciar

Joyce Hesselberth/The New York Times
Imagem: Joyce Hesselberth/The New York Times

Paula Span

20/10/2015 14h01

Esta é a história de duas senhoras.

Susan McNeely largou a faculdade depois de um ano para se casar e ter filhos. Ela trabalhou a vida inteira – como garçonete, motorista do ônibus escolar, pescadora profissional, caixa de banco, gerente de propriedade –, mas "era um sufoco, eu vendia o almoço para comprar o jantar", ela contou.

Agora com 67 anos, divorciada e morando em Proctorsville, Vermont, Susan torrou as economias quando a recessão arrasou um bar e restaurante que ela havia aberto nas redondezas. Um enfisema a deixou dependente de oxigênio extra 24 horas por dia.

Uma pequena pensão do governo, assistência pública para o aquecimento e US$ 183 em auxílio-alimentação representam sua única receita. A vida poderia ser mais fácil se Susan mudasse para Connecticut, perto da irmã, mas ela não consegue pagar o aluguel no outro estado. Mesmo assim, com a ajuda de amigos, ela faz jardinagem, participa de grupos de leitura e frequenta cinemas de US$ 5. Em sua opinião, as décadas vivendo com baixa renda provavelmente a ajudaram, pois "sei como fazer um dólar render".

Carol Rosen também cresceu em uma família simples, mas obteve um diploma universitário, se casou com um cirurgião e trabalhou como designer de exposições em museus e como voluntária. Ela herdou dinheiro da mãe e, posteriormente, do marido, que morreu há dois anos. Agora com 81 anos e recuperando-se da perda, ela mora na refinada Mountain Lakes, Nova Jersey, caminha 45 minutos por dia, vê concertos na cidade de Nova York e planeja férias que envolvem caminhar e acampar.

Carol reconhece que teve sorte. "Eu posso sair para jantar, manter minhas entradas para a Filarmônica e ir a Belize", onde andou de canoa e ficou (sozinha) em uma cabana de sapé no inverno passado. A mãe e outros parentes passaram dos 90 anos e, ela, que sobreviveu ao câncer de mama, também espera chegar lá "porque ainda existe muita coisa que eu gostaria de fazer".

Idosos enfrentam vários martírios comuns: lutas com a saúde e por mobilidade, a redução das redes sociais, a rejeição de uma cultura embriagada pela juventude.

"Contudo, as pessoas enfrentam esses desafios em um campo desnivelado", disse Corey Abramson, sociólogo da Universidade do Arizona. "A desigualdade que modela nossas vidas a partir do nascimento não termina com o pagamento do primeiro benefício da aposentadoria."

Ele observou que a desigualdade socioeconômica ajuda a determinar quem envelhece.

O livro de Abramson, "The End Game: How Inequality Shapes Our Final Years" (Fim de jogo: como a desigualdade define nossos últimos anos), e um relatório da Academia Nacional de Ciências, do mês passado, sobre o crescimento do abismo da expectativa de vida, destacam o efeito da renda e da educação na velhice.

Ronald Lee, demógrafo da Universidade da Califórnia, campus de Berkeley, e um dos diretores do comitê que estudou esse abismo, disse estar impressionado com as descobertas.

Ao dividir a população em níveis de ganhos durante a vida, o comitê constatou que os homens nascidos em 1930 que chegaram aos 50 anos de idade tinham uma expectativa de vida de mais 26,6 anos, caso se encontrassem na faixa de baixa renda, e de 31,7 anos nas faixas mais elevadas. Entretanto, as projeções para os homens nascidos em 1960 não mostravam melhoria para quem ganhava menos – e sete anos adicionais para os maiores salários. Em três décadas, o abismo da expectativa de vida se ampliou de quase cinco anos para mais de 12; "é impressionantemente grande", disse Lee.

Trocando em miúdos, os ganhos de longevidade de que todos nós tanto ouvimos (e sobre os quais escrevemos) são dos homens no topo da escada econômica.

E, de forma mais chocante, para as mulheres no topo. As mulheres de baixa renda têm expectativas de vida declinantes em simulações que compararam as de 1960 com as nascidas trinta anos antes. "Isso é em grande medida explicado pelas diferenças entre começar e parar de fumar", afirmou Lee. Todavia, as mulheres da faixa de ganhos mais elevados que chegam aos 50 anos agora podem esperar, em média, outros 41,9 anos. A diferença por renda cresceu de quatro anos para mais de 13.

Esses abismos em crescimento significam que os ricos ficam mais ricos quando se trata de benefícios federais – Previdência Social, assistência médica e auxílio-saúde. No grupo nascido em 1930, os benefícios durante a vida eram quase iguais para homens de baixa e alta renda. Entre os nascidos em 1960, no entanto, os homens da faixa mais elevada vão receber, em média, US$ 132 mil a mais do que os da menor; as mulheres da faixa mais alta receberão US$ 28 mil a mais.

"O abismo crescente na expectativa de vida significa ainda mais desigualdade durante a vida", afirmou Peter Orszag, um dos diretores do comitê e ex-diretor do Escritório de Administração e Orçamento dos Estados Unidos.

Em estudo etnográfico realizado ao longo de muitos anos, Abramson viu como a desigualdade afetava as vidas diárias enquanto visitava casas de repouso e asilos em bairros de classe média e baixa na área da Baía de San Francisco, na Califórnia, observando e entrevistando – e, às vezes, levando alguém à consulta médica. "A diferença estrutura as vidas de formas profundas", ele declarou.

Por exemplo, bairros de classe média têm mais opções de transporte, organizações de assistência social e de voluntários em maior quantidade e com verbas polpudas, mais mercados a distância de uma caminhada, hospitais melhores.

As casas de repouso subsidiadas nessas zonas pareciam condomínios de luxo. Em bairros pobres, "parecia mais o estereótipo de um conjunto habitacional", afirmou Abramson. "O ambiente físico, tudo, das calçadas à habitação, costumava ter manutenção pior." Taxas de crime elevadas deixam os idosos temerosos de se aventurar pelas ruas.

A assistência médica também varia. O fato de que praticamente todos os idosos norte-americanos recorrem aos programas federais de auxílio e de saúde não apaga os efeitos cumulativos de uma vida inteira de acesso desigual.

Por exemplo, Carol sempre teve seguro-saúde e paga um particular para bancar o que o governo não oferece. Susan não consegue pagar a mensalidade de um plano de saúde. Após uma semana internada por causa da piora do enfisema no começo do ano, ela ainda paga esporadicamente contas médicas não quitadas pela saúde pública. A saúde dentária não é das melhores porque o seguro-saúde público não cobre.

A desigualdade afeta até mesmo os benefícios das redes sociais. "Perdi muita gente que era importante para mim, e os que sobraram passam muito tempo na Flórida", disse Carol. Ela está pensando em ser voluntária dos candidatos do Partido Democrata no ano que vem, uma fonte de recompensas físicas e de conexões sociais.

Quase todo idoso comparece a funerais em demasia, mas Susan se vale de bons amigos e vizinhos para diversos tipos de ajuda direta: remoção de neve, compra de remédios na farmácia, cuidados quando adoece. "Eu não conseguiria fazer o que faço sem eles", ela garantiu. Pessoas endinheiradas perdem muitos amigos, mas também podem contratar auxílio.

Essa desigualdade no tempo de vida, em ambientes físicos, na assistência médica e em benefícios significa que os formuladores de políticas e os políticos, que costumam se entusiasmar na hora de cortar "programas subsidiados", deveriam agir com cautela, alertaram os diretores do comitê da Academia Nacional.

Seu relatório analisou várias reformas propostas, incluindo elevar a idade para a aposentadoria, reduzir os aumentos do custo de vida e aumentar a idade para ter direito à assistência de saúde. Algumas táticas somente reduziriam levemente a diferença entre quem ganha mais e menos; outras iriam, na verdade, agravar a desigualdade.

"Qualquer argumento político baseado na média será enganoso; ele ignora que a média esconde tendências muito diferentes", explicou Orszag.

Além disso, a desigualdade em idades avançadas oferece um exemplo poderoso para reações intergeracionais. O conflito geracional – eleitores idosos se opondo a subsídios para escolas, trabalhadores jovens criticando as taxas da Previdência Social – nunca fez muito sentido, visto que os jovens, se tiverem sorte, um dia se tornarão velhos.

"Se não investirmos nos jovens, o impacto pode aparecer na velhice", disse Orszag, defendendo uma abordagem envolvendo a todos. "Existem muitas oportunidades para aumentar o acesso à saúde e à educação para os jovens, e isso tem efeitos durante a vida inteira."