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Leite materno: o elixir milagroso desprezado por muitas mães na Índia (e no mundo todo)

Nicholas Kristof/The New York Times
Imagem: Nicholas Kristof/The New York Times

Nicholas Kristof

Em Lucknow (Índia)

23/10/2015 06h00

E se houvesse um remédio capaz de salvar mais vidas de crianças nos países em desenvolvimento do que as perdidas para a malária e o HIV somadas?

Uma substância milagrosa capaz de reduzir infecções no ouvido, além de aumentar os resultados dos testes de QI em vários pontos? Disponível até mesmo nos vilarejos mais remotos, sem necessidade de eletricidade ou refrigeração? Ah, e já que estamos sonhando, vamos torná-lo gratuito.

Essa substância milagrosa já existe. É o leite materno.

Estimativas atuais apoiadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) são de que o aleitamento materno ideal salvaria as vidas de 800 mil crianças por ano nos países em desenvolvimento. Isso representaria uma queda de 12% na mortalidade infantil, um ganho imenso.

Estou em minha campanha “ganhe uma viagem” anual, na qual levo um estudante comigo aos países em desenvolvimento para analisar questões negligenciadas. O estudante Austin Meyer, da Universidade de Stanford, e eu estamos na Índia, onde 1,2 milhão de crianças com menos de 5 anos morrem anualmente –e onde os nutricionistas dizem que melhores práticas de aleitamento materno poderiam salvar muitas.

Alimentação exclusiva no peito por seis meses, como é fortemente recomendado pela OMS, é praticada por apenas 46% das mulheres na Índia, 17% na Nigéria e 10% no Iêmen, segundo o mais recente Relatório Global de Nutrição. (Nos Estados Unidos, o número é de cerca de 22%, segundo os Centros para Controle e Prevenção de Doenças.)

Permita-me tirar isto da frente: é desajeitado para homens saudar o aleitamento materno e há o risco de soarmos com ar de superioridade, já que não somos nós que fazemos o trabalho.

E mais isto: às vezes a promoção do aleitamento materno é acompanhada por um desafortunado quê de desaprovação às mulheres que não podem amamentar ou optam por não fazê-lo, o que é contraproducente. Nos Estados Unidos, há tensão em torno dessas questões; um ensaio no “New York Times” recentemente alertava que os esforços de promoção podem degenerar em degradação das mulheres. É um alerta justo.

De qualquer forma, onde essa é uma questão de vida ou morte não é no Ocidente, mas nos países em desenvolvimento, onde a água com frequência é contaminada e a mortalidade infantil é elevada.

Crianças que não são amamentadas no peito apresentam uma probabilidade 14 vezes maior de morrer do que aquelas que se alimentam exclusivamente no peito, segundo um grande estudo recém-publicado pela “Acta Paediatrica”, uma revista de pediatria.

Aqui no norte da Índia, Austin e eu conhecemos uma mãe, Maher Bano, cuja filha tinha nascido em casa poucas horas antes. O bebê estava abaixo do peso e corria o risco de morrer. O melhor remédio nesse contexto é o leite materno: estudos na Índia, Nepal e Gana mostram que o aleitamento materno imediato reduz a mortalidade neonatal em 44%.

Mas Maher Bano disse que pelas primeiras 24 horas, o bebê seria alimentado exclusivamente com chá e mel.

“Eu darei o peito ao bebê amanhã ou depois de amanhã”, ela disse, explicando que estava seguindo a orientação da parteira tradicional que a ajudou no parto e cortou o cordão umbilical. Isso é comum: em todo o mundo, apenas 43% dos bebês são colocados no peito na primeira hora após o nascimento, como recomendado pela OMS.

Um motivo para o adiamento é a suspeita do colostro, o primeiro leite amarelado, que não parece com leite, mas é repleto de nutrientes e anticorpos; ele às vezes é chamado de “primeira imunização”.

Outro grande desafio: nos países quentes, os aldeões também dão com frequência água nos dias quentes, ou começam a lhes dar comida antes dos seis meses. A água tanto substitui o leite quanto com frequência é contaminada. (O leite materno, em comparação, é seguro mesmo quando a mãe bebe água contaminada.)

As empresas ocidentais também são culpadas. Os fabricantes de fórmulas infantis enfrentam estagnação do crescimento nos países ocidentais, então investem agressivamente nos países mais pobres. Os pesquisadores apontam que 85% das mães recém-saídas da maternidade em Phnom Penh, Camboja, viram propaganda de fórmulas.

Alguns também acreditam que o entretenimento ocidental sexualizou a mama de formas que reduzem o aleitamento materno.

Além dos benefícios claros do aleitamento materno no salvamento de vidas, também há evidência de outros ganhos de saúde e cognitivos. Em Belarus, os filhos de mulheres escolhidas aleatoriamente para promoverem aleitamento materno exclusivo obtiveram seis pontos a mais nos testes de QI do que as crianças de controle.

Alguns poucos estudos não encontraram elo com capacidade cognitiva, mas a maioria sim. No geral, uma nova revisão de 17 estudos encontrou um ganho de 3 pontos no QI em crianças que foram alimentadas no peito.

Especialistas em saúde global se concentram no aleitamento materno em parte porque os esforços para apoiar as mães nessa área dão um retorno enorme. Um levantamento recente pela “Acta Paediatrica” de 130 estimativas apontou que a promoção do aleitamento materno aumentou em média a alimentação exclusiva no peito em impressionantes 44%.

Esta viagem anual é uma chance de ressaltar soluções elegantes para problemas globais. Às vezes as soluções são de alta tecnologia estonteante, mas quase nada pode salvar tantas vidas de crianças a cada ano quanto o milagre da própria natureza: o leite materno.