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Alerta de zika mostra a luta da América Latina contra doenças transmissíveis por mosquito

O mosquito Aedes aegypti é vetor de transmissão de dengue, chikungunya e zika - James Gathany/CDC
O mosquito Aedes aegypti é vetor de transmissão de dengue, chikungunya e zika Imagem: James Gathany/CDC

Simon Romero*

No Rio

19/01/2016 06h00

Na campanha contra os mosquitos, o Brasil posicionou soldados para destruir os hábitat onde os insetos procriam. A Colômbia está soltando enxames de mosquitos tratados com bactérias, que limitam a capacidade deles de transmitir doenças. O México está testando a primeira vacina contra dengue, um vírus transmissível por mosquito por toda a região.

Mas toda vez os mosquitos sobrepujam seus oponentes humanos, um desafio ressaltado pela decisão dos Estados Unidos de aconselhar mulheres grávidas a não viajarem a mais de uma dúzia de países latino-americanos ou caribenhos, assim como a Porto Rico, onde os mosquitos estão disseminando o zika, o vírus associado ao aumento de casos de microcefalia, uma má-formação cerebral em recém-nascidos.

O alerta pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), em Atlanta, intensificou um debate por toda a América Latina sobre a crescente vulnerabilidade do hemisfério a doenças transmissíveis por mosquitos. Essas preocupações são especialmente agudas no Brasil, o maior país da região, onde as autoridades esperam que o turismo possa ajudar a reanimar a economia em dificuldades enquanto se preparam para sediar os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro.

Henrique Alves, o ministro do Turismo do Brasil, discordou do alerta dos CDC no sábado. Ele argumentou que as autoridades brasileiras estão adotando medidas para impedir a proliferação do vírus zika no Brasil, apesar das autoridades de saúde estarem investigando mais de 3.500 casos de microcefalia, uma condição antes rara associada ao zika, na qual os bebês nascem com cabeças anormalmente pequenas.

Ao ser perguntado em uma entrevista por telefone se o Brasil era um destino seguro para mulheres grávidas, Alves respondeu, "Eu acho que sim, sem dúvida", enfatizando que a decisão de seu governo de evitar alertas de viagem em relação ao zika coincide com as políticas da Organização Mundial da Saúde.

Alves acrescentou que espera que o surto de zika diminua a ponto de os Jogos Olímpicos, que serão realizados aqui em agosto, não serem afetados.

Aplausos

Mas outros no Brasil aplaudiram o alerta dos CDC, apontando a luta do país não apenas contra o zika, um vírus originado em Uganda que deve ter chegado ao Brasil em 2014, mas também com dois outros vírus transmissíveis por mosquito, dengue e chikungunya. No ano passado, o Brasil registrou mais de 1,6 milhão de casos de dengue, um vírus que causa febre e dor nas articulações, com 863 pessoas morrendo da doença.

"O anúncio do CDC é totalmente apropriado, dados os riscos no Brasil", disse o dr. Artur Timerman, 62 anos, um especialista em doenças infecciosas em São Paulo.

Ele disse que orientou sua própria filha, que tem 32 anos, a evitar engravidar no momento no Brasil.

"Caso ela queira, a melhor opção dela é deixar o país e ir para algum lugar onde o zika não seja um problema", ele disse.

As pessoas infectadas pelo zika costumam ter sintomas leves ou nenhum. Ainda não se sabe se o vírus sozinho causa microcefalia ou se ela ocorre apenas se a mãe teve uma infecção anterior, como a dengue.

O zika também despontou como uma ameaça à saúde em outras partes da América Latina. Em El Salvador, os casos de zika passaram por uma escalada desde que passaram a ser registrados no final de novembro. Até o final da semana passada, 3.836 casos foram registrados e o governo elevou o nível de alerta em 47 municipalidades onde a doença foi detectada. O governo planeja campanhas intensas de fumigação nessas áreas.

O Ministério da Saúde de El Salvador está particularmente preocupado com o aumento de casos da síndrome de Guillain-Baré, que leva a paralisia, geralmente temporária. Os pesquisadores estão explorando um possível elo entre a síndrome de Guillain-Baré e o zika. Quarenta e seis casos suspeitos da síndrome foram registrados até a semana passada, disse Violeta Menjívar, a ministra da Saúde, em uma entrevista de rádio.

O dr. Pablo Kuri Morales, o subsecretário de Prevenção e Promoção de Saúde do México, disse em uma entrevista por telefone, no sábado, que o México teve 15 casos diagnosticados de zika, 10 deles no Estado de Chiapas, na fronteira com a Guatemala. Ele acrescentou que as autoridades estão preparando uma campanha de rádio e televisão para alertar a todos, especialmente as mulheres em idade reprodutiva.

Kuri disse que os CDC estavam "dentro de seus direitos" ao emitirem o alerta de viagem, mas argumentou que a advertência abrangente não faz sentido, já que o vírus apareceu em apenas três Estados mexicanos. Os mosquitos que transmitem o vírus, ele disse, não sobrevivem nas altitudes elevadas do planalto central, incluindo a Cidade do México.

"Eu acho que alertas como esses são bons", ele disse, "mas essas coisas devem ser explicadas às pessoas".

Alerta

Em Washington, funcionários do governo disseram que a decisão de emitir o alerta de viagens na sexta-feira se desenvolveu rapidamente durante o final de semana, provocando uma série de esforços diplomáticos para informar as autoridades dos países citados no alerta.

Os funcionários disseram que o processo de notificação forçou os CDC a adiarem uma coletiva de imprensa planejada para a tarde de sexta-feira, o que acabou adiando o anúncio até a noite.

Além dos casos relatados, parece cedo demais para saber se o alerta afetará as viagens. No Brasil, as autoridades olímpicas enfatizaram que os Jogos ocorrerão em agosto, durante o inverno no Hemisfério Sul. O clima mais fresco e mais seco do período deve reduzir a presença de mosquitos, apesar de os virologistas alertarem que os mosquitos podem transmitir vírus o ano todo no Brasil.

"O Rio 2016 continuará monitorando o assunto atentamente e seguirá as orientações do Ministério da Saúde brasileiro", disse Philip Wilkinson, um porta-voz do comitê organizador dos Jogos.

O dr. Isaac I. Bogoch, um especialista em doenças infecciosas tropicais da Universidade de Toronto que faz parte de uma equipe que está produzindo um modelo para o potencial de disseminação do zika, alertou que os Jogos Olímpicos podem servir como catalisador para o vírus, que alguns pesquisadores acreditam que possa ter chegado ao Brasil durante outro mega evento esportivo, a Copa do Mundo de 2014.

"Pessoas de todo o mundo viajarão ao Brasil", disse Bogoch, por e-mail.

"A preocupação é a de que indivíduos infectados voltem a seus países de origem e introduzam o vírus em novas regiões.

Bogoch e outros pesquisadores determinaram que o zika tinha o potencial de se espalhar rapidamente para outras partes do mundo, segundo conclusões publicadas na semana passada na revista médica britânica "The Lancet".

O modelo deles para possível disseminação do zika, usando os perfis mundiais de temperaturas e rotas de viagem aérea, também determinou que mais de 60% da população nos Estados Unidos  vive em áreas propícias à transmissão sazonal do zika. E cerca de 23 milhões de pessoas nos Estados Unidos vivem em locais com climas como o da Flórida e partes do Texas, onde o zika pode ser transmitido por mosquitos o ano todo, disseram pesquisadores.

As autoridades no Brasil insistem que estão tomando medidas para combater o zika, inclusive a pesquisa de vacina. Mas o ministro da Saúde do Brasil, Marcelo Castro, reconheceu na sexta-feira que um plano para distribuição de repelente de mosquito para mulheres grávidas por todo o país não se materializará. Ele explicou que o Exército brasileiro, que supostamente teria capacidade de produzir o repelente, não poderia fazê-lo.

*Michael Shear, em Washington (EUA), e Elisabeth Malkin, na Cidade do México (México), contribuíram com reportagem.