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São Paulo enfrenta a zika com mangas longas e repelente

Fernando Jr. Bizerra/ EFE
Imagem: Fernando Jr. Bizerra/ EFE

Vanessa Barbara*

19/02/2016 06h00

Para a maioria das mulheres que conheço no Brasil, o vírus da zika inspira confusão, não medo

Em dezembro, de repente me vi de posse de dois frascos do líquido mais precioso na cidade: Exposis Extrême, um repelente de insetos extraforte. Ele é considerado a melhor proteção contra o mosquito Aedes aegypti, que transmite a dengue, a chikungunya e, agora, o vírus da zika. Seu ingrediente ativo é o icaridin, que também repele carrapatos e os mosquitos que transmitem a malária. Eu comprei os frascos meses antes, durante um surto de dengue, na esperança de que um repelente de alta qualidade me manteria protegida contra o vírus. (Não manteve. Eu tive dengue assim mesmo.)

Assim que o governo brasileiro confirmou no final de novembro o elo entre a zika e microcefalia –uma condição de má-formação neurológica rara e incurável em recém-nascidos– as mulheres grávidas correram às farmácias e esgotaram o estoque do spray. Por mais de um mês, as prateleiras permaneceram vazias. As pessoas colocaram seus nomes em listas de espera, tentaram subornar funcionários de farmácias e encomendaram online frascos com preços inflacionados. No mercado negro, um frasco de Exposis Extrême chegava a duas ou três vezes o preço oficial.

Minha cunhada está grávida de quatro meses de uma menina e participou despudoradamente da busca frenética pelo Exposis Extrême. Como um agente secreto de narcóticos, meu irmão recebeu uma dica: uma farmácia tinha recebido um lote. Ele correu na esperança de conseguir uma dose para sua mulher –apenas para descobrir que se tratava de um rumor. Assim, minha cunhada passou parte do verão vestindo mangas longas e calças. Foi apenas na metade de janeiro que eles finalmente conseguiram comprar seis pequenos frascos de Exposis Extrême por cerca de R$ 60 cada. (O salário mínimo do Brasil é R$ 880.)

As autoridades de saúde dos Estados Unidos, Canadá e outros países alertaram as mulheres grávidas a adiarem viagens à América Latina e Caribe. Mas enquanto se pede às mulheres grávidas dos países ricos para não viajarem, é pedido às mulheres dos países pobres que não engravidem. As autoridades no Equador, Colômbia e El Salvador orientaram a evitar gravidez. Aqui no Brasil não é uma política oficial. Mas ginecologistas –inclusive a minha– estão fortemente desencorajando, ao menos durante o verão.

O nível de preocupação que os brasileiros sentem depende de vários fatores. É claro que mulheres grávidas de toda parte estão preocupadas. Mas a geografia importa: no rico Sudeste, onde vivo, a zika ainda não se compara à dengue, que é tanto mais comum quanto mais letal –no ano passado, 1,6 milhão de brasileiros foram infectados; 863 morreram. Em São Paulo, a preocupação com a zika ainda é vista como exagerada. Minha cunhada consultou recentemente dois médicos diferentes a respeito de uma mancha vermelha, mas eles lhe disseram que não saberiam como diagnosticar uma infecção por zika, porque nunca trataram ninguém com a doença.

O dinheiro também pesa. As mulheres mais ricas podem comprar tantos fracos de repelentes de insetos quanto conseguirem (sem contar a realização de exames de ultrassom para descobrir se seus fetos exibem sinais de microcefalia). As mulheres mais pobres só podem contar com a sorte. E não são muitas as mulheres podem seguir o exemplo de uma grávida de classe média do Rio de Janeiro, que recentemente fez as malas e partiu para a Europa, pretendendo permanecer no exterior pelo menos até o final de seu primeiro trimestre.

Ao que parece o dinheiro pode até mesmo comprar a ilusão de segurança. Minha ginecologista me falou de uma de suas pacientes grávidas, que, apesar das ordens do médico, viajou três vezes para o Nordeste do Brasil, onde a maioria dos casos de zika foi relatada. Quando minha médica perguntou à mulher porque continuava indo para a região apesar dos riscos de contrair o vírus, ela explicou que não se preocupava, porque sempre ficava em resorts de luxo.

A ideia de que os mosquitos não entram em quartos de hotéis quatro estrelas é absurda, como grande parte do pensamento por aqui atualmente quando se trata do vírus da zika. Mais do que medo, confusão tem sido a resposta dominante: em grupos no WhatsApp e pelas redes sociais, as pessoas espalham rumores de que a zika pode causar complicações neurológicas graves em crianças infectadas, que o governo tem escondido o número real de vítimas ou que o surto foi causado por mosquitos modificados geneticamente. Essas alegações foram desacreditadas, mas os brasileiros ainda carecem de verdades fortes e categóricas. O número de casos está sendo contestado e uma relação causal entre o vírus e a microcefalia ainda não foi estabelecida cientificamente.

Há até mesmo temores que atletas estrangeiros desistam da Olimpíada do Rio de 2016, em agosto. Essa não é uma preocupação infundada. Alguns governos disseram às suas equipes que podem permanecer em casa caso estejam preocupadas com doenças. Prefiro uma possibilidade mais divertida: a de que o comitê brasileiro está fazendo lobby para incluir uma nova modalidade nos Jogos deste ano, uma espécie de tênis a ser jogado com as raquetes elétricas mata-mosquito. Poderiam ser três categorias: dengue, chikungunya e zika.

Rumores à parte, não há muito o que nós no Brasil possamos fazer agora, a não ser esperar por mais estudos e, talvez daqui alguns anos, por uma vacina. Por ora, não há plano alternativo para a maioria das mulheres brasileiras, exceto passar outra estação vestindo mangas longas, evitando gravidez e conseguindo o máximo de Exposis Extrême que puderem encontrar e pagar.

*Vanessa Barbara é uma colunista do jornal "O Estado de São Paulo" e editora do site literário "A Hortaliça"