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Sob risco acentuado de zika, Miami tem pouca verba para combatê-la

5.abr.2016 - Tubo com larvas do mosquito Aedes aegypti em Miami. O mosquito, que transmite zika, está sendo encontrado na Flórida e é esperado nos Estados do Sul e Sudoeste dos EUA - Max Reed/The New York Times
5.abr.2016 - Tubo com larvas do mosquito Aedes aegypti em Miami. O mosquito, que transmite zika, está sendo encontrado na Flórida e é esperado nos Estados do Sul e Sudoeste dos EUA Imagem: Max Reed/The New York Times

Sabrina Tavernise

Em Miami (EUA)

06/04/2016 06h00

Em uma manhã ensolarada, Chalmers Vasquez, o gerente de controle de mosquitos do condado de Miami-Dade (Flórida), espiou dentro de uma garrafa de cerveja contendo água de chuva em um quintal cheio de mato.

"Isto é muito perigoso, esta situação aqui", disse ele, observando uma pilha de dezenas de garrafas a seus pés.

Alguns passos além, seus temores se confirmaram. Em um vaso sanitário quebrado e deitado de lado, ele encontrou uma pequena poça de água de chuva com as larvas agitadas de um mosquito Aedes aegypti, o tipo que está espalhando o vírus da zika e o temor de graves defeitos congênitos pela América Latina e o Caribe.

O verão está chegando, e o Aedes aegypti logo estará zunindo em seus habitats tradicionais nos EUA, principalmente no sul e no sudoeste. Mas já está aqui no sul da Flórida, multiplicando-se em piscinas infantis e vasos de plantas que captam a chuva, contêineres de reciclagem e tampas de garrafa. Os cientistas não acreditam que os EUA terão uma epidemia de zika desenfreada, mas a maioria concorda que os mosquitos daqui acabarão por adquiri-la e poderão começar a infectar pessoas, causando surtos localizados.

"Uma mulher pode ser picada por um mosquito e ter um filho com uma terrível má-formação, e isso pode acontecer na Flórida, no Texas ou no Arizona, ou em qualquer lugar onde esse mosquito esteja", disse o doutor Thomas R. Frieden, diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC na sigla em inglês). "Não pensamos que o número será grande", disse ele, "mas o impacto poderá ser extenso."

Deter a disseminação da zika, segundo Frieden e muitos especialistas, exigirá um controle rígido do mosquito em uma ampla área dos EUA. Mas a qualidade dos serviços varia muito.

Alguns dos pontos mais fracos no controle estão em lugares onde o mosquito da zika aparece regularmente --Mississípi, Alabama, Geórgia, Carolinas e ao longo da costa do Texas--, principalmente porque não têm a base fiscal para pagar por ele, disse Joseph Conlon, um entomologista aposentado da Marinha que é assessor técnico da Associação Americana de Controle de Mosquitos.

5.abr.2016 - Delfina Tirado, esquerda, e Chalmers Vasquez da Divisão de Controle de Mosquito de Miami-Dade inspecionam uma piscina em Miami. O mosquito Aedes aegypti está sendo encontrado na Flórida, EUA - Max Reed/The New York Times - Max Reed/The New York Times
Delfina Tirado, esquerda, e Chalmers Vasquez da Divisão de Controle de Mosquito de Miami-Dade inspecionam uma piscina em Miami. O mosquito Aedes aegypti está sendo encontrado na Flórida, EUA
Imagem: Max Reed/The New York Times

Se há um lugar que apresenta maior risco para a zika criada aqui é a Flórida, Estado com o maior número de casos de zika importados no território continental dos EUA: 74 relatados na última contagem. E Miami- Dade, o maior porto de entrada nos EUA para os maiores países da América Latina, segundo estatísticas federais, é o condado da Flórida com maior número de casos relatados, 32.

Apesar de sua importância, o condado de Miami-Dade, com 2,8 milhões de habitantes, gasta apenas US$ 1,8 milhão (R$ 6,59 milhões), o suficiente para uma equipe de 17 pessoas, das quais 12 são inspetores. Em comparação, o condado de Lee, onde fica Fort Myers, com 660 mil habitantes, gasta US$ 16 milhões por ano (R$ 58,5 milhões) e tem uma equipe de 88 pessoas.

"É estranho que não haja mais dinheiro, considerando que somos um ponto de entrada global", disse Whitney A. Qualls, bióloga vetorial na Universidade de Miami.

O controle de mosquitos nos EUA é uma colcha de retalhos de jurisdições que inclui poderosos distritos independentes com sua própria autoridade fiscal e departamentos municipais de Saúde, Meio Ambiente ou Obras Públicas mal financiados.

Lutando para avaliar a preparação para o controle de mosquitos, o CDC recentemente produziu um mapa de distritos de mosquitos conhecidos com perturbadores pontos em branco. E alguns lugares que eram coloridos como tendo distritos disseram que "distrito" é uma palavra muito grande.

"Eu quase dei risada", disse Paul Ettestad, do Departamento de Saúde do Novo México, comentando o fato de que seu Estado apareceu completamente coberto. A maior parte do que foi colorido, disse ele, "era um sujeito do condado que dirige uma escavadeira de neve no inverno e um borrifador no verão".

E com os orçamentos de saúde pública locais ainda encolhidos desde a recessão de 2008, e o pedido de financiamento de US$ 1,8 bilhão para a zika feito pelo presidente Barack Obama emperrado no Congresso, as autoridades de saúde começam a se preocupar.

Essa preocupação permeou a Cúpula do Plano de Ação para a Zika, uma reunião de centenas de autoridades locais organizada pelo CDC na última sexta-feira (01) em Atlanta (Geórgia). Seus problemas eram diferentes, mas todos tinham algo em comum: pouco dinheiro.

"Há um amplo padrão de declínio, e isso nos coloca em uma posição prejudicada para começar esta corrida", disse E. Oscar Alleyne, o principal assessor de programas de saúde pública na Associação Nacional de Autoridades de Saúde de Municípios e Cidades, que calculou que os departamentos de saúde locais --onde residem alguns departamentos de controle de mosquitos-- perderam cerca de 12% de seus funcionários desde 2008.

O borrifamento tradicional com caminhões e aviões é geralmente inútil contra esse mosquito, um morador urbano disfarçado. Sua derrota dependerá de muitos trabalhadores como Vasquez, que despejam a água de recipientes em muitos quintais.

Um homem discreto com cabelos curtos e apreciador de insetos, Vasquez saiu com sua pequena equipe de inspetores de mosquitos em uma manhã recente, armado com matador químico de larvas e pipetas para sugar água infestada com larvas.

O mosquito Aedes aegypti raramente voa mais que alguns quarteirões, por isso sua missão era destruir os terrenos de procriação perto das casas de pessoas suspeitas de infecção pelo vírus da zika. A equipe sabe que quando mais viajantes infectados chegarem ao sul da Flórida aumentará o risco de que um mosquito saudável pique uma pessoa doente, contraia o vírus e infecte pessoas saudáveis.

A primeira casa com um caso suspeito de zika ficava em um bairro decadente no norte de Miami, com uma placa de "Vende-se" na fachada amarela. Ao lado, um rapaz vestindo um short azul e camiseta cortada, discutia em espanhol com Pedro Castellanos, um dos inspetores. Um gato branco saiu correndo pela porta da frente. Castellanos se aproximou de uma bacia cheia de água no quintal e a esvaziou.

Ele entregou ao homem uma advertência de que ele tinha de limpar seu quintal ou pagar uma multa. O departamento raramente aplica as multas, mas Castellanos disse que entrega as advertências de qualquer maneira, "para assustá-los" e aumentar a probabilidade de que obedeçam.

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