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Gás do riso, cura energética e harpa: hospital inova para cortar remédio de ópio

Jan Lucas toca harpa para pacientes da emergência do hospital St. Joseph"s - Mark Makela/NYT
Jan Lucas toca harpa para pacientes da emergência do hospital St. Joseph's Imagem: Mark Makela/NYT

Em Paterson, Nova Jersey (Estados Unidos)

27/06/2016 06h00

Brenda Pitts estava sentada rigidamente em uma sala de consulta do pronto-socorro, com o rosto contorcido de dor. Uma lesão antiga no ombro irradiava agonia nova para seu cotovelo e pescoço. Ela não conseguia mexer a cabeça. O braço direito perdera a força.

O alívio rápido estava a um comprimido de distância – o Percocet, analgésico opiáceo –, mas a Dra. Alexis LaPietra não quis receitá-lo. Ela explicou a Brenda, de 75 anos, que o remédio poderia deixá-la com prisão de ventre e confusa, além de induzir ao vício. Por acaso estaria disposta a tentar algo diferente?

A seguir, a médica massageou o pescoço da paciente, procurando a localização do espasmo muscular, desculpando-se enquanto Brenda gemia de dor, com medo.

"Picadinha rapidinha", diz Alexis, aplicando em Brenda uma injeção de Marcaine, usado como anestésico não opiáceo entorpecedor.

Em segundos, a paciente piscou surpresa, com seus traços relaxando, como se a médica tivesse lavado a dor de seu rosto. Ela se sentou, moveu a cabeça cautelosamente, depois sorriu radiante e abraçou impulsivamente a médica, envolvendo-a com vigor com os dois braços.

Desde quatro de janeiro, o departamento de emergência do Centro Médico Regional St. Joseph, um dos mais movimentados do país, só vem usando opiáceos como último recurso. Para pacientes com tipos comuns de dor aguda – enxaqueca, pedras no rim, crise no nervo ciático, fraturas – os médicos primeiro tentam alternativas que incluem injeções de medicações não narcóticas, bloqueios nervosos guiados por ultrassom, gás do riso e até mesmo "cura energética" e uma harpista.

Prontos-socorros dos Estados Unidos inteiros têm trabalhado para reduzir os opiáceos como primeira linha de tratamento, mas o St. Joe, como é conhecido na região, levou a iniciativa a outro nível.

A enfermeira Lauren Khalifeh, coordenadora holística do hospital, trata paciente - Mark Makela/NYT - Mark Makela/NYT
A enfermeira Lauren Khalifeh, coordenadora holística do hospital, trata paciente
Imagem: Mark Makela/NYT
"O St. Joe está na linha de frente. Mas isso envolveu o compromisso de mudar sua cultura inteira", disse o Dr. Lewis S. Nelson, professor de Medicina de Urgência da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York, que participou de um painel que recomendou as diretrizes recentes sobre opiáceos para o Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA.

Ao fazer isso, o St. Joe está enfrentando um desafio ainda mais intimidante do que ensinar novos protocolos a 79 médicos e 150 enfermeiros. Ele precisa se livrar de uma convicção antiga de que os opiáceos são a resposta mais rápida e segura à dor, uma atitude mantida com firmeza igualmente pelo pessoal do departamento de emergência e pelos pacientes.

A dor é o principal motivo pelo qual quase 75% dos pacientes buscam tratamento emergencial. As salas de espera do PS e corredores do St. Joe, onde perto de 170 mil pacientes serão vistos neste ano, são frequentemente tomados por gritos agudos e resmungos angustiados.

A dor pode ser rapidamente subjugada com opiáceos – comprimidos de Percocet e Vicodin, morfina intravenosa e Dilaudid. A maioria dos médicos afirma que essas drogas não podem ser substituídas completamente. Em emergências extremas – um osso fraturado projetando-se pela pele, uma queimadura feia, uma crise aguda de célula falciforme – os opiáceos oferecem alívio imediato e eficaz.

Todavia é o que acontece aos pacientes depois que deixam o PS que os especialistas em saúde pública acreditam que tenha contribuído para a crise de vício nos Estados Unidos. Na alta, os pacientes costumam receber receitas de opiáceos. Como a medicação impede a volta da dor, eles buscam novas receitas com seus médicos habituais. Embora muitos nunca se tornem dependentes, algumas pessoas se viciam. E, assim, embora os médicos de emergência não passem nem 5% das receitas de opiáceos, os prontos-socorros foram identificados como um ponto inicial no caminho do paciente rumo ao opiáceo e até mesmo ao vício em heroína.

"Como costumamos ser os primeiros médicos a fornecer opiáceos ao paciente com dor aguda, colocamos em sua cabeça que esse é o tratamento certo", afirma Nelson.

Entroncamento de heroína

Paterson, cidade obstinada e densamente povoada de 146 mil habitantes, é um entroncamento de heroína para inúmeras áreas de subúrbio. Em um dia de semana recente no pronto-socorro, John Schiraldi, 25 anos, viciado em heroína em recuperação, se sentia grato pelo fato de que sua dor impiedosa causada por pedras no rim estava minguando não graças à morfina intravenosa, protocolo convencional de PS, mas por causa das novas regras com lidocaína intravenosa, analgésico não opiáceo.

"A princípio pensei que eles haviam me dado opiáceos. Mas não tinha aquela sensação eufórica nem o peso no peito. Fiquei tão contente por eles terem uma alternativa", conta Schiraldi.

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Schiraldi, ex-técnico em emergência médica, recebeu uma receita de Percocet dois anos atrás após lesionar as costas ao levantar um paciente. Quando perdeu o emprego, também perdeu o seguro-saúde e não conseguia mais comprar a medicação. Assim, buscou um opiáceo barato, a heroína.

Nas ruas de Paterson, 30 miligramas de Percocet são vendidos por cerca de US$ 25; um saquinho de heroína pode ser comprado por US$ 2. Duas baias ao lado de Schiraldi, os médicos tentavam reviver um homem que caíra por causa de uma overdose de heroína.

Segundo estudo federal de 2013, aproximadamente 1.150 pessoas por dia terminam no pronto-socorro por tratamento ligado a opiáceos receitados. O Centro para Controle e Prevenção de Doenças calcula que, em 2014, ocorreram mais de 10.574 mortes por overdose de heroína e 14.838 por opiáceos receitados.

Ciente do crescimento exponencial no vício em opiáceos em seu próprio hospital, o Dr. Mark Rosenberg, diretor de medicina de emergência do St. Joe, começou perguntando, dois anos atrás, se era possível tratar muitos pacientes do PS sem esse tipo de medicamento. Ele mandou a Dra. Alexis LaPietra estudar durante um ano a administração da dor em departamentos especializados do St. Joe e de outros hospitais. Ela treinou o pessoal do St. Joe. A farmácia do PS estocou remédios alternativos. Rosenberg alertou os departamentos do hospital para manter a filosofia de evitar opiáceos ao ver os pacientes do pronto-socorro em consultas de retorno.

Até agora sua abordagem se mostrou eficaz. Em cinco meses, o hospital reduziu o uso de opiáceos no departamento de emergência em 38%. O St. Joe tratou cerca de 500 pacientes com dor aguda com protocolos não opiáceos. Quase 75% dessas tentativas foram bem-sucedidas. Brenda, cuja dor no pescoço e braço foi aliviada por uma injeção no ponto gatilho, foi para casa com curativos não opiáceos. Ela disse ao pessoal do PS em telefonema posterior que não precisava de mais medicação.

Os outros 25% terminaram precisando de opiáceos para controlar a dor, a maioria deles eram pacientes com dor no nervo ciático, pedras no rim ou enxaquecas tão devastadoras que resistiram ao protocolo não opiáceo para dor de cabeça desenvolvido pela Clínica Cleveland. Na alta, alguns deles receberam receitas limitadas para opiáceos. Os funcionários do pronto-socorro alertaram os pacientes quanto ao risco e, para evitar que a dor aguda se torne crônica, os encaminharam aos fisioterapeutas do hospital, especialistas em gestão de dor, psiquiatras e médicos que se comprometeram em seguir as metas do programa.

A equipe do PS está começando a aceitar as opções não opiáceas. "Estou animada. Odiaria ser a primeira a dar Percocet a um adolescente que deslocou o joelho jogando hóquei. E quando ele voltasse um ano depois, viciado em opiáceos? Não quero ter isso na minha consciência", diz Allison Walker, enfermeira.

Um paciente recente no PS pediátrico era um jogador de beisebol do time da escola, de 17 anos, que fora tratado com opiáceos intravenosos em outro pronto-socorro por causa de uma fratura por compressão na coluna lombar. Os médicos o mandaram para casa com tapentadol, forte opiáceo.

Durante a semana, o adolescente sofreu com os efeitos colaterais, incluindo constipação e ataques de pânico. A dor não passou. Um ortopedista o encaminhou ao St. Joe, aonde chegou sem conseguir dormir, se debatendo e não falando coisa com coisa.

Os pediatras do St. Joe empregaram o protocolo não opiáceo que inclui um spray nasal de cetamina, droga potente que, em doses baixas, tem propriedades analgésicas e sedativas. Em questão de meia hora o paciente estava sorrindo, tranquilo e, sem resistência, capaz de ser transferido para uma maca para ser examinado.

Pacientes exigentes

Embora mudar a cultura médica tenha sido difícil, modificar o comportamento do paciente em relação aos opiáceos pode ser ainda mais.

"Um paciente pode chegar com dor de duração curta, tal como um tornozelo torcido, e dizer que precisa de Percocet. Já outros que são dependentes de opiáceos chegam exigentes e abusando. E, enquanto isso, tem alguém na sala ao lado tendo um derrame! Pode parecer mais fácil dar a eles a receita. Eles rompem as nossas defesas e afetam a moral", diz Alexis.

O Dr. Sergey M. Motov, médico especializado em emergência do Centro Médico Maimônides, em Nova York, e um dos principais defensores da redução de opiáceos, afirma que para as novas abordagens terem sucesso, "precisamos falar com os pacientes, reconhecer sua dor, seu sofrimento, mas lhes perguntar: 'E se conseguirmos dar um jeito sem opiáceos?'"

Médicos e enfermeiros do St. Joe estão aprendendo a reformular as discussões, para ensinar aos pacientes que a erradicação completa da dor poder ser uma meta irreal ou conquistada a um preço muito alto.

Um tratamento que consegue rapidamente a adesão dos pacientes é o óxido nitroso, que a equipe do pronto-socorro apresenta por seu nome mais conhecido: gás do riso. Trata-se de um produto de curta duração, levemente sedativo e não invasivo, e que tem inúmeras aplicações no PS. As crianças seguram as máscaras no rosto, sorrindo enquanto têm um grande abscesso drenado; adolescentes, enquanto têm uma junta deslocada recolocada no lugar; pacientes mais velhos enquanto são "desentupidos" – tratados contra prisão de ventre severa.

As dinâmicas da dor são complexas e altamente individuais. Os componentes da dor são biológicos, mas também psicológicos. Um dia desses, Edie Elkan caminhava pelos corredores do pronto-socorro geriátrico, tocando suavemente uma "harpa de terapia", de quase três quilos, apoiada em sua cintura. Os pacientes a chamavam às suas baias, ouviam atentamente enquanto ela passava por seu vasto repertório de músicas clássicas e contemporâneas, canções de ninar ou latinas, enquanto suas notas tranquilas se misturavam aos bipes e grasnados atonais de um barulhento departamento de emergência.

Com cautela, o St. Joe também está testando terapias geralmente não ensinadas na faculdade de Medicina. Uma enfermeira está estudando acupuntura para dor. E outra enfermeira, Lauren Khalifeh, coordenadora holística do hospital, faz o tratamento da "cura prânica".

Certa tarde, Lauren visitou uma paciente idosa e frágil cujo nervo ciático estava tão inflamado que a mulher não conseguia se levantar da cadeira. Em uma escala de zero a dez, ela se dobrou ao meio e disse que a dor era nota dez.

Lauren puxou uma cadeira. "Eu vou tirar a energia", ela disse à paciente. E abriu uma garrafa de água salina. "O sal vai destruir a energia negativa."

Com o ceticismo científico entranhado, Alexis observava de um canto.

A paciente fechou os olhos, colocando as mãos no colo, com as palmas para cima. Lauren se inclinou atentamente em sua direção, esculpindo números oito no ar. Ela girava e revirava o espaço e, então, passava as mãos sobre as da mulher. Depois, pousou a palma de uma das mãos perto do coração da paciente.

"Vamos fazer uma tentativa", disse Lauren.

A paciente se levantou lentamente. Ela caminhou na direção de Alexis, que observava, boquiaberta.

"Muito melhor", avaliou a paciente. "Agora é cinco."

Lauren trabalhou por mais dois minutos. "Agora é três", a paciente afirmou assombrosamente, fazendo agachamentos.

O processo inteiro demorou uns seis minutos.

Os olhos de Alexis brilhavam com lágrimas.

Posteriormente, no corredor, a médica lutava para compreender o que havia testemunhado. "Eu vi uma paciente com ansiedade e estresse que não conseguia controlar a dor. Então, alguém lhe falou de forma reconfortadora, e a fez respirar profundamente", ela avaliou cuidadosamente.

"Uma boa parte da dor está ligada ao medo. Podemos fazer mais do que pensamos, se nos dermos ao trabalho de sentar com os pacientes e levá-los a perceber que estamos ao seu lado", diz Alexis.

Depois ela sorriu e deu de ombros. "E quando conseguimos fazer do jeito certo, por que não? Ainda mais se não usarmos opiáceos."