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Lucy caiu de árvore? Pesquisadores debatem o que matou o hominídeo

Ilustração mostra como teria morrido Lucy, após queda de árvore - Marsha Miller/University of Texas at Austin/The New York Times
Ilustração mostra como teria morrido Lucy, após queda de árvore Imagem: Marsha Miller/University of Texas at Austin/The New York Times

Carl Zimmer

02/09/2016 17h54

Em 1974, o paleoantropólogo Donald C. Johanson chefiou uma expedição para a Etiópia para procurar fósseis de antigos parentes dos humanos.

Em uma área erma, de terras áridas, encontrou o osso de um braço. Então, Johanson e seus colegas descobriram centenas de outros fragmentos de um esqueleto.

Os fósseis vieram de uma única fêmea de um metro de altura que viveu 3.2 milhões de anos atrás. Os cientistas nomearam a espécie como Australopithecus afarensis, e o esqueleto foi chamado de Lucy.

Quatro décadas depois, Lucy continua a ser uma das descobertas mais famosas da paleontologia. Descobrir um único osso dessa idade teria sido uma razão para comemorações; encontrar tantas partes de um esqueleto permitiu grandes revelações a respeito de Lucy – e sobre a evolução humana em geral.

Sua morte, por outro lado, sempre foi um mistério. Agora, depois de muito estudar os celebrados ossos, uma equipe de cientistas concluiu que Lucy morreu de maneira pouco glamourosa: caiu do alto de uma árvore.

Se estiverem certos, a descoberta pode revelar uma pista importante sobre como nossos ancestrais evoluíram de macacos que viviam nas árvores para bípedes que andavam pela savana africana. Mas o novo estudo dividiu profundamente os especialistas. Alguns estudiosos estão elogiando a pesquisa, enquanto outros, incluindo Johanson, pensam que os autores não conseguiram provar adequadamente sua teoria.

O novo estudo, publicado na em agosto no periódico Nature, surgiu porque o esqueleto de Lucy – que normalmente fica no Museu Nacional da Etiópia – foi levado em um tour pelos Estados Unidos em 2007. Depois de ser exibida no Museu de Ciências Naturais de Houston, Lucy passou dez dias na Universidade do Texas em Austin, onde os cientistas fizeram uma tomografia computadorizada de seus ossos.

“Apenas decidimos que iríamos escanear cada pedacinho da Lucy porque talvez isso nunca mais pudesse ser feito”, conta John Kappelman, paleoantropólogo da universidade.

Desde então, Kappelman e seus colegas vêm cuidadosamente transformando as imagens em modelos tridimensionais e juntando os fragmentos virtuais para conseguir uma ideia mais acurada das formas originais. No último mês de dezembro, ele percebeu uma fratura intrigante no braço direito de Lucy.

Uma pesquisa em revistas cirúrgicas sugeriu que aquela poderia ser o que chamam de fratura compressiva, em que uma força empurra um osso para baixo, algumas vezes fazendo até com que esse osso se choque com outro.

Kappelman queria saber o que poderia ter causado essa fratura compressiva: uma queda de uma grande altura. “Isso não aconteceria se você apenas tropeçasse e caísse”, explica ele.

O paleoantropólogo imprimiu um modelo tridimensional com o tamanho real do ombro de Lucy e levou-o ao doutor Stephen Pearce, cirurgião ortopédico da Austin Bone and Joint Clinic. Pearce concordou que o problema era uma fratura compressiva. Outros cirurgiões ortopédicos consultados pelo pesquisador chegaram ao mesmo diagnóstico.

Parte do esqueleto de Lucy passa por tomografia - Marsha Miller/University of Texas at Austin/The New York Times - Marsha Miller/University of Texas at Austin/The New York Times
Parte do esqueleto de Lucy passa por tomografia
Imagem: Marsha Miller/University of Texas at Austin/The New York Times

Kappelman e seus colegas decidiram inspecionar todos os ossos de Lucy atrás de fraturas que poderiam ter sido causadas por quedas. Além de estudar modelos virtuais, examinaram também os fósseis originais na Etiópia.

Os estudiosos descobriram várias fraturas que pareciam ter acontecido depois da morte de Lucy. Mas também observaram mais fraturas compressivas, assim como as chamadas fraturas em galho verde, em que um osso quebra apenas de um lado, como acontece quando o galho de uma árvore viva se parte. Os dois tipos podem acontecer por causa de quedas.

Lucy tinha várias fraturas desses tipos, descobriram os cientistas, dos tornozelos até a mandíbula. Os danos sugeriam que ela caiu em pé e depois rolou no chão, estendendo as mãos na esperança vã de se proteger.

“Isso nos mostra que ela estava consciente quando chegou ao chão”, diz Kappelman.

Se for assim, Lucy não permaneceu consciente por muito tempo. As fraturas em suas costelas sugerem lesões por esmagamento em seus órgãos internos que a teriam matado.

Kappelman e seus colegas acreditam que Lucy caiu de uma árvore. Eles baseiam essa conclusão no que os geólogos determinaram sobre o meio ambiente onde ela vivia: na época, era uma área arborizada de baixa altitude em torno de um riacho, sem rochedos nas proximidades.

William L. Jungers, paleoantropólogo da Universidade Stony Brook que não participou da pesquisa, afirma que esse é “um cenário provocativo, mas plausível”.

Laura Martín-Francés, pesquisadora com pós-doutorado do Centro de Pesquisa Nacional em Evolução Humana de Burgos, na Espanha, também diz que ficou impressionada com o nível de detalhes da nova pesquisa.

“Para mim, o que eles mostraram é bastante preciso”, afirma ela.

Mas outros especialistas dizem que Kappelman e seus colegas não fizeram o suficiente para descartar outras explicações para as fraturas.

Ericka N. L’Abbé, professora de Antropologia da Universidade de Pretória, na África do Sul, diz que quando ossos vivos se quebram, algumas partes ficam curvas. Uma inspeção mais acurada dos ossos de Lucy talvez tivesse revelado traços dessas curvas.

“O principal problema é que eles não utilizaram um microscópio”, explica Ericka.

Johanson acredita que é muito mais provável que as fraturas que Kappelman atribui a uma queda na verdade aconteceram depois de sua morte, já que seu esqueleto estava enterrado sob a areia.

“Os ossos de costelas de elefantes e de hipopótamos parecem ter o mesmo tipo de fratura. E é pouco provável que tenham caído de uma árvore”, explica Johanson.

Os macacos passam muito tempo em árvores e têm adaptações impressionantes para esse tipo de vida. Uma das características mais marcantes do esqueleto de Lucy é o formato dos ossos de suas pernas e joelhos, que parecem muito mais adaptados para andar no chão.

Desde a descoberta de seu esqueleto, os paleoantropólogos encontraram mais fósseis de exemplares de Australopithecus afarensis. Eles sugerem que Lucy tinha pés retos e outras características necessárias para caminhar.

Alguns pesquisadores afirmam que, na época de Lucy, nossos precursores já não eram bons em subir em árvores, tendo evoluído para encontrar alimentos no chão. “Os Australopithecus afarensis eram animais essencialmente terrestres”, afirma Johanson.

Mas outros especialistas acreditam que as mãos em forma de ganchos de Lucy e seus ombros flexíveis sugerem que ela ainda era boa na arte de subir em árvores. Talvez dividisse seu tempo entre o chão e a copa das árvores. Alguns pesquisadores argumentam até mesmo que nossos ancestrais distantes originalmente desenvolveram a capacidade de andar com os dois pés para caminhar sobre os galhos das árvores.

“Esse é um grande debate”, afirma William Harcourt-Smith, antropólogo do Museu Americano de História Natural.

John Kappelman, paleontologista da Universidade do Texas, em Austin, com réplicas do esqueleto de Lucy - Marsha Miller/University of Texas at Austin/The New York Times - Marsha Miller/University of Texas at Austin/The New York Times
John Kappelman, paleontologista da Universidade do Texas, em Austin, com réplicas do esqueleto de Lucy
Imagem: Marsha Miller/University of Texas at Austin/The New York Times

Kappelman e seus colegas consideram a possibilidade de que Lucy tenha caído de um ninho em que estava dormindo. Os chimpanzés constroem seus ninhos a cerca de dez metros acima do chão. Uma queda dessa altura poderia ter matado Lucy, calculam os cientistas.

Mas Nathaniel Dominy, biólogo evolucionário da Faculdade Dartmouth, considera pouco provável. “Para mim, o cenário muito mais possível é que ela estivesse subindo atrás de comida”, afirma.

Os chimpanzés algumas vezes colhem mel de colmeias que estão muito acima de seus ninhos. Eles precisam usar uma mão para segurar no tronco enquanto, com a outra, espetam a colmeia com um galho.

“Lucy estava apenas aguentando as picadas como faria um chimpanzé. E elas eram intensas”, diz ele.

Kappelman recebeu permissão do governo da Etiópia para publicar a pesquisa sobre os ossos na internet e espera que seus críticos a avaliem atentamente. Em eLucy.org, tanto cientistas quanto estudantes podem baixar representações tridimensionais e inspecioná-las em um computador – e até mesmo imprimir moldes dos ossos de Lucy em impressoras 3D.

“Fico feliz que os arquivos em 3D estejam lá. As pessoas podem avaliar muito mais plenamente nossa hipótese olhando para eles, e será divertido ver onde isso vai dar”, diz Kappelman.

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