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Após um ano no Brasil, zika aterroriza EUA e causa dúvidas: "até onde vai?"

Zika causa preocupação e terror mundial - Joe Raedle/Getty Images/AFP
Zika causa preocupação e terror mundial Imagem: Joe Raedle/Getty Images/AFP

Donald G. Mcneil Jr.

01/10/2016 06h00

Até onde vai chegar o surto do vírus zika, e quanto tempo vai durar?

Prever o percurso da zika nos Estados Unidos é difícil. Os especialistas em saúde nunca enfrentaram um vírus como esse: uma doença leve, mas que pode afetar gravemente os fetos humanos e que é transmitida tanto pelo mosquito quanto sexualmente.

É difícil até mesmo contar o número de casos, já que muitas vezes a doença não apresenta sintomas. “Do ponto de vista entomológico, isso é tão novo que ninguém pode dizer nada com muita certeza”, afirmou Joseph M. Conlon, assessor técnico da Associação Americana de Controle de Mosquitos.

Ainda assim, boa parte dos especialistas concorda que, no melhor dos casos, o vírus pode ser retardado por meio do controle agressivo das populações de mosquitos. A única forma de interromper o progresso seria um inverno rigoroso, afirmam, e o número total de casos ainda é tema de intensos debates.

Nenhum entomologista acredita que a transmissão do zika esteja limitada a alguns quilômetros quadrados no centro de Miami e em Miami Beach, mesmo que as autoridades insistam nisso.

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“Isso é loucura.Não é nada realista. Os mosquitos se movem, as pessoas se movem. Muitas vezes os mosquitos viajam até de carro”, afirmou Duane J. Gubler, ex-diretor da divisão de doenças vetoriais no Centro de Controle e Prevenção de Doenças, ou CDC, na sigla em inglês.

Apesar disso, o CDC cancelou na segunda-feira o alerta de viagem do bairro de Wynwood, em Miami, afirmando que nenhum caso transmitido na região havia sido registrado desde o início de agosto e que poucos mosquitos foram capturados nas armadilhas desde que dois pesticidas, o naled e o Bti, começaram a ser aspergidos.

Por outro lado, novos casos de transmissão são registrados na Flórida todos os dias. Houve um total de 79 casos até o dia 16 de setembro. Até então, 17 outras pessoas estavam sendo examinadas para saber se eram casos isolados, ou se faziam parte de um surto.

O estado se negou a revelar quais são os cinco lugares onde foram encontrados mosquitos portadores do vírus, afirmando que essa informação “não é necessária para a saúde pública”. Argumentando em contrário, na semana passada, o jornal The Miami Herald processou o Condado de Miami-Dade para que fosse revelado o local onde os mosquitos foram capturados.

Além disso, é provável que muitos casos de zika transmitidos na região ainda não tenham sido registrados. De acordo com médicos dessa área, centenas de mulheres estão esperando semanas até receberem os resultados de testes realizados nos laboratórios do estado, que estão cheios de trabalho.

Os especialistas preveem há muito tempo que outras cidades na Costa do Golfo podem ter surtos como o de Miami. Na verdade, esses surtos podem estar acontecendo agora mesmo sem que se saiba, já que demora muito tempo até que se tenha um resultado laboratorial e muitos casos não apresentam sintomas.

“A cada semana surge um foco, e as pessoas ficam surpresas. Mas o fato de encontrarmos o vírus tanto em pessoas, quanto em mosquitos sugere que a transmissão seja intensa”, afirmou o Dr. Peter J. Hotez, diretor da Escola Nacional de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina Baylor, em Houston.

Contudo, não se espera que ocorra uma transmissão generalizada como a que acontece agora em Porto Rico, em grande parte por conta dos aparelhos de ar condicionado e das telas de proteção.

Ademais, o zika geralmente fica presente durante meses sem muita intensidade até a transmissão realmente começar. Por exemplo, Porto Rico relatou seu primeiro caso de transmissão local em dezembro, mas só começou a apresentar milhares de novos casos por semana a partir do meio do ano. O primeiro caso de transmissão ocorrido na Flórida foi no final de julho, o que significa que o inverno poderá romper o ciclo.

Desde janeiro, o CDC previu que o zika não se espalharia pelos EUA mais rápido do que dengue e chikungunya, que também são transmitidos pelo Aedes aegypti.

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Entretanto, alguns cientistas acreditam que dengue e chikungunya não servem de modelo para o zika. Animais de laboratório infectados pelo zika apresentam uma quantidade maior de vírus na corrente sanguínea do que cobaias infectadas com outras doenças, de acordo com Rebecca C. Christofferson, especialista em transmissão de doenças pela faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Estadual da Louisiana. Além disso, afirmou, o zika parece se mover mais rapidamente do estômago do mosquito até suas glândulas salivares, onde são injetados na próxima vítima.

A dengue leva de sete a 10 dias para fazer essa viagem; o chikungunya precisa de cinco dias, dependendo da temperatura, do tamanho do mosquito e de outros fatores. “Já o zika é mais parecido com o chikungunya”, afirmou Christofferson.

Além disso, o zika muitas vezes passa despercebido pelo radar da saúde pública. O apelido em inglês da dengue é “breakbone fever” (ou febre quebra-ossos), já o do chikungunya é “bending-up disease” (doença que dobra ao meio, em tradução literal). Ambas podem ser terrivelmente dolorosas, o que significa que as vítimas vão ao médico rapidamente e os resultados de exames são enviados ao Estado.

Por outro lado, 80% dos casos de zika não apresentam sintomas e os afetados acabam não indo ao médico. “Os sintomas também são tão difusos que até mesmo os médicos nem sempre reconhecem o que a pessoa pode ter”, afirmou Manuel F. Lluberas, antigo entomologista da Marinha que agora trabalha no setor privado.

Como resultado, um surto do vírus zika pode passar despercebido até que uma pessoa infectada, geralmente uma mulher grávida, seja examinada.

O pior surto de dengue do Estado começou em 2009 em Key West, uma pequena ilha de férias com uma população de 25 mil pessoas relativamente ricas e educadas. Ainda assim foram necessários dois anos para estancar o problema, com 90% de casos confirmados.

Já o primeiro surto de zika do Estado ocorreu em Miami, uma área de 5,5 milhões de habitantes. As cidades geralmente têm mais habitantes, muitas vezes munidos de armas ou cachorros bravos, que se negam a abrir as portas para os inspetores, afirmou Conlon, da associação de controle de mosquitos. As piscinas e ralos de uma única casa são capazes de encher um bairro inteiro de mosquitos.

A indiferença urbana também tem um papel importante.

“O que me incomoda em Miami é perceber como as pessoas são complacentes. Assim fica muito difícil conter o surto.”

Por exemplo, o especialista afirmou que os mosquitos procriam em bromélias. Ainda assim, apesar do risco de multas de até US$ 1 mil (R$ 3,3 mil), muitas pessoas em Miami Beach insistem em mantê-las em seus jardins.

Medidas tomadas pela metade da população não serão suficientes para desacelerar o vírus. O Aedes aegypti põe ovos capazes de sobreviver em superfícies secas até que a água necessária chegue. Não se trata apenas de tirar da vista as conchas que decoram muitos restaurantes em Miami. “É preciso limpar uma por uma”, afirmou Conlon.

Prever os caminhos que o zika irá percorrer depende de variáveis gigantescas. Ao contrário de outros vírus tropicais, o zika também pode ser transmitido sexualmente.

“Isso o torna diferente de tudo”, afirmou Gubler.

Se uma pessoa infectada transmite a doença para seu parceiro sexual, o vírus ficará 20 dias à disposição dos mosquitos da região.

A situação em longo prazo é ainda mais incerta. Os especialistas não sabem ao certo se o vírus pode se tornar endêmico, com novos surtos a cada verão.
O vírus tem duas formas de sobreviver ao inverno. Um experimento realizado recentemente em laboratório mostrou que um a cada 300 mosquitos passa o vírus adiante em seus ovos. E o zika é capaz de sobreviver por até seis meses no sêmen do homem.

Assim, é possível que um novo surto ocorra no ano que vem – ou que o vírus seja trazido novamente da América Latina ou do Caribe.