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Muito sono? Estudos mostram que dormimos para esquecer

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Imagem: Shutterstock

Carl Zimmer

22/02/2017 04h00

Depois de anos de pesquisa, os cientistas chegaram a várias ideias sobre por que dormimos.

Alguns argumentaram que é uma maneira de economizar energia. Outros sugeriram que o sono nos dá uma oportunidade de limpar o cérebro do lixo celular. E outros ainda propuseram que dormir simplesmente força os animais a ficar parados, fazendo com que se escondam dos predadores.

Dois artigos publicados na revista Science oferecem evidências de outra possibilidade: dormimos para esquecer algumas das coisas que aprendemos durante o dia.

Para aprender, temos que fazer conexões, ou sinapses, entre os neurônios de nosso cérebro. Essas conexões permitem que os neurônios mandem sinais um para o outro de maneira rápida e eficiente. Guardamos as novas memórias nessas redes.

Em 2003, os biólogos Giulio Tononi e Chiara Cirelli, da Universidade de Wisconsin- Madison, propuseram que as sinapses crescem de maneira tão exuberante durante o dia que os circuitos de nosso cérebro ficam “barulhentos”. Quando dormimos, afirmaram os cientistas, nossos cérebros reduzem o número de conexões para suspender o sinal que gera o ruído.

Desde então, Tononi e Chiara, com outros pesquisadores, descobriram uma grande quantidade de evidências indiretas que apoiam a chamada hipótese de homeostase sináptica.

Neurônio recebe sinais elétricos - Small World Nikon/Divulgação - Small World Nikon/Divulgação
Imagem de neurônio recebendo sinais elétricos
Imagem: Small World Nikon/Divulgação

Os neurônios são capazes de podar suas sinapses – pelo menos numa placa de vidro. Em experiências de laboratório, os cientistas aplicaram em grupos de neurônios uma droga que estimula o crescimento extra de sinapses. Depois de um tempo, os neurônios cortaram parte desse aumento.

Outra evidência vem das ondas elétricas liberadas pelo cérebro. Durante o sono profundo, as ondas diminuem. Tononi e Chiara argumentam que o encolhimento das sinapses provoca essa mudança.

Quatro anos atrás, Tononi e Chiara tiveram a chance de testar sua teoria olhando as próprias sinapses. Eles adquiriram um tipo de fatiador de frios de padaria para tecido cerebral, que usaram para raspar folhas ultrafinas do cérebro de um rato.

Luisa de Vivo, cientista assistente que trabalha no laboratório, conduziu um levantamento do tecido retirado dos ratos, alguns acordados e outros dormindo. Ela e seus colegas determinaram o tamanho e formato de 6,920 sinapses no total.

Os pesquisadores descobriram que as sinapses dos cérebros de ratos adormecidos eram 18 por cento menores do que as dos animais acordados. “É surpreendente que haja uma mudança geral tão grande”, afirma Tononi.

O segundo estudo foi conduzido por Graham H. Diering, pesquisador pós-doutor da Universidade Johns Hopkins. Diering e seus colegas se propuseram a explorar a hipótese da homeostase sináptica estudando as proteínas do cérebro dos ratos. “Realmente abordamos a questão a partir dos detalhes básicos”, diz Diering.

Em uma experiência, Diering e seus colegas criaram uma janela pela qual podiam examinar dentro do cérebro dos ratos. Então, os cientistas colocaram uma substância química que iluminou uma proteína de superfície das sinapses cerebrais.

Sinapses encolhem

Olhando pela janela, eles descobriram que o número de proteínas de superfície caiu durante o sono. Esse declínio é o que seria esperado se as sinapses estivessem encolhendo.

Os pesquisadores então procuraram pelo gatilho molecular que causa essa mudança. Descobriram que a quantidade de centenas de proteínas aumenta ou diminui dentro das sinapses durante a noite. Mas uma proteína em particular, chamada Homer1A, destacou-se.

Em experiências anteriores com neurônios em uma placa de vidro, a Homer1A provou ser importante para a diminuição das sinapses.

Diering se perguntou então se ela também era importante no sono.

Para descobrir, ele e seus colegas estudaram ratos geneticamente modificados para que não pudessem produzir proteínas Homer1A. Esses ratos dormiam como animais normais, mas suas sinapses não mudavam suas proteínas como acontecia com os outros ratos.

A pesquisa de Diering sugere que a sonolência aciona os neurônios para produzir a Homer1A e mandar para as sinapses. Quando o sono chega, a Homer1A se transforma em uma máquina de poda.

Teste de memória

Para ver como essa máquina de poda afeta o aprendizado, os cientistas deram um teste de memória aos ratos normais. Eles colocaram os animais em uma sala onde tomavam um choque elétrico suave se andassem sobre uma parte do solo.

Naquela noite, os cientistas injetaram uma substância química no cérebro de alguns dos ratos. Pesquisas haviam mostrado que essa substância impede os neurônios de podar suas sinapses.

No dia seguinte, os cientistas colocaram os ratos na mesma sala em que haviam estado antes. Os dois grupos de ratos passaram muito tempo congelados, com medo do choque.

Mas, quando os pesquisadores colocaram os ratos em outra sala, perceberam uma grande diferença. Os ratos normais passaram a cheirar o ambiente com curiosidade. Os ratos que não puderam podar suas sinapses durante o sono, no entanto, congelaram novamente.

Diering acredita que os ratos modificados não puderam focar suas memórias na sala específica em que haviam recebido o choque. Sem a poda noturna, suas memórias acabaram confusas.

Em sua própria experiência, Tononi e seus colegas descobriram que a poda não atinge todos os neurônios. Um quinto das sinapses permaneceu inalterado. É possível que essas sinapses codifiquem memórias bem estabelecidas que não devem ser adulteradas.

“É possível esquecer de uma maneira muito esperta”, diz Tononi.

Não está completamente provado

Outros pesquisadores, no entanto, advertem que os novos achados não são uma prova definitiva da hipótese de homeostase sináptica.

Marcos G. Frank, pesquisador do sono da Universidade Estadual de Washington, em Spokane, explica que pode ser difícil dizer se as mudanças no cérebro que ocorrem de noite são causadas pelo sono ou pelo relógio biológico. “É um problema geral nesse campo de estudos”, afirma.

Markus H. Schmidt, do Instituto de Medicina do Sono de Ohio, admite que o cérebro pode podar as sinapses enquanto dormimos, mas se pergunta se essa é a explicação mais importante para a existência do sono.

“O trabalho é ótimo”, diz sobre os novos estudos. “Mas a pergunta é: ‘Essa é uma das funções do sono ou essa é a função?’”

Muitos órgãos, não apenas o cérebro, parecem funcionar de maneira diferente durante o sono, explica Schmidt. Acredita-se que o intestino, por exemplo, faça novas células.

Tononi diz que as novas descobertas devem gerar perguntas sobre como os remédios para dormir atuam no cérebro. Eles podem ser bons para fazer com que as pessoas peguem no sono, mas também é possível que interfiram na poda necessária para a formação das memórias.

“Você na verdade pode estar trabalhando contra si mesmo”, avisa.

No futuro, os remédios para dormir podem focar precisamente as moléculas envolvidas no sono, garantindo que as sinapses sejam adequadamente podadas.

“Quando você sabe um pouco sobre o que acontece de verdade, é possível ter uma ideia melhor do que fazer como terapia”, diz Tononi.