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Até que ponto devemos reduzir o açúcar no sangue de diabéticos?

Marcos Inoue/UOL
Imagem: Marcos Inoue/UOL

Gina Kolata

18/06/2017 04h00

Doenças cardíacas são a principal causa de morte de pessoas com diabetes tipo 2. Certamente, então, a forma de evitar esse risco é tratar a enfermidade e reduzir a glicose no sangue.

Bem, talvez. Um conjunto crescente de evidências sugere que o método pelo qual o açúcar no sangue é baixado pode fazer uma grande diferença para o problema cardíaco. O que piorou o dilema médico envolvendo dezenas de milhões de pessoas com diabetes tipo 2 – e para os médicos que as tratam.

Alguns remédios para o diabetes reduzem a glicose no sangue, mas podem aumentar a chance de infartos e derrames. Outras medicações não têm efeito sobre o risco cardíaco, enquanto um terceiro grupo diminui a chance de doença cardíaca, mas pode ter outras desvantagens, como custo elevado ou efeitos colaterais.

Segundo pesquisadores, está ficando claro que existem poucas provas sobre como a medicação antidiabética afeta o coração para fazer julgamentos baseados em provas racionais.

"Se você acha que o panorama é confuso, é porque ele é mesmo", assegura o Dr. Leigh Simmons, médico em Boston.

"Intimidante" é como a Dra. Joann Manson, chefe de medicina preventiva do hospital Brigham and Women's, descreve a situação de pacientes e seus médicos. Ela explicou a opção e as incertezas em comentário recente publicado na revista científica "JAMA".

Existem 12 tipos de remédios à venda no mercado e dois ou três agentes diferentes em cada uma dessas classes. Os preços variam de poucos reais mensais, no caso das medicações mais antigas, até centenas de reais mensais, no das mais novas, e os efeitos colaterais também variam. Muitos pacientes tomam mais de uma droga.

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Imagem: Reprodução/Huffington Post

Os mais baratos nunca foram testados para o coração

Os remédios contra diabetes mais antigos, baratos e populares nunca foram testados em relação a seus efeitos sobre o coração – e foram aprovados antes de qualquer vínculo ter sido notado.

Um efeito particular de uma medicação sobre a glicose no sangue não prevê seus efeitos sobre o coração. Nem compreender a química em jogo –as drogas agem de formas muito diferentes para reduzir a taxa de açúcar– indica se um remédio específico vai aumentar o risco cardíaco em um paciente em particular, afirmam pesquisadores.

"Não podemos prever o que acontece às pessoas baseados apenas nos mecanismos dessas drogas", afirma a dra. Kasia J. Lipska, especialista em diabetes da Universidade Yale que escreveu um artigo recente sobre o tema.

"Nós temos de estudar grupos grandes de pacientes e examinar quais medicações reduzem as complicações do diabetes, tais como infartos, e em quais pacientes."

Kasia J. Lipska, médica de Yale

Mas isso raramente tem sido feito. Esses remédios já foram aprovados; existe pouco incentivo para conduzir estudos caros agora.

"É complicado" que tão pouca coisa seja conhecida, diz o Dr. Victor M. Montori, especialista em diabetes da Clínica Mayo.

glicose - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Qual a importância de reduzir a glicose?

Ninguém discute a importância de reduzir a glicose no sangue quando o nível for alto demais. Fazer isso pode impedir complicações como doença renal, lesão nos nervos e nos olhos, ajudando a controlar sintomas como fadiga e necessidade frequente de urinar.

O passo inicial para a redução do açúcar é dieta e exercício. Mas, para muitos pacientes, isso não basta. Então médicos e pacientes encaram duas questões: quão baixa a glicose pode ficar? E quais remédios deveriam ser usados com esse objetivo.

Os médicos registram a glicose no sangue testando o nível de uma proteína, a hemoglobina glicada (ou A1C), que revela o nível médio ao longo dos três meses anteriores. Quanto mais alto for o índice, maior o risco de complicações do diabetes.

Embora a medição seja um bom indicador do risco, "a questão é: quem se beneficia com a redução intensiva do açúcar no sangue e quais medicamentos são melhores para quem", afirma o dr. Harlan Krumholz, cardiologista de Yale.

A faixa terapêutica varia de paciente para paciente, embora muitos não o percebam. Eles e seus médicos muitas vezes buscam, por vezes de modo obsessivo, um nível de glicemia A1C a 7%.

Contudo, esse patamar somente é apropriado para jovens e pessoas recém-diagnosticadas sem outros problemas médicos, afirmam Manson e outros especialistas.

Pacientes idosos com sintomas crônicos, tais como aterosclerose, não devem buscar um nível tão baixo, acrescentam os pesquisadores. Estudos não constataram benefícios óbvios para eles – sem redução real no índice de complicações, tais como doença renal, problemas neurológicos ou oculares.

Talvez ainda mais negativo, embora níveis elevados de A1C estejam ligados a um risco aumentado de doença cardíaca, "o que não está claro é se um remédio que reduz a hemoglobina glicada também reduz o risco cardiovascular", diz Montori.

Isso ficou bastante claro nos últimos anos quando, a pedido da FDA, a agência norte-americana reguladora de alimentos e medicamentos, os laboratórios produtores de algumas das novas medicações para diabetes começaram a investigar se elas não elevavam as chances de doença cardíaca enquanto diminuíam o A1C nos pacientes.

Os resultados foram uma surpresa. Em níveis idênticos de A1C, algumas drogas reduziram o risco e outras não o afetaram, enquanto algumas elevaram as chances de doença cardíaca.

Medicamentos mais antigos e baratos para diabetes, como metformina, não tiveram de passar por esses testes, ainda que tenham registros de segurança antigos e bem aceitos. Contudo, Montori observa que não se sabe se previnem problemas cardíacos.

Nada disso impediu os médicos de pedir aos pacientes para reduzir a glicose no sangue a todo custo. Só que muitos deles, principalmente os idosos, também costumam tomar outros remédios.

Quanto mais medicações tomam para deixar em sete o nível de A1C, maior o risco de complicações decorrentes – sem falar nos altos custos. E eles correm o risco de o índice de açúcar ficar baixo demais.

Vito Cearia tem diabetes do tipo 2 e passou anos tentando reduzir suas taxas de glicemia - Christopher Capozziello/The New York Times - Christopher Capozziello/The New York Times
Vito Ciaccia tem diabetes do tipo 2 e passou anos tentando reduzir suas taxas de glicemia
Imagem: Christopher Capozziello/The New York Times

Vito Ciaccia, 64 anos, de Old Saybrook, Connecticut, soube que tinha diabetes há 30 anos. Ele passou anos correndo atrás de um A1C igual a sete, incentivado por médicos que só pensavam nesse número.

Eles sempre aumentavam a dosagem das drogas, querendo chegar a sete. Um médico era muito inflexível e exigente, dizendo que eu não ficaria muito tempo por aqui se não lhe desse ouvidos."

"Eu sentia que o tratamento era só engolir os remédios, na esperança de que funcionassem", acrescenta Ciaccia.

Mas ele raramente chegou à meta da hemoglobina glicada e os remédios causavam efeitos colaterais desconfortáveis. Enquanto os usava, a glicose subia e descia, caindo tanto que ele podia começar a suar, se sentir confuso e tonto.

Se seus médicos soubessem como é tênue a ligação entre reduzir o A1C e a doença cardíaca, a maior ameaça para esses pacientes, talvez eles fossem menos insistentes. E Ciaccia se preocuparia menos.

"Tenho pacientes que enlouquecem se o nível do A1C passa dos sete", afirma o Dr. John Buse, endocrinologista da Universidade da Carolina do Norte, campus de Chapel Hill. "Alguns estão desesperados para baixar até seis. Tento fazê-los desistir, mas nem sempre consigo."

"Acho que não existem provas para esse fanatismo", acrescenta.

Ciaccia agora é atendido por Lipska. A médica afirma que ele ficará bem com um nível de A1C superior aos sete e pode evitar os episódios de baixo nível de açúcar no sangue, que são tão aflitivos.

E não havia problemas em tomar uma medicação – insulina – a qual ele preferia sobre uma pilha de remédios para diabetes.

Lipska afirma que sua abordagem é ser objetiva com os pacientes quanto às escolhas de tratamento.

"Eu digo a eles o que nós sabemos e o que não sabemos."