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Esta gordura no sangue ameaça até o coração de pessoas saudáveis

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Anahad O'connor

14/01/2018 04h00

Para milhões de norte-americanos, Bob Harper era o retrato da saúde, o instrutor de celebridades que colocava as pessoas em forma todas as semanas no famoso programa de TV "The Biggest Loser".

Em fevereiro passado, no entanto, Harper, 52, teve um ataque severo do coração em uma academia de Nova York e sofreu uma parada cardíaca. Foi salvo por uma pessoa que administrou os primeiros socorros e por uma equipe de paramédicos que o levou rapidamente para um hospital, onde passou dois dias em coma.

Quando acordou, Harper ficou desconcertado, e seus médicos também. Seus checkups anuais indicavam que sua saúde era excelente. Como isso pode ter acontecido com alguém que parecia tão saudável?

O culpado, soube-se depois, foi uma partícula gordurosa no sangue chamada lipoproteína (a). Enquanto os testes para outras lipoproteínas, como os colesteróis HDL e LDL, são feitos rotineiramente, poucos médicos examinam a quantidade de lipoproteína (a), também conhecida como Lp(a), que, quando presente em níveis altos, triplica o risco de a pessoa sofrer um ataque cardíaco ou um acidente vascular cerebral em idade precoce.

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A maioria das pessoas não precisa se preocupar com a Lp(a). Seus níveis são determinados principalmente por questões genéticas, e a maior parte da população produz muito pouco dessa substância.

No entanto, um em cinco norte-americanos, entre eles Harper, possui níveis perigosamente altos de Lp(a) no sangue. Estudos mostram que a dieta e os exercícios não têm praticamente nenhum impacto em sua quantidade, e os remédios para diminuir o colesterol reduzem seus níveis apenas modestamente. 

coração - Hilary Swift / The New York Times - Hilary Swift / The New York Times
"Ser saudável não é sobre o que você pode fazer na academia. É o que está acontecendo no interior", afirma Bob Harper, o instrutor de celebridade do programa de televisão "The Biggest Loser", que sofreu um ataque cardíaco em 2017
Imagem: Hilary Swift / The New York Times

"As pessoas não sabem nada sobre ela, os médicos também não, e precisamos de um programa educacional, mas isso custa caro. Eu diria que algo entre 15 a 20% da população claramente poderia se beneficiar ao saber que isso existe", afirma o doutor Henry N. Ginsberg, professor de Medicina da Universidade de Columbia e especialista líder em Lp(a).

A Lp(a) foi descoberta em 1963 por Kare Berg, cientista norueguês que percebeu que ela era especialmente comum entre pessoas com doenças coronárias. Ninguém sabe ainda com precisão qual a função da Lp(a) no organismo, mas alguns cientistas acreditam que ela pode ter um papel benéfico na reparação de células danificadas ou na prevenção de infecções, ao se ligar a agentes patogênicos no sangue.

O lado ruim do excesso de Lp(a), porém, é claro: ele acelera a formação de placas nas artérias e causa coágulos sanguíneos.

"É meio que um infortúnio duplo. Biologicamente, a Lp(a) entra na parede da artéria e causa danos por ali com muita facilidade", explica o doutor Donald Lloyd-Jones, cardiologista da Escola de Medicina Feinberg, da Universidade Northwestern, que ajudou a escrever as diretrizes sobre colesterol da Associação Americana do Coração.

Os estudos sugerem que o limiar para os altos níveis de Lp(a) começam em cerca de 30 miligramas por decilitro de sangue. Os riscos de problemas coronários crescem para quem está no percentil 80, aqueles com níveis de Lp(a) acima de 60, e aumentam muito para os 5% da população com Lp(a) entre 150 e 300, segundo Ginsberg, de Columbia. "Essas pessoas são desastres ambulantes em termos de risco cardiovascular", diz ele.

Ainda assim, muita gente com alto risco não se enquadra no perfil típico de alguém com uma doença coronária. Com um estilo de vida saudável, Sandra Revill Tremulis era executiva de equipamentos médicos que também trabalhava como instrutora de aeróbica, seguia uma dieta restritiva e possuía apenas 16% de gordura corporal, nível equivalente ao de uma atleta de elite. Seus níveis de LDL e de colesterol total eram baixos e, aos 39 anos, a tabela Framingham, que avalia o risco de doenças do coração, colocava suas chances de sofrer um ataque cardíaco aos 40 anos em apenas 1%.

No entanto, quando começou a sentir cansaço extremo e a lutar para terminar seus exercícios físicos, ela procurou um cardiologista intervencionista e pediu um exame completo – que revelou que estava com um bloqueio de 95% em uma de suas artérias coronárias.

"Eu quase tive um ataque cardíaco fulminante aos 39 anos", conta.

Testes posteriores mostraram que ela possuía níveis altos de Lp(a), que acredita ter herdado de seu pai, que morreu de ataque cardíaco aos 50 anos. Determinada a aumentar a conscientização sobre o problema, Revill Tremulis lançou uma organização sem fins lucrativos, a Fundação Lipoproteina (a) e agora viaja pelo mundo defendendo a ampliação dos exames.

"Somente uma pequena porcentagem dos médicos conhece esse problema. O maior desafio para os pacientes é descobrir profissionais experientes que saibam sobre o assunto e possam ajudar", afirma.

Lloyd-Jones, da Northwestern, diz que os médicos deveriam consideram fazer testes para checar os níveis de Lp(a) em pessoas com doenças cardiovasculares em idades precoces – menos de 50 anos para homens e de 60 anos para mulheres – ou com um histórico familiar de doenças do coração. Como os altos níveis de Lp(a) são hereditários, aqueles que possuem o problema em geral têm um pai, irmão ou avô que sofreu um ataque cardíaco ou um derrame prematuramente. Quando uma pessoa detecta o problema, é importante examinar também outros membros da família.

Essa procura por parentes de primeiro grau afetados é o que chamamos de triagem em cascata."

Uma vez identificado o alto nível de Lp(a), os médicos podem tentar mitigar seus efeitos controlando outros fatores de risco. Eles diminuem agressivamente o colesterol LDL, otimizam a pressão sanguínea e o açúcar no sangue e encorajam fortemente uma dieta saudável e uma rotina de exercícios.

Dois remédios, a niacina e um tipo de medicamento conhecido como inibidor de PCSK9, reduzem modestamente os níveis de Lp(a). Mas a niacina, uma vitamina do complexo B, possui vários efeitos colaterais e, como não estão aprovados para diminuir os níveis de Lp(a), os inibidores de PCSK9 não são normalmente cobertos pelo seguro para essa função e podem custar até US$ 14 mil por ano (cerca de R$ 45 mil).

Pelo menos uma empresa, a Ionis Pharmaceuticals, está desenvolvendo um remédio específico para combater a Lp(a), mas o medicamento ainda está no estágio médio de testes e pode demorar anos para chegar ao mercado.

Desde que teve o ataque do coração, Harper, de "The Biggest Loser", embarcou em uma nova missão para aumentar a conscientização sobre doenças do coração e estimular as pessoas a fazer o exame de Lp(a).

Seus dias não giram mais em torno de exercícios físicos intensos, diz ele. Em vez disso, acredita que a chave para ser saudável é administrar o estresse, dormir bem, alimentar-se de maneira equilibrada e aproveitar a vida, porque ela pode terminar a qualquer momento, uma abordagem que descreveu em seu novo livro "The Super Carb Diet".

Ser saudável não tem a ver com o que você pode fazer na academia. Não tem a ver com o que você faz externamente. Tem a ver com o que está dentro de você. Eu realmente precisava descobrir o que estava se passando comigo, e foi o que aconteceu. Isso me despertou."