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O que fazer durante um derrame? As divergências dos médicos para evitar sequelas

Duas décadas após descoberta de medicamento capaz de minimizar danos provocados por AVC, até 30% dos pacientes não são medicados por causa da desconfiança de alguns médicos - Brittany Greeson / The New York Times
Duas décadas após descoberta de medicamento capaz de minimizar danos provocados por AVC, até 30% dos pacientes não são medicados por causa da desconfiança de alguns médicos Imagem: Brittany Greeson / The New York Times

Gina Kolata

02/04/2018 18h24

Era uma daquelas descobertas que poderia mudar a medicina, pensou o doutor Christopher Lewandowski.

Por anos, os médicos tentaram —sem sucesso— encontrar um tratamento capaz de preservar o cérebro de pacientes que haviam tido um derrame. Parecia não haver esperança: assim que o coágulo bloqueava um vaso sanguíneo que supria o cérebro, suas células rapidamente começavam a morrer. Aos pacientes e às famílias restava apenas rezar para que os danos não fossem muito extensos.

Então, um grande teste clínico federal provou que um remédio destruidor de coágulos, o ativador do plasminogênio tecidual (TPA), poderia prevenir a lesão cerebral depois de um derrame, abrindo o vaso bloqueado. Lewandowski, médico de emergência do Sistema de Saúde Henry Ford, de Detroit, e principal pesquisador do estudo, ficou em êxtase.

"Sentimos que os dados eram tão fortes que não precisávamos explicá-los" no relatório publicado, afirma ele.

Mas estava errado. Aquele teste clínico inovador terminou 22 anos atrás, e ainda hoje Lewandowski e outros médicos estão tentando explicar os dados para um poderoso grupo de céticos.

Esses céticos ensinam aos estudantes de medicina que o TPA é perigoso porque causa hemorragias cerebrais e que as pesquisas que descobriram benefícios eram profundamente falhas. É melhor deixar o derrame seguir seu curso, dizem eles.

É uma perspectiva com consequências no mundo real. Quase 700 mil pacientes têm derrames causados por coágulos sanguíneos todos os anos e poderiam ser ajudados pelo TPA. Ainda assim, até 30% das vítimas de derrames que chegam aos hospitais em tempo e são candidatos perfeitos para o destruidor de coágulos não o recebem.

Christopher Lewandowski, principal pesquisador de um ensaio clínico que encontrou um tratamento eficaz para o acidente vascular cerebral - Brittany Greeson/The New York Times - Brittany Greeson/The New York Times
Imagem: Brittany Greeson/The New York Times
O resultado: paralisia e fraqueza muscular; cognição, fala ou visão prejudicadas; disfunções emocionais e comportamentais; e outros danos neurológicos permanentes.

Diretrizes de tratamento de acidentes vasculares emitidas pela Associação Americana de Saúde endossam fortemente a administração de TPA para pacientes que foram devidamente avaliados. O tratamento, no entanto, precisa começar dentro de três horas (em alguns casos, 4,5 horas) do início do derrame e, quanto mais cedo, melhor.

Várias sociedades médicas também endossam o tratamento como altamente eficaz para a redução da incapacidade. O remédio pode causar ou agravar a hemorragia cerebral, ou o sangramento no cérebro —um risco real. Mas, na maioria dos pacientes com derrame, ele previne os danos no cérebro e, de qualquer maneira, as taxas de hemorragia cerebral diminuíram à medida que médicos adquiriram experiência ao longo dos anos.

Sem o tratamento, "muitos pacientes acabam permanentemente incapacitados", afirma o doutor Gregg C. Fonarow, cardiologista da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. "Os neurologistas que cuidam de acidentes vasculares cerebrais e que estão envolvidos com cuidados crônicos podem ver as consequências devastadoras."

"Por alguma razão, os médicos de medicina de emergência não estão considerando isso", afirmou ele.

Embora os descrentes barulhentos sejam uma minoria, é cada vez mais fácil para eles espalhar suas ideias nas mídias sociais, diz o doutor Edward C. Jauch, professor de Neurociências na Universidade Médica da Carolina do Sul.

"A maneira como a informação e a opinião estão sendo comunicadas para a geração mais jovem de médicos é muito mais por meio da internet e das redes sociais e menos por meio por meio da avaliação de colegas em periódicos, clubes de revistas ou debates ao vivo", diz Jauch.

O doutor Charles R. Wira III, professor de Medicina de Emergência em Yale, diz que quando fala com seus residentes sobre o TPA, eles com frequência começam a citar blogs e podcasts "como a palavra divina sobre por que o TPA é prejudicial", afirma. "Eles não leram os artigos ou as diretrizes de prática."

O ceticismo se espalhou pelo mundo, conta Jauch, e ele já espera encontrar opositores por onde passa. Na Arábia Saudita, onde foi dar uma palestra em uma conferência, um médico saudita confirmou em um jantar que simplesmente não acreditava no TPA.

Um dos líderes do contingente dos céticos, o doutor Jerome Hoffman, especialista em medicina de emergência e professor emérito da UCLA, acredita que, apesar do teste inicial e de um segundo terem sido positivos, os dois foram falhos.

Ele revisou os dados brutos do estudo federal e concluiu que mais pacientes que receberam TPA tiveram o tipo menos grave de derrame e menos deles o mais severo. O tratamento e os grupos de controle eram diferentes —ou seja, aqueles que receberam o TPA haviam sido menos afetados desde o início. Os especialistas não concordam com essa análise.

E outros onze estudos não mostraram benefícios, afirma Hoffman. Mas os defensores observam que esses estudos foram feitos para investigar se o TPA poderia ajudar pacientes com os tipos mais severos de derrame ou aqueles fora da janela de tempo recomendada.

O fracasso desses esforços, segundo eles, não significa que o TPA não possa ajudar pacientes como aqueles da pesquisa original.

Orador carismático e fascinante, Hoffman deu cursos educativos em todo o país e vendeu fitas informativas explicando sua teoria. E sua influência se espalhou.

Ele contou em uma entrevista que, na UCLA, conversa com pacientes que tiveram derrame e suas famílias assim que a equipe médica entra na sala de emergência. E avisa que, embora a equipe de derrame vá recomendar veementemente o TPA, na verdade havia um debate sobre se o tratamento beneficiava os pacientes no longo prazo.

Além disso, nenhum estudo sugeriu que o destruidor de coágulos seria capaz de salvar vidas, ele avisa, e poderia causar sangramento no cérebro em um número pequeno de pacientes.

"Na minha experiência, quase nenhum —depois de ouvir uma versão neutra e uma versão positiva— escolhe o TPA", disse ele.

Hoffman afirmou que vem debatendo com neurologistas conhecidos sobre os benefícios do TPA em vários encontros. Depois, as audiências em geral votam esmagadoramente contra o remédio.

"Isso não é uma prova da minha habilidade de debater, mas reflete como as pessoas reagem quando conhecem as evidências reais", explicou.

No Centro Médico Regional Sierra Vista, em San Luis Obispo, na Califórnia, o médico de emergência Scott Bisheff diz a seus pacientes que existe uma grande incerteza sobre se o TPA ajuda ou prejudica. Se o remédio causar sangramento no cérebro do paciente, as consequências podem ser catastróficas.

Cerca de metade de seus pacientes com derrame recusam o tratamento, diz Bisheff.

Para os neurologistas, o pior cenário de longe é o paciente a quem nunca perguntaram se gostaria de receber o destruidor de coágulos. Em Yale, segundo Wira, os pacientes algumas vezes vêm de hospitais comunitários onde não receberam TPA. Normalmente é muito tarde para tentar.

Wira e outros membros da equipe não contam para as famílias sobre a oportunidade perdida. "Tentamos não levantar questões que podem levar a litígios."

Mas alguns familiares acabam sabendo o que houve. Aconteceu com Lewandowski.

Cerca de uma década atrás, Lewandowski estava trabalhando quando recebeu uma ligação dizendo que seu pai tinha tido um derrame —seu lado direito estava paralisado. Mas havia chegado ao hospital em 45 minutos, dentro da janela de tratamento para receber o TPA.

Lewandowski disse à sua mãe para deixar os desejos da família muito claros. Eles queriam que o médico da emergência aplicasse o destruidor de coágulos no pai. O médico se recusou.

"Ele disse para minha mãe que não acreditava no remédio e que não ia aplicar. Ele não se importava com que eu era", conta Lewandowski.

"Entrei no carro e dirigi 650 quilômetros até o hospital", recorda-se. Mas na hora que cheguei já era tarde. A janela de tratamento havia fechado.

Seu pai teve uma inclinação facial e sua fala ficou arrastada. O braço e a perna direitos ficaram sem movimentos. A escala do derrame era sete, moderadamente incapacitante, e ele sobreviveu ainda por alguns anos.

"Foi muito difícil para mim pessoalmente", afirma Lewandowski. "Passei tanto tempo da minha vida profissional trabalhando nesse tratamento. Na verdade, ele funciona."

"Senti como se tivesse falhado com meu pai."