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Como uma brasileira chegou à cidade cujo nome mais parece um erro de digitação

Marcelo Freire

Do UOL, em São Paulo

11/11/2015 06h00

“Parece que alguém bateu a mão no teclado do computador.” Essa é uma das típicas respostas quando se descobre o maior nome de cidade do mundo, honra que pertence a Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch, no País de Gales, com 3.000 habitantes e 58 caracteres para travar a língua de qualquer não-galês que se atreve a pronunciar o nome.

Não foi o caso de Liam Dutton, um apresentador (galês, claro) do canal britânico Channel 4, que viralizou no mundo inteiro ao proferir a palavra impecavelmente quando divulgou a previsão do tempo para a cidade no último mês de setembro. Só a versão divulgada pelo Channel 4 no YouTube já obteve mais de 13 milhões de visualizações desde então.

Mas quem mora em Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch? O que significa esse nome que mais parece um erro de digitação? Por que o escolheram? Quem deu a ideia de colocar um nome com 58 caracteres praticamente impossível de ser dito por alguém que não fale galês?

O UOL foi atrás das respostas. E a primeira coisa que descobrimos é que uma brasileira mora lá.

“É mentira”

“Você está mentindo, não existe um nome desse tamanho.” Foi assim que Andrezza Vieira Gomes, 28, reagiu quando o galês Dewi Thomas, seu marido, disse onde morava quando ambos se conheceram pelo Tastebuds, um app que une as pessoas de acordo com o gosto musical, há três anos.

“E o pior é que eu coloquei no Google e não achei nada – o Dewi deve ter errado uma letra. Daí pensei que era mentira mesmo.”

Logo depois, Andrezza descobriu que sim, aquele era de fato o nome. A coisa foi ficando séria entre os dois, que viajaram juntos pela Europa meses depois. Ficaram noivos durante um passeio pela Snowdon, uma das montanhas da região, e passaram a planejar o casamento.

Com o visto aceito, a fotógrafa deixou a vida em São Paulo, onde chegou a trabalhar nas perícias da Polícia Científica, e foi se aventurar no pacato vilarejo onde um dos maiores desafios é dizer o nome. Mas existem atalhos, claro.

“Geralmente, a gente usa só a forma abreviada, ‘Llanfairpwll’, quando se refere à cidade”, explica. As pessoas não saem por aí exclamando Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch sem um motivo específico.

Nem Andrezza. A brasileira, inclusive, ainda precisa pedir uma ajudinha a Dewi para pronunciar o nome completo. As consoantes agrupadas na sequência confundem bastante a cabeça de quem tem o português como língua materna, mas à medida em que ela vai aprendendo algumas palavras em galês, a coisa vai ficando (um pouco) mais natural.

O casamento da brasileira foi no último sábado (7), três meses depois de sua chegada, e agora ela se prepara para estabelecer a vida na nova cidade, que tem uma rotina muito tranquila. “Até demais”, brinca ela, acostumada ao ritmo acelerado de São Paulo. “Mas é um lugar maravilhoso, tem as montanhas e vários passeios ecológicos.”

Mesmo ainda “arranhando” o galês, não há problema de comunicação para ela, que não tem dificuldade para entender inglês, falado também pelos locais. Mas seus amigos e parentes se enrolam, e não apenas com o nome da cidade. “Minha mãe demorou um ano para conseguir falar o nome do Dewi.”

Caverna, vale e igrejas

Mas a pergunta que não quer calar: qual é, enfim, o significado de Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch? Em tradução livre, “Igreja de Santa Maria no vale de White Hazel próximo ao turbilhão e à Igreja de São Tysilio da caverna vermelha”.

Nada muito esclarecedor, mas percebe-se que é uma tentativa de identificar a localidade exata do vilarejo, que fica na ilha de Anglesey, no norte do País de Gales.

A história local conta que o nome se limitava a Llanfairpwllgwyngyll (“Igreja de Santa Maria no vale de White Hazel”) até o século 19, quando um alfaiate sugeriu a mudança. A ideia, diz a lenda, era atrair os turistas pelo longo nome de 58 letras que estamparia a placa de identificação da estação de trem, ainda hoje um dos principais pontos turísticos do lugar.

“Não imagino que há 150 anos alguém pensassem em uma jogada publicitária dessas, mas o fato é que o nome foi aceito e virou uma atração, principalmente pela estação de trem”, diz Alon Mummery, administrador da cidade – no Brasil, seria o prefeito. Que é bom de propaganda: “É um ótimo vilarejo para morar, com várias atrações e uma comunidade pacífica e que recebe muito bem os turistas, não importa quem seja”, diz ele, citando a Coluna da Marquesa de Anglesey, que fica a 27 metros de altura e fornece uma ótima visão da região montanhosa.

Sua função não se restringe à de administrar a cidade; ele também é secretário do Clwb Pel Droed Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch FC – naturalmente, o clube de futebol de maior nome do mundo, que hoje disputa a Welsh Alliance League, na terceira divisão do país.

Temos até um site em português” [só alguns textos e o menu, na verdade], diz Mummery, que presenteou a Redação do UOL com uma camisa e um cachecol do time, prontamente utilizados quando tentamos fazer os paulistanos pronunciar o nome.

Mummery, no entanto, lamenta ao responder se a torcida honra ou não o longo nome da cidade no “grito de guerra” pela equipe. “O time não anda numa fase muito boa, então os torcedores não aparecem muito. Mas se entoarmos o nome longo só terminaríamos no começo do segundo tempo.”

Nada orgulha mais o “prefeito” do que a cultura galesa, que contrapõe o domínio britânico na região. E ele mostra isso no insistente pedido para que o repórter pronuncie o nome da cidade – no começo e no final da entrevista, para ver se houve alguma evolução. “Ah, ficou bem melhor”, diz ele, ao comparar as duas pronúncias.

E qual é a pronúncia correta, você se pergunta? Tente o “mandrake” do repórter: é algo como “Ranvairrpushguinguéshgolguérikvendroborrantisíliogogogok”. Ou veja Liam Dutton fazendo e tente imitá-lo. 

 

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