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Como um smartphone salvou a vida da minha mãe

O empresário Yonatan Adiri acredita que o diagnóstico clínico por smartphone será um mercado enorme  - HEALTHY.IO/Divulgação
O empresário Yonatan Adiri acredita que o diagnóstico clínico por smartphone será um mercado enorme Imagem: HEALTHY.IO/Divulgação

Matthew Wall

BBC News

12/02/2019 15h06

À medida que caem de preço e oferecem mais recursos, os smartphones estão se tornando uma ferramenta poderosa no diagnóstico de um número cada vez maior de doenças.

Quando a mãe do empresário Yonatan Adiri caiu e perdeu brevemente a consciência durante uma viagem pela China, o diagnóstico inicial indicava que ela tinha quebrado algumas costelas, nada além disso. Os médicos estavam ansiosos para transferi-la para Hong Kong, onde faria o tratamento.

Mas o pai de Yonatan ficou preocupado e tirou fotos das tomografias computadorizadas das lesões. Ele enviou as imagens por e-mail para o filho, que mostrou a um médico traumatologista - de cara ele identificou uma perfuração no pulmão. O voo para Hong Kong poderia tê-la matado.

"Quem sabe o que poderia ter acontecido se ele não tivesse tirado as fotos?", se pergunta Yonatan.

A experiência inspirou o empreendedor israelense - que foi diretor do Departamento de Tecnologia de Israel durante o mandato do ex-presidente Shimon Peres - a pesquisar como os smartphones poderiam se transformar em uma ferramenta de diagnóstico clínico.

O resultado foi a criação da Healthy.io, uma start-up pioneira em "selfies médicas", como ele chama. O primeiro produto é um kit de exame de urina que identifica sinais de infecção do trato urinário, diabetes e doença renal.

Acompanhamento por robô

O exame de urina padrão envolve uma vareta especial com 10 microcomponentes que mudam de cor ao detectar a presença de certas substâncias, como sangue, açúcares ou proteínas, na amostra de urina.

Normalmente, um clínico treinado analisa as alterações de cor a olho nu, mas o aplicativo de smartphone da Healthy.io pode fazer essa avaliação igualmente bem usando seu algoritmo de visão computacional.

Um chatbot (robô que simula seres humanos em bate-papos online) chamado Emily conduz os usuários por meio de um passo a passo usando áudio, vídeo e texto.

A pessoa encaixa a vareta em uma moldura de papelão com um código de cores, depois escaneia tudo com o telefone. A imagem é enviada para análise na nuvem e os resultados vão para o médico do paciente.

"Não é um dispositivo de bem estar, é um dispositivo médico", diz Adiri, enfatizando que o produto foi aprovado pela agência que controla os alimentos e medicamentos dos EUA (FDA, na sigla em inglês) e pelos órgãos reguladores da União Europeia.

Como o teste pode ser feito facilmente em casa, ele acredita que tem o potencial de economizar muito em honorários médicos e em diagnósticos precoces de doenças que teriam um custo mais alto para serem tratadas se descobertas mais tarde.

O aplicativo e o kit, que custam 9,99 libras (cerca de R$ 47), foram usados mais de 100 mil vezes em todo o mundo, segundo a empresa. A rede britânica de farmácias Boots está testando atualmente o serviço, e o sistema público de saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês) está usando o recurso para monitorar transplantes de rim e pacientes com diabetes.

Máquina mais potente

A principal vantagem de um smartphone é que ele tem "grande poder computacional, uma tela de alta resolução, câmeras excelentes e, mais importante, está conectado e disponível em todo o mundo", diz Andrew Bastawrous, cofundador e diretor executivo da Peek Vision, empresa de tecnologia pioneira em exames oftalmológicos simples para países em desenvolvimento.

Cerca de 36 milhões de pessoas no mundo são cegas, muitas em decorrência de doenças facilmente tratáveis, acrescenta ele. Diagnósticos precoces poderiam salvar a visão da maioria dessas pessoas.

Mas, em áreas remotas e pobres do mundo, é difícil o acesso a equipamentos médicos grandes e caros.

O aplicativo de exame de vista da Peek Vision, chamado Peek Acuity, exibe a letra E na tela do telefone. A imagem muda de tamanho e orientação durante o teste.

O paciente indica a direção em que acha que a letra está apontando e o examinador desliza a tela na mesma direção. O aplicativo funciona se a resposta for certa ou errada. Os resultados do teste são armazenados na nuvem e enviados para o médico especializado mais próximo.

"Nosso aplicativo foi projetado para que quase todo mundo possa usá-lo", diz Bastawrous, que é cirurgião oftalmológico e trabalha no Centro Internacional de Saúde Ocular da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

"O treinamento leva apenas alguns minutos, então o aplicativo pode ser usado por não especialistas, incluindo professores, líderes comunitários e profissionais da área de saúde em geral."

A câmera do celular também pode simular como a pessoa que está sendo examinada enxerga o mundo, ajudando os pais a entender claramente por que o filho pode precisar de tratamento, por exemplo.

Até agora, mais de 250 mil pessoas foram examinadas no Quênia, em Botswana e na Índia, com os custos sendo pagos por entidades beneficentes e governos. O aplicativo ganhou aprovação clínica na Europa, e Bastawrous diz que é "no mínimo tão preciso quanto um exame ocular convencional".

"A capacidade de registrar dados no local de atendimento, fazer imagens que possam ser analisadas usando inteligência artificial ou por especialistas que não podem estar em todos os lugares ao mesmo tempo, aumenta a possibilidade de cuidados médicos universais serem realizados em todas as esferas das especialidades de saúde", conclui.

Existem muitas outras empresas e pesquisadores explorando o potencial dos smartphones como ferramenta de diagnóstico clínico, muitas vezes associado a acessórios complementares do kit.

A Cellscope, por exemplo, desenvolveu um acessório para a câmera do smartphone que permite aos pais examinar o ouvido da criança e fazer um vídeo do interior, que é acessado por um médico remotamente.

A ideia é que os pais consigam descartar alarmes falsos e poupar idas à toa ao médico.

Enquanto isso, as equipes de pesquisa estão desenvolvendo sensores plug-in que podem detectar uma série de doenças, do HIV ao Ebola, a partir de uma pequena amostra de sangue. E os acessórios podem transformar a câmera do telefone em um microscópio capaz de examinar células vermelhas do sangue em busca de sinais de malária.

"Tem havido alguns avanços interessantes na evolução do smartphone como uma ferramenta de diagnóstico", diz Niamh McKenna, chefe da área de saúde na consultoria Accenture.

"O diagnóstico clínico em movimento tem um grande potencial para aplicação em áreas remotas. No entanto, precisamos nos lembrar que, em última análise, os smartphones são desenvolvidos como tecnologia de consumo e não como dispositivos médicos", acrescenta.

"Tentar redirecioná-los dessa maneira pode levar a propostas confusas ao consumidor e potencialmente deparar com questões regulatórias - como a proteção de dados."

Mas se o diagnóstico barato, portátil e preciso de doenças tratáveis salvar vidas como prometido, o smartphone pode se tornar a invenção mais importante dos últimos 20 anos.