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Precisamos de novos acordos: até 2019, 50% da população estará na web

Tim Berners-Lee é o inventor da web e tido como um dos pais da internet; atualmente, é diretor da Fundação World Wide Web - Rodrigo Paiva/UOL
Tim Berners-Lee é o inventor da web e tido como um dos pais da internet; atualmente, é diretor da Fundação World Wide Web Imagem: Rodrigo Paiva/UOL

Tim Berners-Lee

Para o The New York Times

16/12/2018 04h00

Governos, empresas e usuários ao redor do mundo devem se comprometer com uma série de princípios fundamentais para a rede

De uns anos para cá vem ficando cada vez mais claro que a internet não está à altura das grandes expectativas que tínhamos em relação a ela. Criada como ferramenta aberta para parceria e autonomia, ela foi tomada por vigaristas e trolls, que a usam para manipular gente em toda parte.

Para preservar um instrumento útil a toda a humanidade, não só os privilegiados e poderosos, teremos que brigar por ele. É por isso que estou pedindo a governos, empresas e cidadãos que se comprometam com uma série de princípios básicos que o regem.

Até o fim de 2019, 50% da população mundial estará utilizando a internet, segundo um relatório recente da Comissão de Banda Larga para o Desenvolvimento Digital, afiliada à ONU. Em qualquer outro momento dos 30 anos de história da rede, a reação coletiva a esse marco provavelmente teria sido:

Maravilha! Agora então vamos conectar o resto das pessoas o mais rápido possível

Só que o mundo mudou.

Depois de anos de reconhecimento da rede como uma força em potencial para o bem, o otimismo tecnológico foi eclipsado pelos temores de que ela esteja prejudicando nossas sociedades.

A preocupação se justifica. Em poucos anos, vimos governos engajados em trollagem com patrocínio público para acabar com a dissidência e atacar a oposição; vimos o hackeamento e a interferência estrangeira distorcendo a política e interferindo em eleições; comprovamos que a disseminação das notícias falsas ("fake news") nas redes sociais gera caos, confusão e violência fatal.

Quando soubemos, no ano passado, que a Cambridge Analytica tinha usado os dados pessoais de até 87 milhões de usuários do Facebook para influenciar as eleições presidenciais norte-americanas de 2016, despertamos para o fato de que perdemos o controle de nossos dados - e as consequências disso podem mudar o mundo.

Entretanto, não devemos desistir da promessa que a rede representa. Nenhuma tecnologia está isenta de riscos: dirigimos carros apesar da possibilidade da ocorrência de graves acidentes; tomamos remédios apesar da ameaça de abuso e dependência. Criamos salvaguardas nas inovações para gerenciarmos os riscos e, ao mesmo tempo, nos beneficiarmos das oportunidades.

A internet é uma plataforma global; seus desafios vão além de qualquer fronteira ou cultura. E da mesma forma que foi concretizada graças à colaboração de gente de todas as partes do planeta, seu futuro depende da capacidade coletiva de fazer dela uma ferramenta melhor para todos.

Para definirmos a rede do amanhã, precisamos de uma série de diretrizes que definam o tipo de internet que queremos. Identificá-las não será tarefa fácil, já que não existe acordo que consiga abranger um grupo tão grande e diverso de países, culturas e interesses. No entanto, acredito ser possível desenvolver um conjunto de ideais básicos, com os quais todos estariam de acordo, e que pode fazê-la funcionar melhor para o mundo, incluindo os outros 50% da população global que ainda não se conectaram.

Para isso, os governos, as empresas e os indivíduos têm papéis únicos a desempenhar. A Fundação World Wide Web, organização que fundei em 2009 para proteger a internet como um bem público, estabeleceu um conjunto de princípios básicos definindo as responsabilidades que cada parte tem para proteger um instrumento útil a toda a humanidade. E peço a todos que se comprometam com eles, unindo-se a nós na criação de um Contrato para a Web formal em 2019.

Os preceitos especificam que as autoridades são responsáveis pela conexão entre seus cidadãos e por uma rede aberta que respeite seus direitos; dizem também que as empresas de internet têm a responsabilidade em garantir que ela seja segura, acessível e que proteja os dados pessoais de quem a utiliza. Deixam bem claro que os indivíduos têm o compromisso de agir com compaixão e combater o comportamento negativo que não tolerariam no mundo real. Sobretudo, estabelecem que é nosso dever defender e lutar por uma internet que sirva a todos. Se nós, os bilhões de usuários, não a defendermos, quem irá fazê-lo?

Baseado nessas normas fundamentais, o Contrato para a Web estabelecerá um novo conjunto de regras para guiar o plano de intenções digitais dos governos e as decisões das empresas na produção das tecnologias futuras. Aqueles que apoiam e ajudam a desenvolver esse documento não só comprovarão seu compromisso com o futuro da rede, mas ajudarão a defini-lo. Se queremos uma internet que nos seja útil, teremos que trabalhar por seu futuro.

Dez anos atrás, quando Rosemary Leith e eu começamos a Fundação World Wide, pouco mais de 25% da população mundial tinham acesso a ela. Nosso objetivo era ampliar seu acesso e mantê-la aberta e gratuita, para que todos pudessem se beneficiar do que ela tem a oferecer. A internet salva vidas e gera meios de subsistência; coloca informações ao nosso alcance e nos conecta a amigos e familiares espalhados pelo mundo; fomenta movimentos sociais e cria inúmeros setores novos, facilitando e ampliando as inovações.

Como uma invenção relativamente jovem, este é só o início do que a rede tem a oferecer. Imagine o que poderemos conquistar assim que outra grande fatia da população mundial tiver acesso a ela, e passar a contribuir com a criatividade explosiva que ela contém.

A boa notícia é que a vontade de encarar os desafios nunca foi tão grande. Vamos garantir que o próximo bilhão de pessoas tenha condições de se conectar a uma rede que valha a pena. Vamos fazer de 2019 o ano em que rechaçamos as forças que estão subvertendo seu espírito aberto. Não cruze os braços; faça parte de nosso movimento em prol de uma internet livre e aberta para todos.