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Nova lei da Califórnia faz a sua internet respirar aliviada

Nova lei de neutralidade da rede californiana pode ter influência em outras partes do mundo - iStock/Getty
Nova lei de neutralidade da rede californiana pode ter influência em outras partes do mundo Imagem: iStock/Getty

Alexandre Aragão

Colaboração para o UOL Tecnologia

07/09/2018 04h00

A Câmara e o Senado da Califórnia aprovaram na semana passada uma lei para garantir a neutralidade da rede no estado. Foi a reação política mais contundente até agora à decisão tomada em dezembro pelo órgão regulador federal, a FCC (Comissão Federal de Comunicações), de revogar regras que garantiam a neutralidade em todo o país.

A neutralidade da rede é um conceito no qual o provedor de internet não pode discriminar conteúdos por tipo (vídeo, texto etc) ou por origem (app ou site sendo acessado). Essa noção impede que as operadoras sejam autorizadas a limitar apenas a pacotes de assinatura mais caros o acesso a determinados sites, como YouTube e Netflix.

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Embora seja uma decisão de um estado americano, a lei pode preservar a internet como você conhece aqui no Brasil. Após a FCC derrubar a neutralidade, provedoras que operam em outros países aumentaram a pressão para que a neutralidade da rede fosse revista.

No Brasil, a neutralidade da rede vale desde a sanção do Marco Civil da Internet, em 2014. Porém, na época, Sinditelebrasil (sindicato das empresas telefônicas) divulgou nota em que celebra a decisão e defende que “não deveria haver regra para interferir na gestão do tráfego das prestadoras de telecomunicações”. Segundo as empresas, “bastaria a lei reforçar que é assegurado aos interessados que o uso das redes se dê de forma não discriminatória, garantida pela fiscalização da agência reguladora [Anatel]”. 

Já o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), foi ao Twitter no dia seguinte à mudança lamentar a decisão e assegurar que a neutralidade será mantida por aqui: “A revogação da neutralidade da rede nos Estados Unidos fere um de seus princípios mais importantes: a liberdade de conexão. Ainda bem que no Brasil o Marco Civil da Internet nos protege de medidas dessa natureza!”, escreveu.

Entre idas e vindas judiciais, o fim da neutralidade da rede passou a valer no começo de junho. Três meses depois, um estudo feito por pesquisadores de duas universidades (Northeastern University e University of Massachusetts Amherst) junto com a empresa de monitoramento de tráfego Wehe mostrou que as operadoras americanas já estão diminuindo a velocidade de usuários que acessam serviços de streaming

Influência para o resto do mundo 

“Quando a Califórnia age, o mundo presta atenção. A Califórnia é o maior estado americano e a quinta maior economia do mundo; suas empresas de internet e seu ecossistema vibrante de inovação são a inveja do mundo”, escreveu Barbara van Schewick, professora de direito digital na Universidade Stanford e diretora do Centro para Internet e Sociedade, no blog da instituição. Ela diz que o projeto aprovado na Califórnia “é a única lei estadual que restaura verdadeiramente todas as proteções à neutralidade da rede de 2015”.

Os legislativos de três outros estados americanos (Oregon, Vermont e Washington) já haviam aprovado leis para reabilitar a neutralidade da rede. E os governadores de seis estados (Havaí, Montana, Nova Jersey, Nova York, Rhode Island e Vermont) assinaram ordens executivas com o mesmo objetivo. Mas a lei aprovada na Califórnia deve virar o padrão a ser seguido daqui para frente  - e pode influenciar como o conceito é preservado até em outros países.

Schewick diz que a lei da Califórnia fecha brechas que poderiam ser exploradas para derrubar a neutralidade. O conceito de neutralidade da rede adotado na nova legislação é mais restritivo até mesmo que a interpretação dada no Brasil. Uma prática comum adotada por operadoras brasileiras é não cobrar o tráfego de dados de determinados aplicativos, como o WhatsApp e o Facebook. Pela nova regra da Califórnia, as empresas não podem privilegiar um serviço em detrimento de outros e essa prática é considerada ilegal.

Nos próximos meses, a FCC e o governo federal devem adotar medidas judiciais no sentido de reverter as novas leis estaduais, inclusive a californiana. “Apesar de a ordem de 2017 da FCC ter proibido explicitamente que estados adotassem suas próprias regras de neutralidade da rede, essa proibição é inválida”, escreveu a professora de Stanford. Com o Vale do Silício de um lado e Donald Trump do outro, o resultado dessa batalha judicial deve ajudar a definir os próximos anos da internet​, acreditam tanto operadoras quanto defensores da neutralidade.

Para justificar o fim da neutralidade da rede, a FCC acatou o argumento das operadoras de que a adoção do conceito gera mais custos que benefícios. Uma das lógicas desse argumento é que impedir as operadoras de cobrarem mais caro de usuários cujo uso de internet demanda mais infraestrutura de rede retira o incentivo econômico para que as empresas invistam em melhorar essa infraestrutura.

No sentido inverso, as operadoras também argumentam que permitir uma cobrança mais cara para privilegiar o tráfego de tipos específicos de dados — como serviços de teleconferência médica e a comunicação de carros autônomos — poderia gerar um incentivo para que essas áreas se desenvolvam mais rapidamente.

De streaming a redes sociais, fim da neutralidade da rede pode afetar diversas áreas da tecnologia

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