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Discurso de Michelle em Libras faz bombar o 'Google Tradutor de surdos'

Primeira-dama, Michelle Bolsonaro, faz discurso em Libras antes do pronunciamento de Jair Bolsonaro, no Planalto - Reprodução
Primeira-dama, Michelle Bolsonaro, faz discurso em Libras antes do pronunciamento de Jair Bolsonaro, no Planalto Imagem: Reprodução

Helton Simões Gomes

Do UOL, em São Paulo

05/01/2019 04h00Atualizada em 07/01/2019 17h00

Michelle Bolsonaro escolheu a segunda língua oficial do Brasil para falar aos brasileiros durante a posse de seu marido, Jair Bolsonaro (PSL), como presidente do Brasil (veja o vídeo abaixo). Ao deixar o português de lado e discursar em Libras, a primeira-dama jogou luz sobre pessoas que geralmente não tem voz mas querem ser ouvidas. E acabou criando um movimento involuntário: gerou uma curiosidade que turbinou a procura por um aplicativo brasileiro de tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais.

Depois de Michelle gesticular para agradecer aos brasileiros e pedir que apoiassem Bolsonaro, o app de uma pequena empresa de Maceió, comparada a uma famosa companhia do mundo da tecnologia, passou a atrair atenção de internautas.

Costumam falar que a gente é o Google Tradutor dos surdos

Ronaldo Tenório, CEO da Hand Talk

A comparação com um dos serviços da gigante dos Estados Unidos não é à toa: além de ser a criadora de um app que verte frases escritas ou faladas em português para Libras, a Hand Talk já foi convidada pelo próprio Google para ter seu negócio acelerado.

No aplicativo, os gestos que representam palavras e expressões em Libras são feitos pelo desenho animado do assistente pessoal Hugo, avatar da empresa. Como é possível criar GIFs das traduções, críticos de Bolsonaro encontraram no app uma arma perfeita para cutucar o capitão reformado.
Eles postaram em um perfil do Instagram um story em que Hugo aparecia gesticulando em Libras a seguinte mensagem:

Oi, eleitor do Bolsonaro, você já mamou na sua mamadeira de piroca hoje?

A provocação fazia referência a uma notícia falsa que circulou durante as eleições presidenciais de 2018. O texto publicado no Facebook dizia que Fernando Haddad, candidato do PT, distribuía mamadeiras com bico no formato do órgão genital masculino e que isso fazia parte do kit gay.

Tenório lamenta que o app tenha sido usado com essa finalidade.

Enquanto tem uma pessoa querendo fazer o mal, há outras dez querendo fazer o bem. A boa notícia é que os stories só ficam no ar por 24 horas. Pra você ver: até em um tema tão bonito, como o da inclusão de deficientes e da acessibilidade, tem pessoas que querem desmerecer algo. A gente tem que entender o que as pessoas estão dizendo e não só observar quem está dizendo.

Para o executivo, ter a primeira-dama da República no papel de difusora da importância de políticas públicas para pessoas com deficiência é um primeiro passo.

A gente tem que olhar para os dois lados e ver qual a importância de ter uma mulher [na posição dela] falando sobre o tema da inclusão e da acessibilidade

Inteligência artificial

Ele afirma que o discurso de Michelle chamou a atenção também de empresas e pessoas interessadas. Tanto é que o tráfego ao site da Hand Talk subiu 137% logo após o discurso de Michelle.

Enquanto as pessoas queriam conhecer o que era a tal gesticulação feita pela primeira-dama, as empresas estavam interessadas em outro produto da companhia alagoana. Além do app, ela desenvolve um plugin que torna páginas na internet mais acessíveis, ou seja, traduz para Libras o conteúdo escrito em português.

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Entenda

Inspirada pelo Google, a Hand Talk usa inteligência artificial para fazer seu assistente pessoal ser mais ágil ao traduzir. Ele aprende com cada sentença inserida no app. Quando outro usuário solicita alguma tradução, ele recorre a experiências passadas para não engasgar na hora de gesticular.

Os interessados em instalar os serviços da empresa estão com um olho nos surdos e com outro na legislação. Uma lei federal de 2015 obriga sites de órgãos do governo e de empresas brasileiras a possuírem recursos que atendam pessoas com deficiência. Muitas páginas já têm ferramentas que leem em voz alta o texto escrito. A conversão do português para Libras, no entanto, ainda é e, dentro desse segmento, a Hand Talks nada de braçada.

Agora em inglês

Apesar de ter apenas 25 funcionários, já atende 150 médias e grandes empresas, como Magazine Luiza, Samsung, Bradesco, Azul, Natura e Avon. E até começou um processo de consolidação ao adquirir no ano passado uma de suas principais concorrentes, a ProDeaf, empresa pernambucana criadora de um serviço para smartphones - o Bradesco, por exemplo, é um cliente da ProDeaf.

 

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A Hand Talks já chamou a atenção da comunidade internacional, tanto que chegou a ser eleito pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Melhor Aplicativo Social do Mundo, em 2013. Para fomentar essa expansão, a empresa recebeu investimentos de R$ 2,5 milhões dos fundos Kviv Ventures, da família Klein (ex-dona das Casas Bahia), e do Bossa Nova, dos investidores João Kepler Braga e Pierre Schurmann.

Tenório não revela dados financeiros, mas informa que a receita já gira na casa "de alguns milhões" e cresceu 120% em 2017.

O próximo passo é lançar uma versão do aplicativo nos Estados Unidos e passar a traduzir expressões em inglês para a Língua de Sinais Americana (ASL, na sigla em inglês). Não pense que será possível verter expressões em português para ASL ou do inglês para Libras.

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A inclusão de outros idiomas, diz o CEO, será uma consequência do sucesso ou não em terras estrangeiras. Ele lembra, porém, que nem o Google lançou o Tradutor já com todos os idiomas atendidos pela plataforma atualmente. E aproveita para dar uma cutucada na gigante.

O Google é referência em tradução, porque traduz mais de 100 idiomas. Mas nenhum deles é uma língua de sinais