Cortina de ferro na web: por que russos protestam contra projeto de Putin
Milhares de russos se reuniram no último domingo (10) para protestar contra um projeto que corre pelo Parlamento local, com apoio do presidente Vladimir Putin. Segundo a agência de notícias Deutsche Welle, mais de 15 mil pessoas foram às ruas da capital Moscou para expressar a oposição ao chamado "Programa Nacional de Economia Digital", mas por que esse plano gera preocupação local e internacional?
Aprovado pela primeira esfera do legislativo russo, o projeto implica que todo tráfego de dados entre cidadãos locais e organizações deve ficar armazenado dentro do país, não em servidores externos. O governo quer que os provedores de internet locais desenvolvam uma infraestrutura que permita que a rede russa continue funcionando normalmente mesmo que outros países tentem derrubá-la.
O discurso oficial é que essa "cortina de ferro" virtual é necessária para proteger a Rússia de ciberataques estrangeiros. Haveria uma preocupação com retaliações, vindas de hackers de outros países, aos supostos ataques russos em eventos como a campanha eleitoral americana que terminou com Donald Trump eleito presidente.
Só que esse papo não é comprado por entidades internacionais e por críticos locais do regime de Vladimir Putin, que enxergam nesse projeto mais uma maneira de cercear liberdades individuais e tentar vigiar o comportamento de dissidentes dentro do país. O Telegram, um dos organizadores da manifestação do último fim de semana, tem interesse direto com essa questão.
Fundado por russos, mas registrado como empresa no Reino Unido, o aplicativo de troca de mensagens foi enquadrado em uma lei de 2016 que exige, caso o governo peça, o fornecimento de chaves que quebrem a criptografia das mensagens trocadas em um celular. Além de se opor a essa demanda, chamada de inconstitucional pelo cofundador Pavel Durov, o Telegram explicou que essa determinação é tecnicamente impraticável, já que tais chaves não ficam com a empresa, mas são armazenadas nos dispositivos de cada usuário.
As autoridades russas têm tentado bloquear o aplicativo desde abril de 2018 por determinação judicial, mas a imposição não funcionou na prática, tanto é que os protestos de domingo também foram organizados com auxílio da plataforma. A aprovação definitiva do Programa Nacional de Economia Digital, dada como certa, só aumentará o controle estatal sobre a internet na Rússia.
O país já prepara até um experimento de como será a rede russa do futuro. A previsão, sem data definida, é que a Rússia isole sua internet da do resto do mundo antes do início deste mês de abril, em um teste para o que pode virar a regra com a nova legislação.
Internet cada vez mais vigiada
Com sua própria internet, a Rússia poderá apertar o controle sobre o uso da rede. Sites já foram banidos do país, assim como cidadãos foram detidos, ou receberam multas, por fazerem publicações em redes sociais ridicularizando o governo ou a igreja ortodoxa russa.
Uma analogia fácil é com o que ocorre na China, onde o governo tem cada vez maior conhecimento da vida dos seus cidadãos por meio da internet. Também controlada, a rede chinesa tem suas próprias redes sociais e mecanismos de busca - nada de Facebook, Twitter, WhatsApp ou Google por lá -, além de bloquear diversos sites de notícias estrangeiros e até termos relacionados a assuntos sensíveis no país.
Um caso recente tem a ver com a mudança que permitiu que o presidente Xi Jinping mantivesse o cargo por tempo indeterminado. Críticos passaram a chama-lo de "imperador Xi", então o uso de termos como "meu imperador" passou a ser censurado - por aí vai.
Isso também tem aplicações a acontecimentos históricos, como o Massacre da Praça da Paz Celestial de 1989. No Baidu, o equivalente chinês ao Google, ao jogar termos relacionados ao que aconteceu em Pequim, como "homem tanque", a busca retorna com imagens genéricas de homens e tanques - no Google Imagens, todos os principais resultados são do evento na Praça da Paz Celestial.
A barreira que isola a rede chinesa foi apelidada de "Grande Firewall", uma brincadeira com a milenar Grande Muralha da China. Mesmo sem ter sido aprovada, a Rússia já ganhou um nome engraçadinho: "cortina de ferro", em alusão ao termo usado durante Guerra Fria para descrever os países do Leste Europeu alinhados com a então União Soviética.
Herdeira da maior parte do território soviético, a Rússia pode retomar o espírito do antigo regime no controle à internet. Por enquanto, os críticos ainda podem reclamar, mas a liberdade pode estar com os dias contados.
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