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Fórum de ódio que exalta atiradores de Suzano está por trás de mais crimes

Fórum que espalha discurso de ódio é velho conhecido da polícia - Getty Images
Fórum que espalha discurso de ódio é velho conhecido da polícia Imagem: Getty Images

Helton Simões Gomes

Do UOL, em São Paulo

15/03/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Há indícios de que os atiradores de Suzano frequentavam fórum de ódio
  • A ação deles, que deixou 10 mortos, foi comemorada nesse fórum
  • Esse grupo de discussão é velho conhecido da polícia
  • Um dos participantes mais atuantes pegou 41 anos de cadeia por associação criminosa
  • Ele foi condenado por pornografia infantil, racismo, incitação ao cometimento de crimes, coação e terrorismo

Enquanto o Brasil chorava a morte de oito pessoas, assassinadas por dois atiradores, que deram cabo da própria vida em uma escola de Suzano (SP), alguns indivíduos comemoravam o massacre em um canto bastante obscuro da internet.

Eles são integrantes de um fórum de discussão bem conhecido na deep web por ser um polo de incitação a crimes, como discurso de ódio, divulgação de pornografia infantil e terrorismo. Agora, policiais civis ouvidos pelo UOL passaram a investigar o grupo que movimenta este fórum, por conta de relatos que circulam na imprensa de que os dois atiradores eram participantes da plataforma e até pediram dicas por lá.

Uma das linhas da investigação policial analisa como redes sociais e páginas de internet forma usadas no atentado. Policiais descobriram que os dois assassinos combinaram o ataque, nos últimos meses, por meio de mensagens diretas pelo Facebook. Organizaram a logística e a dinâmica de como agiriam, mas não teriam escolhido perfis semelhantes para serem as vítimas, ou seja, parecem ter atirado aleatoriamente.

Em paralelo, os policiais averiguam se o massacre tem alguma relação com a participação dos dois atiradores no fórum anônimo na internet, velho conhecido das autoridades e cujos integrantes já foram enquadrados pela Justiça por terem cometido crimes como terrorismo, racismo e coação.

Comemoração

Logo depois da chacina na escola, membros do fórum começaram a comentar o episódio. A reportagem viu algumas das mensagens que apontavam que os dois eram frequentadores do "chan", como são chamadas essas páginas.

"Não fiquem citando, mas era confrades daqui, sim (sic)", afirmou um membro, identificado como DPR e apontado como moderador do grupo. "Logo vão encontrar algo em poder deles e o 'lulz' vai começar", completa, referindo-se ao termo que representa alegria ou sofrimento dos outros.

Membros de fórum online de ódio exaltam ação dos atiradores do massacre de Suzano - Reprodução/UOL - Reprodução/UOL
Imagem: Reprodução/UOL

Para tranquilizar os outros participantes, DPR diz ter classificado como secreto um tópico em que um dos atiradores pede dicas para executar a ação.

"No máximo talvez os porcos encontrem a board secreta no histórico dos celulares ou PCs dos atiradores. Mas mudarei ela de endereço para evitar", afirmou. Fora isso, a reação imediata de outros integrantes foi a de comemorar o ato. "Esses caras são uns deuses", afirmou um membro. "Homens de bem e honrados", declarou outro.

forum suzano - Reprodução/UOL - Reprodução/UOL
Imagem: Reprodução/UOL

Alguns até teceram críticas aos assassinos, não por eles terem cometido o atentado e, sim, por terem deixado algumas vítimas escapar, como uma aluna que se fingiu de morta. Esta mesma pessoa ainda dá orientações aos membros do fórum que estejam planejando ações futuras.

Outro integrante aproveitou a conversa sobre Suzano para prometer um atentado ainda maior.

Pedofilia, racismo e terrorismo

Ainda que abrigue publicações assustadoras, o fórum é um antigo conhecido de policiais e juízes. Sua criação é incerta, mas o mais provável é que isso tenha acontecido em 2013. Seus integrantes, no entanto, são assertivos ao apontar que ele foi fundado por Marcelo Valle Silveira Mello.

Antes de criar o obscuro grupo de discussão, o analista de sistemas havia sido condenado por racismo pelo Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) em 2009. Contrário às cotas raciais na Universidade de Brasília, ele abasteceu durante quatro anos páginas no Orkut com comentários discriminatórios contra negros.

Fora da cadeia por alegar ter problemas mentais, Mello voltou a disparar ofensas pela internet. Em 2012, ele e Emerson Eduardo Rodrigues Setim alimentavam um site com conteúdo que incitava violência contra negros, homossexuais, mulheres, nordestinos e judeus e ainda fazia apologia a crimes de estupro e homicídio a crianças e adolescentes. Por isso, os dois foram presos pela Polícia Federal na Operação Intolerância deflagrada em março daquele ano.

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Nas publicações, a dupla exaltava ainda o atirador do massacre de Realengo, que invadiu uma escola na zona oeste do Rio e matou 12 pessoas antes de se matar.

Os dois receberam um indulto judicial e foram soltos em meados de 2013. Foi neste ano que Mello criou o fórum.

As ações dele e de Emerson, porém, não se resumiam à lista de discussão. Após ser solto, Mello intensificou suas agressões online. Passou a ameaçar de usar bombas para explodir universidades em cinco estados e no Distrito Federal e a enviar ameaças a notórios defensores dos direitos humanos, como a professora e ativista Dolores Aronovich e o ex-deputado federal Jean Wyllys. Os inimigos públicos dele passaram a ser também alvos do fórum de ódio criado por ele.

Ameaças a bomba, ainda que não sejam concretizadas, são enquadradas desde 2016 como crime de terrorismo. Além de dizer que atacaria universidades, Mello ameaçou hospitais e a embaixada dos Estados Unidos no Brasil.

As ações dele só cessaram quando a PF o prendeu na Operação Bravata em março de 2018. Os agentes ainda conduziram buscas e apreensões de equipamento eletrônico em Curitiba, Rio, São Paulo, Recife, Santa Maria e Vila Velha.

Após a liberação dos dois indivíduos soltos na Operação Intolerância, ficou muito claro para a polícia que o volume de crimes e de ameaças se alterou e voltou com força total

Flávio Augusto Palma Setti, delegado da PF que coordenou a operação, na época

Segundo a PF, Mello e outras pessoas agiam na superfície da internet, mas também se escondiam na chamada deep web, a parte da rede não indexada por ferramentas de busca como o Google. "Os servidores são acessíveis a qualquer um, mas ficam hospedados na deep web. Depois da prisão do Marcelo, passaram a tomar cuidados para dificultar serem identificados pela polícia."

De acordo com Setti, as discussões mantidas no fórum criado por Mello eram agrupadas em tópicos, que, por si só, já davam o tom do conteúdo:

  • "nem todas as mulheres gostam de ser estupradas, só as normais"
  • "queimem todos os homossexuais e acabem com a AIDS"
  • "estuprar lésbicas é uma questão de honra, glória e bem-estar social"

Os indícios reunidos pela PF embasaram uma ação do Ministério Público Federal. Com base nela, a Justiça Federal do Paraná condenou Mello a 41 anos, seis meses e 20 dias por associação criminosa, pornografia infantil, racismo, incitação ao cometimento de crimes, coação e terrorismo.

A perseguição que ele promoveu contra a Dolores "Lola" Aronovich, da Universidade Federal do Ceará, foi tão intensa que parlamentares criaram a lei 13.642/2018, que atribui à PF a investigação de crimes cibernéticos contra mulheres.

Depois da prisão de Mello, DPR assumiu o fórum e o levou completamente para a deep web. Antes disso, no entanto, outro crime foi descrito por lá.

André Luiz Gil Garcia, um proeminente integrante, abordou uma mulher que não conhecia e atirou nela no meio da rua. Depois, tirou a própria vida. Os membros do fórum aplaudiram a ação.