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Pais involuntariamente ajudaram Momo a viralizar - e o problema não é esse

Boneca Momo, na verdade, é uma obra de arte, intitulada Mother Bird, que foi exposta em Tóquio - Reprodução
Boneca Momo, na verdade, é uma obra de arte, intitulada Mother Bird, que foi exposta em Tóquio Imagem: Reprodução

Helton Simões Gomes

Do UOL, em São Paulo

19/03/2019 19h34

Resumo da notícia

  • Pais ficaram assustados com corrente enviada pelo WhatsApp e espalhada nas redes
  • Segundo a mensagem, circulavam vídeos no YouTube ensinando crianças a se matar
  • Ao avisar outros pais, disseminaram os conteúdos ainda mais e geraram pânico
  • A situação mostra como pais estão diante de um impasse provocado pela tecnologia
  • Eles lidam com filhos com privacidade, plataformas nebulosas e sem controle público

Preocupados com uma corrente no WhatsApp que dizia existir vídeos no YouTube Kids em que a boneca Momo ensinava as crianças a se matar cortando os pulsos, pais do Brasil e do mundo ajudaram de forma involuntária a disseminar justamente o que temiam que seus filhos vissem.

A onda de pânico extrapolou os grupos em que pais conversam sobre assuntos escolares. Os vídeos passaram a circular no WhatsApp e nos stories do Instagram, o que deu ao assunto uma proporção grande o bastante para chegar aos olhos de crianças que jamais saberiam o que é Momo. Isso criou um efeito inesperado: ressuscitaram o desafio da Momo, que já circulara por redes sociais, sim, mas que, segundo o Google, não estava no YouTube. Ver os pais como responsáveis, no entanto, é só a ponta desse iceberg, já que o problema é mais complexo: os filhos usam eletrônicos cada vez mais cedo para construir um ambiente de privacidade em ambientes virtuais, em que os conteúdos exibidos não passam pelo crivo do debate público.

"Qualquer tipo de desvio ou determinada situação como a que ocorreu acaba criando um pânico, porque os pais estão por um lado sozinhos nessa discussão", diz Fabio Malini, professor de comunicação da Universidade do Espírito Santo que estuda o comportamento nas redes sociais. Ele mesmo teve de conversar com a filha sobre os perigos de Momo.

Como se espalhou

Em conversa com o UOL Tecnologia, algumas mães que atuam como blogueiras disseram ter tido contato com os vídeos de Momo por meio de uma corrente de WhatsApp. A partir daí, passaram a repassar a corrente a outros pais com o intuito de avisá-los e até a distribuir o vídeo por meio de suas redes sociais.

Há essa preocupação materna ou paterna de querer proteger e, para isso, ter de avisar todo mundo. Só que, em um determinado momento, você precisa ir atrás e conferir

André Pase, professor de comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS)

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Não há evidência de que vídeos em que Momo incentive o suicídio circularam no YouTube ou no YouTube, informa o Google. Tanto é que a empresa não recebeu denúncias a respeito desse conteúdo, o que indica que poucas pessoas se debruçaram a, de fato, buscar os tais conteúdos.

O alarde dos pais

Ter partido de outros pais fez com que o aviso ganhasse ainda mais força, segundo Pase, porque se tratava de alguém conhecido, de confiança e com as mesmas preocupações: resguardar as crianças. Só que muitos pais preferiram encarar posts nas redes sociais como verdade sem questionar se seus autores realmente checaram a informação antes de passá-la adiante.

O próprio texto da corrente no WhatsApp dava pistas de onde os pais poderiam começar a averiguar a história de que Momo estava de fato presente em vídeos do YouTube. Citava os canais de Luccas Neto e Planeta Gêmeas, que nunca chegaram a hospedar conteúdos "invadidos" pela boneca aterrorizante.

Como nenhuma dessas precauções foi tomada, bastou a suspeita de que um ambiente aparentemente seguro, como o das plataformas digitais, foi invadido por uma ameaça para uma preocupação generalizada se instaurar.

A orientação dos especialistas é que os pais não contribuam para o vídeo se espalhar ainda mais. Se virem o vídeo em alguma plataforma, devem denunciar, não repassá-lo adiante. Além disso, devem abordar o assunto com seus filhos sem, porém, exibir o conteúdo dos vídeos, que podem ser perturbador para as crianças.

Plataformas nebulosas

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Para os especialistas consultados pelo UOL Tecnologia, os pais foram protagonistas ao espalhar vídeos de Momo ensinando crianças como cortar os pulsos com objetos cortantes. Eles comentam, no entanto, que eles estão diante de um impasse trazido pela mudança da tecnologia de transmissão de conteúdo.

Crianças e adolescentes estão criando cada vez mais cedo seus próprios ambientes digitais em que podem aproveitar de privacidade para consumir os conteúdos apresentados pela própria plataforma digital.

Empresas como Apple, Google e Microsoft desenvolvem serviços que permitam aos pais controlarem o que seus filhos veem. Ainda assim, é impossível barrar todo o conteúdo indesejado. "O controle parental não incide sobre aquilo que está sendo falado em um vídeo ou escrito em textos" observa Malini.

Além dessa privacidade precoce para desbravar o mundo pela telinha do celular, o meio hegemônico de comunicação pelo qual os conteúdos circulam também mudou. Deixou de ser a TV e passou a serem plataformas digitais como o YouTube.

Enquanto o primeiro meio possui uma programação controlada e previsível, o segundo tem seu conteúdo controlado por algoritmos e não se sabe o que virá a seguir. Sai a grade de programação. Entra a recomendação via código de computador.

Quando se tratava da TV, eu sabia o que o canal passava. Com o YouTube, eu não sei. Só sei posteriormente, vendo o histórico. O YouTube é uma espécie de chupeta baseada em algoritmo. E isso é muito um sintoma dos nossos tempos

André Pase

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Dentro desse panorama, os pais simplesmente não têm como avaliar se cada vídeo visto pelos filhos é saudável, já que a lista do que virá a seguir não existe. Reclamações de pais sobre o que é exibido nessas plataformas os coloca em um front isolado, em que gritam sozinhos por regulamentação, avalia Malini.

"A gente tem um problema que é uma total falta de discussão de regulação de conteúdos infantis feitos em plataformas digitais. Casos como o da Momo demonstram que a solução única, de que é função dos pais bloquear e fazer controle do conteúdo, não resolve o problema. É preciso criar processos de debate de regulação desses conteúdos nessas plataformas"

Um exemplo de regulamentação imposta a meios como a TV é a classificação indicativa atribuída a um programa, filme ou série, o que o impede de ser transmitido em determinados horários do dia para evitar que crianças entrem em contato com cenas impróprias para sua idade. Essa diretriz é alinhada junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que apenas ensaiou iniciar uma discussão de levar a classificação indicativa para o YouTube.

É óbvio que não dá para culpabilizar apenas os pais [pelo alarde com a Momo], porque eles estão sozinhos nessa teia de situações em que os conteúdos voltados para a criança são completamente deixados soltos sem nenhuma regulação pública

Fabio Malini

Para ajudar a proteger crianças e adolescentes, a influencer de maternindade Roberta Ferec separou algumas dicas importantes. Como mãe de três filhos, ela decidiu estudar o impacto da tecnologia e a importância do equilíbrio na vida dos jovens.

De olho em tudo: Os adultos devem deixar claro quais conteúdos são aceitáveis e o que envolve um conteúdo impróprio. O diálogo é essencial para que eles aprendam a identificar vídeos não recomendados para elas.

Regras claras: Determine em que lugar da casa eles poderão consumir os vídeos da internet. Isso facilita a supervisão. Além disso, o tempo de utilização dos aparelhos eletrônicos precisa ser estabelecido e deve ser cumprido.

Limite o acesso: Desabilite o recurso de vídeos recomendados em sequência do YouTube. Quando estiver vendo um vídeo qualquer no app ou no site do YouTube, procure por um botão chamado "Reprodução automática" e o desligue.

Escolha o que eles vão assistir: Faça uma playlist exclusiva para a criança com base nos vídeos que você considera adequados. De tempos em tempos, adicione vídeos novos. Sempre que possível, cheque se a playlist continua ok.

YouTube Kids é opção, mas cuidado: O YouTube Kids, app da empresa para crianças, tem uma interface mais colorida e filtra conteúdo para maiores. Mas é preciso ter muito cuidado: a ferramenta é bem limitada em suas configurações e deixa passar coisas inadequadas.

Buscas bloqueadas: A busca no YouTube Kids pode ser desativada para que a criança não consiga fazer pesquisas por outros conteúdos. Clique no ícone circular no topo esquerdo da tela principal do Kids, depois acesse as configurações, clique no perfil da criança e desative a opção "permitir pesquisa".