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Como nasce a revolução: chefão do Android diz como celular dobrável surgiu

Segunda maior fabricante de smartphones do mundo, Huawei lança celular dobrável por US$ 2.600 - Sergio Perez/Reuters
Segunda maior fabricante de smartphones do mundo, Huawei lança celular dobrável por US$ 2.600 Imagem: Sergio Perez/Reuters

Helton Simões Gomes

Do UOL, em Barcelona (Espanha)*

22/03/2019 04h00

Huawei e Samsung transformaram o maior evento de tecnologia móvel do mundo no palco de uma batalha para ver quem atraía mais atenção para seu celular dobrável, afinal elas deram início à maior revolução já ocorrida no design dos smartphones desde o surgimento dos aparelhos. Apesar de cada uma adotar sua própria estratégia, elas tinham algo em comum: os dispositivos das duas rodam Android.

Como são os cérebros dos celulares, os sistemas operacionais podem levar a um fim bastante trágico até o mais poderoso smartphone, caso seus recursos não conversem bem com o restante do aparelho. Celulares dobráveis então são um prato cheio para que isso ocorra, já que exigem que o conteúdo se adapte rapidamente aos diferentes tamanhos da tela, que pode ficar maior quando estão desdobrados e menor, ao serem dobrados. Para entender como nasce um dispositivo desses, o UOL Tecnologia conversou com Hiroshi Lockheimer, o vice-presidente do Google responsável, entre outras coisas, pelo Android.

A conversa ocorreu em fevereiro durante a Mobile World Congress (MWC), evento em Barcelona, na Espanha. Ele é o único remanescente no Google do trio de executivos que fizeram do Android o que ele é hoje -- os outros são o brasileiro Hugo Barra e o fundador da plataforma Andy Rubin.

Lockheimer ressaltou o fato de o Android ter código aberto, o que permite a qualquer fabricante de eletrônicos usar o sistema como quiser. Para isso, nem é preciso pedir ao Google. Isso fez com que ele chegasse a câmeras, alto-falantes e até geladeiras. O executivo já perdeu a conta dos aparelhos que recorrem ao software.

Mas quando se trata de celulares, é diferente. E foi isso que ocorreu com os smartphones dobráveis. Lockheimer diz que Samsung e Huawei o procuraram, assim como fizeram outras fabricantes. Mas... quais são elas? "Minha função é trabalhar com todas as fabricantes do mundo. E elas me dizem todo tipo de segredo. E eu tenho que manter isso em sigilo", brinca.

As duas queriam se certificar que, quer o celular estivesse aberto ou dobrado, o conteúdo exibido se encaixaria em qualquer tela. Mas não só isso: elas queriam ainda levar a seus aparelhos a loja de aplicativo e outros aplicativos do Google.

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Hiroshi Lockheimer, chefão do Android, diz que mais empresas além de Samsung e Huawei procuraram o Google para discutir celulares dobráveis
Imagem: Divulgação/Google

A forma como o Google usava o Android para licenciar seus outros produtos foi encarado pela União Europeia como uma prática que impede outras empresas de competir no segmento de celulares. A condenação das práticas rendeu multa de 4,34 bilhões de euros à empresa. Lockheimer discorda da decisão, que exigiu alguns ajustes da companhia, como a cobrança de taxas de licenciamento do Gmail e outros serviços de fabricantes que queiram instalá-los em seus celulares. O valor pago? "Isso é confidencial", mas "o Android continua gratuito".

Que mudanças vocês tiveram que fazer para que o Android rodasse em celulares dobráveis?

Nós trabalhamos muito próximos de Samsung e Huawei para garantir que a experiência de usuários e desenvolvedores fosse boa. Antes dos dobráveis, os celulares eram basicamente uma grande tela que podia estar ligada ou desligada. Com os dobráveis, há múltiplas telas e o tamanho delas muda. Se o display de fora é menor, quando você abre [o aparelho], surge um display muito maior. As aplicações têm que saber como lidar com isso. E o sistema operacional pode ajudar desenvolvedores a fazer isso funcionar.

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Como um celular desses nasce? Quem procurou quem?

Geralmente depende. Mas, no caso dos dobráveis, por ter tanta inovação de hardware envolvida e muito disso vir dos fabricantes, Samsung e Huawei, eles tiveram que descobrir como iriam construir o aparelho. E isso não é fácil. Exige especialistas em hardware e, claro, buscaram a nossa ajuda com o software. Isso varia de caso para caso, mas, nessa situação, [o interesse] foi originado pelos fabricantes.

E qual delas procurou o Google primeiro? Samsung ou Huawei?

Eu não lembro.

Ah, fala sério. Só há duas delas.

(risos) São duas agora.

Além de Samsung e Huawei, já ouvimos que o Google planeja um celular dobrável. O Pixel costuma ser equipado com uma versão premium do Android. Como isso vai ser?

Minha função é trabalhar com todas as fabricantes do mundo. E elas me dizem todo tipo de segredo. E eu tenho que manter isso em sigilo, então, eu vou manter isso em segredo.

Incluindo os do próprio Google?

De todo mundo.

Além do celular dobrável, estamos vendo diversos celulares bem estranhos, como um que é um bracelete.

Eu ouvi falar desse. Você viu?

Sim.

Com base no seu rosto, você parece não ter gostado.

Eu não usaria, não combinaria com meu estilo. O que mais você está vendo surgir em termos de produtos de consumo que usam o Android?

Um dos poderes do Android é que, por ser de código aberto, dá a possibilidade para desenvolvedores inovarem. As pessoas gostam de algumas delas, não gostam de outras, mas tá tudo bem. Há muitas pessoas no mundo com opiniões, gostos e ideias diferentes. E o Android possibilita todos eles.

Muitas dessas coisas acontecem por trás das cenas e você, como consumidor, nem sabe que está rodando Android. O meu exemplo favorito são as telas de entretenimento dos aviões, que rodam Android. Eu sei porque eu trabalho na indústria, mas muitas pessoas nem sequer percebem. Gostamos disso, achamos legal.

Até pouco tempo atrás, não era uma grande preocupação o mal que os celulares podiam causar às pessoas. Agora, isso atrai muita atenção. Vocês calculam como algum novo recurso desenvolvido para o Android pode impactar a vida das pessoas de forma negativa?

Há várias questões aí. Quando criamos o Android há dez anos, tivemos o benefício de desenhá-lo com segurança e privacidade em mente. Vimos o que ocorreu na indústria do computador no fim dos anos 1990 e começo dos 2000. Você comprava um PC e vinha com proteção antivírus, e todas essas coisas surgiam na tela perguntando se você queria proteção ou pedindo para você pagar dinheiro. Quando desenhamos o Android, fizemos com que segurança fosse um ponto central do sistema operacional e também garantimos que a Play Store tivesse a tecnologia e políticas para garantir que isso fosse parte importante disso.

Claro que, como você pontuou, as coisas evoluem. Novas coisas chegam a você e nós sempre revisamos e melhoramos nossa tecnologia, assim como as nossas políticas, para garantir que estejamos à frente. Muitas pessoas não percebem, mas o Android e a Google Play provavelmente são os maiores sistemas de software de segurança do mundo. Há um recurso chamado Google Play Protect que está instalado em todo Android e protege usuários de malware, vírus e coisas como essas. De vezes em quando, coisas ruins acontecem e temos políticas para removermos aplicações ou desenvolvedores. É assim como lidamos com isso.

Diversos especialistas dizem que há muito mais programas maliciosos no Android por que o Google não avalia direito quais programas entram na Google Play.

Eu não concordo com isso. Não está claro para mim que isso acontece mais na Google Play do que em outros lugares. Ela é o lugar mais seguro para se baixar aplicações para o Android. Mas como o Android tem código aberto e isso faz muitos pesquisadores de segurança focarem nele. E é bom que eles foquem o Android, ao contrário de serviços proprietários, em que não se sabe o que acontece lá dentro. Eles podem rever o Android e reportar problemas, e nós ou os desenvolvedores podemos consertar as coisas. É bom ter transparência, assim podemos responder e reagir.

De que jeito a multa aplicada pela União Europeia e as mudanças que vocês foram obrigados a fazer afetaram os negócios do Google?

Ano passado, a Comissão Europeia após anos tomou uma decisão alegando que nós violamos certas leis na área comum europeia. Nós não concordamos. Achamos que Android é a plataforma bastante aberta, que já possibilitou negócios e competição. Estamos apelando e, enquanto isso, como respeitamos a lei, aplicamos alguns remédios, ou seja, mudamos nosso modelo de negócio. Começamos a liberar novos contratos, que entraram em vigor em outubro do ano passado. E é assim que o Android funciona agora na Europa. Mas vamos ver como as coisas caminham.

O Google argumentou que a decisão da União Europeia poderia acabar com gratuidade do Android. Vocês já pensaram em cobrar pelo Android, em vez de oferecê-lo de graça?

Ele é de código aberto hoje e nós gostamos que ele seja gratuito. Gostamos que existam muitos desenvolvedores por aí. Não queremos mudar isso.

Mas vocês estão cobrando uma certa taxa das fabricantes, certo?

Não pelo Android. Eu não deveria entrar muito em detalhes sobre isso, porque o assunto é algo confidencial entre a Comissão e nossos parceiros, mas o Android continua gratuito. Só que há taxas de licenciamento em torno dos produtos do Google, como Gmail e outros serviços.

E quanto elas custam?

Ah, isso é confidencial (risos).

*o jornalista viajou a convite da Huawei