Mães guerrilheiras das Farc esperam a paz para reencontrar seus filhos

Valle de Magdalena Medio, Colombia, 26 Fev 2016 (AFP) - Anos de combates nas montanhas da Colômbia desaparecem quando Rosmira e outras rebeldes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) falam dos filhos que tiveram durante o conflito e que deixaram aos cuidados de familiares ou estranhos por uma implacável norma de guerra.

Na antessala do acordo para por um fim a um dos conflitos internos mais antigos do mundo, que deixa um lastro de órfãos e mães inconsoláveis, estas mulheres querem reencontrar seus filhos.

Ao contrário do que se poderia pensar, não são poucas as combatentes das Farc - guerrilha com 7.000 integrantes que está por pactuar a paz após meio século de luta contra o Estado - que decidiram ser mães sem abrir mão do fuzil.

Sentadas em semicírculo, um grupo delas fala com mais resignação que orgulho sobre sua decisão de parir em meio à guerra para depois deixar seus bebês sob a proteção de pessoas próximas ou camponeses em remotas regiões da Colômbia.

A AFP chegou a um acampamento rebelde, encravado em uma montanha do noroeste da Colômbia, onde estas mulheres dividem com os homens a faina da guera. Quase sempre nem maquiadas, misturam seus relatos de riscos e morte com episódios maternais de sacrifício.

"Pensei muito antes de tê-lo porque sempre pensava em que tinha que largá-lo pela condição em que estávamos", diz Rosmira, uma guerrilheira de 29 anos. "Largar" um filho na gíria do conflito pode significar abortar ou abandonar.

Mas, finalmente, continua Rosmira, ela decidiu ter o bebê, fruto de um relacionamento com um companheiro de armas com quem rompeu recentemente. "Pedimos permissão e o secretariado (chefia máxima das Farc) aceitou e tive a menina" há três anos, lembra.

Desde que as Farc estão em trégua unilateral há sete meses, Rosmira e seus "camaradas" têm mais tempo para pensar em suas vidas, enquanto se mobilizam à noite entre rios e florestas da região conhecida como Magdalena Medio, uma das mais conflituosas do país.

Quando a paz for assinada, possivelmente em março, depois de mais de três anos de negociações em Cuba, as mães que lutam nas Farc querem se reencontrar com os filhos sem o medo de morrer ou ser capturadas.

Neste tempo de trégua, algumas conseguiram vê-los de passagem por alguma casa ou também há outras mães, como Lidia Rosa Rojo, de 55 anos, que se aproximou do acampamento para abraçar o filho guerrilheiro.

"O único que espero com os acordos de paz é que algum dia meu filho seja livre, que eu o veja" com frequência, afirma esta mulher, que perdeu três filhos na guerrilha.

Quando as guerrilheiras não abortamCom lábios grossos e bem desenhados, Rosmira representa o outro lado da história de abortos forçados e violência sexual que as autoridades colombianas atribuem às Farc, com base em testemunhos chocantes de desertoras.

Quando consultadas, estas mulheres negam que tenham sido recrutadas à força e afirmam que estão lá por adesão à luta armada, que começou com um levante camponês nos anos 1970.

A guerrilha comunista admite que não aceita que as combatentes criem seus filhos em meio à guerra, e que lhes permite abortar como um direito de "último recurso", embora a prática seja crime na Colômbia na maioria dos casos.

Mas Rosmira e várias de suas companheiras optaram por ter seus filhos, fruto, segundo elas, de relações consentidas, e se ajustar à dura lei da selva: deixá-los a cargo de parentes ou estranhos, sem por em risco a organização.

Em seus relatos, sobressai a ternura, mesmo quando não deixam de professar o duro credo contra o inimigo.

Sem revelar seu nome, Rosmira conta ter criado a filha nos dois primeiros meses em uma casa de camponeses e que, depois disso, voltou a lutar. Sua menina, a quem vê esporadicamente, ficou aos cuidados da família do pai, também guerrilheiro.

"Eu senti que tinham levado metade de mim ao entregar a minha filha", admite esta guerrilheira, que entrou nas Farc aos 11 anos. As autoridades colombianas também acusam os rebeldes de recrutar menores à força.

Um drama difícil de quantificarEntre 40% e 50% dos guerrilheiros são mulheres e este número varia, dependendo da frente de guerra, segundo investigações independentes.

No entanto, na extensa bibliografia e estatística do conflito colombiano, as mães nas fileiras das Farc são um capítulo pouco explorado.

O conflito interno deixa não menos de 260.000 mortos e mais de seis milhões de deslocados.

A Agência Colombiana para a Reintegração - encarregada dos desmobilizados - estima que 49% dos rebeldes que se entregam têm filhos, inclusive os das Farc e demais grupos armados clandestinos.

Manuela, de 25 anos, já tinha sua filha, Nicole, quando entrou para a guerrilha. A menina, hoje com oito anos, passou até um ano sem ver a mãe e reclama pelas longas ausências.

"A gente quer que seus filhos não o vejam com medo, com receio, pelo fato de ser guerrilheiro", diz esta mulher. Quando a paz se concretizar, Manuela quer ser dentista e ter a filha por perto.

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