Topo

Perto dos 100, avó da Praça de Maio ainda luta para punir militares da ditadura argentina

A vice-presidente das Avós da Praça de Maio, Rosa de Roisinblit, com seu neto Guillermo - Natacha Pisarenko/AP
A vice-presidente das Avós da Praça de Maio, Rosa de Roisinblit, com seu neto Guillermo Imagem: Natacha Pisarenko/AP

De Buenos Aires

26/07/2016 15h24

Com quase 97 anos, Rosa Tarlovsky de Roisinblit ainda acredita em ver condenados os acusados pelo desaparecimento de sua filha e seu genro durante a ditadura na Argentina, cujo bebê roubado é um dos 120 recuperados pelas Avós da Praça de Maio.

Roisinblit, vice-presidente dessa emblemática organização, se orgulha por ter conseguido fazer sentar no banco dos réus o general-de-brigada aposentado Omar Graffigna, de 90 anos, um dos ex-comandantes da Força Aérea durante a ditadura (1976-1983), junto com os que sequestraram seu neto.

"Estou muito emocionada porque finalmente o caso está se resolvendo. Olhem quantos anos se passaram e agora se chega à verdade", disse Roisinblit ao receber a AFP em seu modesto apartamento a 50 metros do Congresso argentino, enquanto assiste a fase final do julgamento dos carrascos de sua filha e genro.

Relembra que começou "a querela contra o Estado em 1979, e agora se somaram meus netos. Sei que vamos ganhar", confiou com voz firme de ligeiro sotaque russo.

Graffigna, que foi absolvido no histórico Julgamento das Juntas de 1985, enfrenta agora a justiça pelo desaparecimento de Patricia Roisinblit e seu marido, José Pérez Rojo, militantes da organização armada peronista Montoneros.

Ambos foram sequestrados no dia 6 de outubro de 1978 com sua filha Mariana, de 1 ano e 3 meses, que foi devolvida à família.

Mas Patricia estava grávida de 8 meses. Eles foram colocados na Regional de Inteligência de Buenos Aires (Riba) de Morón (periferia oeste), que dependia da Força Aérea.

No parto, a jovem foi transferida para o centro clandestino de detenção da Escola de Mecânica da Armada (Esma) e, dias depois de dar à luz em condições sub-humanas em um porão, teve seu bebê roubado.

Ironias da vida, Rosa foi obstetra em sua juventude.

"Vi Graffigna no julgamento. Vejo-o como um velho que vai negar tudo, mas eu sei que é verdade pelo que eu o acuso", disse Roisinblit.

Um problema nas pernas tem a impedido de ir à Casa das Avós, como tem feito diariamente durante os últimos 39 anos, e a assistir todos as audiências do julgamento, mais um nesse país que ainda não fechou a ferida de uma ditadura que deixou 30 mil desaparecidos.

Junto com Graffigna são julgados pelo caso o ex-agente civil da Aeronáutica, Francisco Gómez, já condenado como sequestrador de seu neto, e o ex-chefe do Riba, Luis Trillo.
 

Dor que não termina

"Dor sempre haverá, essa ferida não cura nunca... Mas dizer que vou parar? Não, nunca vou parar", assegura Rosa, que nasceu no dia 19 de agosto de 1919 em Moises Ville, um povoado de imigrantes judeus no campo de Santa Fe (centro-oeste) onde seu pai chegou criança "fugindo da perseguição czarista", disse.

O neto de Rosa que "viveu 21 anos sem saber que era filho de desaparecidos", repete Rosa, hoje recuperou sua identidade e leva o sobrenome de seus dois pais, ainda que tenha escolhido mantido Guillermo, como foi chamado sempre.

A vida de Guillermo deu uma reviravolta no dia 27 de abril de 2000 quando uma jovem se apresentou em seu trabalho e lhe disse: "Olá, sou Mariana, filha de desaparecidos, e procuro meu irmão que pode ser você".

Ele se aproximou das Avós e o teste de DNA foi definitivo: Mariana era sua irmã e hoje este homem corpulento de 37 anos é Guillermo Rodolfo Pérez Roisinblit. Ambos foram testemunhas no julgamento.

"Contra a verdade não há nada o que fazer. Não se pode lutar contra ela", afirma sua avó ao admitir que a relação nem sempre foi fácil.

"No início, o reencontro foi poético", relembra Rosa, mas depois Guillermo ficou com raiva quando seus sequestradores foram julgados e condenados.

Para Rosa, não havia outra opção além da justiça: o sequestraram, registraram como próprio, fraudaram uma certidão de nascimento e mentiram.

Só o tempo permitiu a reconciliação. "Agora me chama de 'baba' (avó). É um bom menino", diz de Guillermo, pai de três filhos.

"Como pode ser uma pessoa tão boa se foi criada por um repressor?", pergunta-se Rosa e logo responde: "É que tem os genes".

"Nós lutamos, mas os heróis são nossos filhos que se levantaram contra uma ditadura feroz e deram a vida por um país melhor", sustenta.