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Médico descobre aos 40 anos ter sido bebê roubado pela ditadura argentina

Em Buenos Aires

19/10/2016 18h04

Maximiliano Ruiz sente-se agradecido e feliz por ter descoberto, há alguns meses, sua verdadeira origem e conhecido a família que o procurava desde 1976, quando desapareceram seus pais, militantes de esquerda na Argentina.

No último 3 de outubro, este homem de 40 anos, que nem mesmo sabia que era adotado, recebeu um telefonema das Avós da Praça de Maio para anunciar que é filho de Ana María Lanzillotto e Domingo Menna, comandante do Exército Revolucionário do Povo (ERP, guerrilha marxista).

Ele foi identificado apenas como o Neto 121 recuperado. Quinhentos bebês foram roubados ao nascer com suas mães em cativeiro, durante a ditadura (1976-83).

"Estou vivendo isto com felicidade", disse à AFP, refletindo imediatamente sobre o que chama de "resignificados": estudou medicina, assim como seu pai biológico (embora ele não tenha terminado a carreira) e descobriu poemas da mãe que ele poderia ter escrito.

Conta que teve o apoio total de Maria, sua esposa advogada, e que precisou contar sua história real para os filhos, Mauricio, de 6 anos, e Carmela, de 4.

"Disse-lhes que tinha uma notícia muito feliz para dar, que eu não saí da barriga da avô Monica, como pensava", contou, lembrando ter dito que sua mãe verdadeira morreu e que ninguém nunca lhe contou para que não ficasse triste. Mas adiantou que talvez precisem mudar de sobrenome.

Rastreamento de DNA

Sua vida mudou completamente em maio, quando foi contatado pela Comissão Nacional pelo Direito à Identidade (CONADI). Em uma investigação de uma parteira condenada por entregar certidões de nascimento falsas em uma clínica do sul de Buenos Aires, encontraram e dele com elementos suspeitos.

"Fiquei surpreso com a ligação, mas estava certo de que não era eu", contou.

Comentou com aquela a quem sempre considerou sua mãe e ela assegurou que não podia ser verdade.

"A vi tão segura, tão tranquila, que me pareceu ter me preocupado em vão", relatou. Acabou aceitando fazer o exame genético pela admiração que sente pelo trabalho das Avós da Praça de Maio.

Meses depois, quando "o tinha bastante descartado", recebeu uma ligação na qual pediram que se apresentasse com urgência à CONADI.

"Aí intuí tudo", lembrou.

Até aquele mês, tinha sido filho de um casal separado a quem ama muito. Era o irmão mais velho de Marina e comemorava seu aniversário todo 24 de agosto.

"Fiquei cerca de meia hora dentro do carro sem poder acelerar, com uma revolução interna", acrescentou.

"Minha família aumentou"

Agora "de repente tenho um irmão dois anos mais velho", disse Maximiliano sobre Ramiro Menna, com quem tem uma semelhança extraordinária.

Ramiro, professor em La Rioja (noroeste da Argentina), militante de esquerda e ex-missionário salesiano na Etiópia, nunca parou de procurar o bebê que sua mãe levava no ventre quando foi sequestrada.

"Quando me encontrei com Ramiro, foi uma corrente de afeto imediata e era como se nos conhecêssemos por toda a vida", contou Maximiliano, seguidor da Logosofia, uma doutrina ético-filosófica que investiga o destino do homem.

A mesma conexão sentiu com o clã Menna-Lanzillotto. "Uma alegria, um amor impressionante."

Maximiliano se surpreende ao saber que seu pai biológico estudava medicina quando começou na militância política.

"Em casa não havia médicos, eu me interessei desde o segundo grau, mas também tive minha curiosidade com a política e as Humanas. Na universidade, participei de uma cátedra sobre o Che Guevara", comentou. Define-se como uma pessoa de centro.

Além de médico da família, tem um consultório de homeopatia e é professor universitário.

Cresceu em um lar com liberdade de pensamento, apoia a defesa dos direitos humanos e considera a ditadura o pior. Mas também põe em dúvida a liberdade da luta armada da guerrilha. "Tenho muito o que ler agora", diz, referindo-se aos arquivos dos pais.

Sem críticas

O sentimento que predomina é de "gratidão". "Por ter a família que me criou e depois por conhecer esta família que esteve me procurando", afirmou.

"Não é que substitua uma família por outra, mas sinto que a família aumentou", acrescentou.

"Contaram que minha mãe (de criação) procurou ter filhos por muitos anos, não engravidou e passaram-lhe o dado desta clínica. Em 24 de agosto 1976, ligam para ela e dizem que tem um bebê que uma jovem de 15 anos abandonou", revelou.

"Ainda tinha o cordão umbilical", contou.

Mas Maximiliano compreende o que eles podem ter vivido e os temores que podem ter sentido.

Após saber de sua história, Maximiliano imediatamente se preocupou com os pais adotivos.

"O que ia acontecer com eles do ponto de vista legal e como eles iam sentir tudo isto", explicou.

"Eu os amo muito, tenho uma boa relação com eles", prosseguiu.