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Prêmio Sakharov 2016 a duas yazidis resgatadas das mãos dos extremistas do EI

27/10/2016 12h49

Estrasburgo, França, 27 Out 2016 (AFP) - As yazidis Nadia Murad e Lamiya Ali Bashar, que viveram como escravas sexuais nas mãos dos extremistas do grupo Estado Islâmico (EI), receberam nesta quinta-feira o Prêmio Sakharov 2016, com o qual o Parlamento Europeu reconhece a defesa dos direitos humanos.

"Sua história é dolorosa, trágica", mas elas "tinham o sentimento de precisar sobreviver para testemunhar", ressaltou o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, diante dos eurodeputados reunidos em Estrasburgo, nordeste da França.

Schulz elogiou a "coragem" e a dignidade" destas duas mulheres, cujo "combate não foi em vão", ao mesmo tempo em que convocou os europeus a "lutar contra a estratégia genocida do EI". As duas vivem agora na Alemanha.

"É importante que o mundo não esqueça as mulheres e as crianças detidas pelo EI e que estes crimes já não sejam cometidos por ninguém", afirmou Lamiya Aji Bashar, de 18 anos, em uma mensagem à ONG Luftbrücke Irak após a divulgação do prêmio.

Nadia Murad, por sua vez, considerou que este prêmio constitui uma "potente mensagem" contra a "desumanidade" do EI.

Com este prêmio, "o mundo livre condena a desumanidade criminosa do grupo EI e honra suas vítimas", disse esta jovem mulher em um comunicado divulgado em Washington.

"Esta recompensa é uma potente mensagem (...) ao nosso povo e às mais de 6.700 mulheres, meninas e meninos convertidos em vítimas da escravidão e do tráfico de seres humanos do EI, e afirma que o genocídio não se repetirá", acrescentou.

Os grupos parlamentares socialista e liberal propuseram estas duas mulheres, que se converteram em símbolos da comunidade yazidi. E seu prêmio deve servir para sensibilizar "sobre a situação das minorias religiosas na região", disse o chefe dos nacionalistas, Giani Pittella.

Outras duas personalidades também estavam na disputa por este prêmio: o jornalista opositor turco Can Dündar e o líder histórico dos tártaros da Crimeia Mustafa Dzhemilev, exilado em Kiev desde que a Rússia anexou em 2014 esta península do Mar Negro, controlada até então pela Ucrânia.

Os eurodeputados reconhecem desde 1988 o compromisso na defesa dos direitos humanos com o prêmio, que tem o nome do cientista soviético dissidente Andrei Sakharov. A cerimônia oficial está marcada para 14 de dezembro em Estrasburgo, nordeste da França.

O blogueiro saudita Raef Badaoui, preso em seu país por "insultos", recebeu o prêmio em 2015.

Nadia Murad e Lamiya Aji Bashar viveram um calvário como escravas sexuais do Estado Islâmico antes de se converterem em ícones de sua comunidade ameaçada.

Nadia, uma iraquiana de 23 anos, foi sequestrada em agosto de 2014 em seu povoado natal de Kocho, perto de Sinjar, no norte do Iraque, antes de ser levada à força a Mossul, reduto do EI, atualmente alvo da coalizão internacional.

Foi o início de um calvário de vários meses: torturada, disse ter sido vítima de múltiplos estupros coletivos antes de ser vendida várias vezes como escrava sexual.

Além disso, precisou renunciar a sua fé yazidi, uma religião ancestral desprezada pelo EI, praticada por meio milhão de pessoas no Curdistão iraquiano.

"A primeira coisa que fizeram foi nos forçar a nos convertermos ao Islã. Depois fizeram o que quiseram", relatou Nadia há alguns meses à AFP.

Em um discurso ante o Conselho de Segurança da ONU, explicou em dezembro passado seu "casamento" com um de seus sequestradores: ele a espancou, a obrigou a se maquiar e a usar roupas justas.

"Incapaz de suportar tantos estupros" decidiu escapar. Graças à ajuda de uma família muçulmana de Mossul, Nadia obteve documentos de identidade que lhe permitiram chegar ao Curdistão iraquiano, e posteriormente à Alemanha.

O calvário de Lamiya Aji Bashar, também procedente de Kocho e sequestrada quando tinha 16 anos, se assemelha tragicamente ao de Nadia.

Durante 20 meses de cativeiro tentou fugir várias vezes. Quando realmente conseguiu, a jovem caiu nas mãos de um diretor de hospital iraquiano que também abusou dela.

O rosto de Lamiya, que tem a pele queimada, carrega as marcas de uma explosão, que lhe custou o olho direito.

Pouco depois de chegar à Alemanha, Nadia decidiu militar a favor de sua comunidade: segundo especialistas da ONU, cerca de 3.200 yazidis estão atualmente nas mãos do EI, a maioria na Síria.

Menos visível, Lamiya vive com sua irmã no sul da Alemanha, onde busca reconstruir sua vida após as atrocidades que viveu com o EI.

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