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O medo dos imigrantes em situação ilegal na era Trump

10/11/2016 17h40

Los Angeles, 10 Nov 2016 (AFP) - Quando os imigrantes Bernardino e Samuel souberam no México da vitória de Donald Trump, imediatamente deram meia-volta e desistiram da ideia de cruzar ilegalmente os Estados Unidos.

O discurso que levou o bilionário populista ao poder esteve carregado de promessas de deportar os 11 milhões de imigrantes que vivem em situação ilegal no país, assim como de construir um "gigantesco, bonito e poderoso" muro divisor com o México.

Depois do resultado nas urnas, o temor e a incerteza crescem entre os imigrantes. Haverá batidas? Expulsões em massa? Mais e novos obstáculos para trâmites migratórios? O que vai acontecer? Ninguém sabe.

A mexicana Samantha Yánez não pregou o olho a noite inteira. Ela chegou aos Estados Unidos com seis anos e, aos 21, não conhece outra realidade. Mas permanece em uma situação indefinida, tendo apenas uma permissão temporária concedida pelo presidente Barack Obama por ter entrado ainda criança no país. Autorização esta já criticada por Trump, que pode eliminá-la.

"É como se não tivesse terra. Sou estrangeira no único país que conheço", desabafou Samantha, com a voz embargada.

"Estou insegura, sinto raiva, tristeza. Eu me sinto traída pelo sonho americano", completou.

Bernardino, um hondurenho de 34 anos que não quis dar seu sobrenome, buscava um "coiote" para tentar entrar nos Estados Unidos pela fronteira em Tijuana, quando desistiu. O mesmo com Samuel, de 18, de El Salvador.

Ambos não querem prejudicar seus familiares que já estão ao norte da fronteira.

"Imaginem se me prendem. No minuto seguinte, minha família que vive lá tem problemas. A verdade é que nunca imaginei que esse loiro fosse ganhar", disse Samuel, no Desayunador del Padre Chava, um lugar no centro de Tijuana, onde dão comida e roupa a mais de 1.000 migrantes todos os dias.

'Tragédia Trump'Cerca de 65% dos eleitores que se declaram hispânicos apoiaram Hillary, mas isso não foi suficiente para conter o candidato republicano. O que se vê agora são rostos fechados, chorosos e preocupados entre muitos hispânicos, a primeira minoria do país, com 55 milhões de pessoas.

"Estamos vivendo na incerteza, muito preocupados, porque não sabemos o que vai acontecer", disse Libertad Sánchez, uma cabeleireira equatoriana de 50 anos que vive em Nova York. Ela chegou aos Estados Unidos há 17, mas ainda não regularizou sua situação.

José Alejo diz, por sua vez, não estar preocupado. Esse mexicano vive há 22 anos nos Estados Unidos, na clandestinidade, e nunca teve problemas. Já superou o gosto amargo da derrota - "esperava ter uma presidente" - e agora continuará trabalhando.

Todos os dias, com o nascer do sol, chega ao centro comunitário em Pasadena (a 25 km de Los Angeles) onde são distribuídos trabalhos de pintura, construção, mudança, jardinagem e limpeza, com os quais "dá para sobreviver".

Na quarta, uma conversa sobre a "tragédia Trump" aconteceu no centro, mas José está entre os que acreditam em que muitas das ameaças aos imigrantes foram munições da feroz campanha eleitoral e que, no final, "será como com todos os outros presidentes: muitas promessas, pouca ação".

"Porque... Quem são os que fazem a colheita no campo, lavam os pratos nos restaurantes? Você já viu algum americano, algum 'güero' [loiro] fazendo isso? O que seria desse lugar sem nós?", lançou este corpulento homem de 47 anos e de fala pausada.

"E Trump tem um compromisso de melhorar a economia. Precisa de nós para isso", ressaltou.

Obama, 'o deportador-em-chefe'Especialistas concordam que as classes populares brancas que levaram Trump à Casa Branca vão exigir que ele cumpra as promessas de conter os imigrantes, de proibir a entrada de muçulmanos nos Estados Unidos e de fazer um "escrutínio extremo" de quem for originário de países afetados pelo terrorismo.

Hillary Clinton prometeu uma reforma migratória integral em sua campanha, mas Obama já havia feito isso em 2012, e não conseguiu aprová-la por conta da oposição do Congresso.

Muitos hispânicos condenam Obama por ter deportado cerca de 2,5 milhões de pessoas entre 2009 e 2015, mais do que qualquer presidente dos Estados Unidos. Ele chegou a ser apelidado de "deportador-em-chefe" pelas organizações não governamentais.

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