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Cem anos depois da Revolução, alguns russos sonham com um retorno à monarquia

Mikhail Ustinov, autoproclamado porta-voz dos círculos monarquistas de Moscou - Naira Davlashyan/AFP
Mikhail Ustinov, autoproclamado porta-voz dos círculos monarquistas de Moscou Imagem: Naira Davlashyan/AFP

29/10/2017 10h19

Moscou, 29 Out 2017 (AFP) - Os ancestrais de Mikhail Ustinov foram fuzilados em 1917 por apoiarem o czar. Cem anos depois, em um apartamento na periferia de Moscou, seu descendente sonha com um retorno à monarquia.

"Os russos são monarquistas na alma, mesmo que os soviéticos tenham tentado induzi-los", afirma Mikhail, autoproclamado porta-voz dos círculos monarquistas de Moscou.

Desde a queda da URSS em 1991, "para honrar o czar", esse homem de 68 anos se veste todos os dias com um uniforme que lembra os do Exército branco que combateu entre 1917 e 1922 os bolcheviques por lealdade a Nicolau II.

Assassinado pelos bolcheviques em 1918, o último czar foi reabilitado após o colapso da União Soviética. Seus restos foram enterrados em São Petersburgo, a antiga capital imperial, com vários membros de sua família em 1998 durante uma cerimônia na presença do presidente Boris Yeltsin.

Ele foi canonizado em 2000 pela Igreja Ortodoxa russa que o considera mártir, não pelo seu papel como último czar, mas por "se resignar à morte" nas semanas anteriores à sua execução.

"Eu quero morrer no meu uniforme, proclamando meu amor pelo czar, como meu avô, meu bisavô e toda a minha família fizeram", diz Ustinov, que perdeu cerca de 20 membros de sua família durante a Revolução de 1917, um "golpe de Estado" segundo ele.

Cerca de 28% russos são "a favor" ou "não contra" um retorno à monarquia em seu país, de acordo com uma pesquisa do instituto VTsIOM que data de março. Uma minoria, certamente, mas que tem aumentado: eles eram apenas 22% em 2006.

Esta proporção é mais pronunciada entre os jovens: 33% entre aqueles com 18-24 e 35% entre os com 25-34 anos de idade.

"Vemos claramente que as gerações 'soviéticas' resistem a essa ideia muito mais do que os jovens, para quem a monarquia é um sistema de governo possível", observa o sociólogo Stepan Lvov, que liderou a pesquisa. "É como se a vacina soviética não funcionasse mais".

Na mente dos jovens russos, a monarquia já não é mais associada à ausência de liberdade e democracia, "é mesmo atraente por sua racionalidade e eficácia".

Putin 'czar'

Nascido durante a queda da URSS, Pavel Markov é um dos jovens russos que veem a monarquia como "um sistema mais adequado e equilibrado", em suas palavras, do que a democracia.

"A democracia não é adequada para os russos, nossa mentalidade requer um poder autoritário e centralizado", diz este jovem professor de história de Nizhny Novgorod, 400 km a leste de Moscou.

"Uma monarquia constitucional consolidaria nossos valores tradicionais, a fim de dar força e vigor para as pessoas", afirma, acrescentando que ser monarquista é "indissociável" da fé ortodoxa, que é dominante na Rússia.

Para Elena Melnikova, uma estudante de 22 anos, não há hesitação: "Vladimir Putin já é um czar, ele age como um czar", diz ela, vendo em um possível retorno da monarquia um retorno "aos verdadeiros valores russos".

'Ordem e previsibilidade'

O título de czar "não me convém", disse Vladimir Putin em 2015.

Ao se aproximar da Igreja Ortodoxa que canonizou Nicolau II, o Kremlin adotou o caminho de continuidade do monarca. E em nome da unidade e do orgulho nacionais, reivindica hoje a herança czarista tanto quanto aquela soviética.

A personalidade de Nicholau II e um possível retorno à monarquia não são questões que fascinam os círculos políticos na Rússia, com a notável exceção da deputada pró-Kremlin e ex-procuradora da Crimeia Natalia Poklonskaya, que exibe sua paixão pelo último czar.

Para Stepan Lvov, a atração da monarquia deve-se principalmente ao fato de que "as pessoas preferem a ordem e a previsibilidade" e nutrem uma certa visão "romântica" do czarismo.

"Mas um retorno da monarquia continua impopular e improvável", reconhece.

A figura de Nicolau II continua a ser uma fonte de debate e polêmica na Rússia. O filme "Matilda", que narra seu romance com uma bailarina, despertou a raiva dos grupos ultra-ortodoxos apoiados por Poklonskaya.

"Este filme insultou os sentimentos dos russos para quem o czar é como um pai", declarou à AFP o chefe da associação Sorok Sorokov, que reivindica a ortodoxia, Andrei Kormukhin, vestindo uma camisa com a efígie de Nicolau II.

Em seu apartamento, Mikhail Ustinov entoa uma canção em homenagem ao último soberano russo. "Estou aguardando o retorno do czar, como alguns esperam o Messias", diz ele.