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Os comedores de ratos de Bihar: uma vida de extrema pobreza na Índia

Crianças observam rato, que depois será assado e servido às pessoas da comunidade dos "musahars", na aldeia de Alampur Gonpura, na Índia - Sajjad Hussain/AFP
Crianças observam rato, que depois será assado e servido às pessoas da comunidade dos "musahars", na aldeia de Alampur Gonpura, na Índia Imagem: Sajjad Hussain/AFP

07/12/2017 10h25

O rato sobe pelo braço de Phekan Manjhi, que luta até conseguir matar, com um pedaço de pau, o roedor. Para os "comedores de ratos" da Índia, uma das comunidades mais pobres do país, a refeição em breve será servida.

A morte do animal provoca gritos de comemoração das pessoas reunidas diante da cabana em que o idoso mora.

Em poucos minutos, Manjhi coloca o rato para assar entre folhas secas.

"Todos aqui gostam e sabem como preparar", afirma.

Phekan Manjhi é membro da comunidade dos "musahars", de quase 2,5 milhões de pessoas, concentradas no norte da Índia, sobretudo no estado de Bihar, na fronteira com o Nepal. 

Membro da comunidade dos "musahars" assa rato na fogueira, na comunidade indiana de Alampur Gonpura - Sajjad Hussain - Sajjad Hussain
Membro da comunidade dos "musahars" assa rato na fogueira, na aldeia indiana de Alampur Gonpura
Imagem: Sajjad Hussain

É uma das comunidades mais pobres da Índia, onde o sistema de castas permanece em vigor, apesar da proibição oficial da discriminação.

"São os mais pobres entre os pobres, poucas vezes ouvem falar dos programas do governo e poucas vezes têm acesso a eles", explica a assistente social Sudha Varghese, que trabalha há três décadas com eles.

Nesta comunidade, "a próxima refeição é uma luta a cada dia e doenças como a lepra são uma realidade com a qual devem viver".

Uma vez assado, Phekan despedaça o rato com as mãos e coloca os pedaços em uma tigela, ao lado de azeite, mostarda e sal.

Em poucos segundos, vários homens e meninos, parcialmente nus, devoram a refeição. 

Indianos comem rato assado na aldeia de Alampur Gonpura, no estado de Bihar - Sajjad Hussain/AFP - Sajjad Hussain/AFP
Indianos comem rato assado na aldeia de Alampur Gonpura, no estado de Bihar
Imagem: Sajjad Hussain/AFP

'Servos'

"Os governos mudam, mas para nós não muda nada. Ainda comemos, vivemos e dormimos como nossos ancestrais", lamenta Phekan.

"Ficamos em casa o dia todo sem fazer nada. Alguns dias conseguimos trabalho no campo, em outros ficamos com fome ou caçamos ratos e comemos com os poucos grãos que temos", afirma Rakesh Manjhi, de 28 anos.

A comunidade teve um momento de orgulho quando um de seus integrantes, Jitan Ram Manjhi, se tornou em 2014 o chefe do Executivo de Bihar, um dos estados mais populosos da Índia.

Os "musahars" consideram os nove meses de mandato de Manjhi um grande sucesso da comunidade.

"Somente a educação pode mudar nossas vidas e o futuro", afirmou Jitan Ram Manjhi à AFP.

Quando era criança, ele protegia os rebanhos de um rico proprietário de terras para o qual seus pais trabalhavam, no campo. 

O "musahar" Jitan Ram Manjhi tornou-se em 2014 o chefe do Executivo de Bihar, um dos estados mais populosos da Índia - Sajjad Hussain/AFP - Sajjad Hussain/AFP
O "musahar" Jitan Ram Manjhi tornou-se em 2014 o chefe do Executivo de Bihar, um dos estados mais populosos da Índia
Imagem: Sajjad Hussain/AFP

"Eram como servos, recebiam um quilo de grão por cada dia de trabalho. Mesmo hoje, as coisas pouco mudaram".

O ministro de Assuntos Sociais de Bihar, Ramesh Rishidev, afirma que a situação dos "musahars" melhorou relativamente nas últimas décadas. Se continuam comendo ratos, diz, é mais por "hábitos alimentares" do que por necessidade.

De fato, os ratos não constituem a base de sua alimentação.

"Os mais velhos continuam comendo ratos porque para eles é como qualquer alimento. As gerações mais jovens não comem rato", explica Rishidev.

Os "musahars" estão no centro de vários programas do governo que, geralmente, não são aplicados. As iniciativas privadas continuam mais eficazes.

J.K. Sinha, um ex-policial, abriu um internato para jovens "musahars" há 10 anos. O estabelecimento tinha quatro alunos no início e agora recebe 430.

Antes de abordar o programa escolar, o instituto dedica um mês a ensinar aos novatos as normas básicas de higiene, como utilizar os banheiros ou lavar as mãos.

J.K. Sinha descobriu as condições de vida dos "musahars" em uma operação policial há 40 anos.

"Estavam em uma pequena cabana com porcos. Era chocante. Desumano. Não esquecerei nunca".