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Pacaraima para depois do fechamento da fronteira com a Venezuela

Policiais federais conversam com agentes da Guarda Nacional Bolivariana no lado venezuelano da fronteira com o Brasil, em Pacaraima (RR) - Edmar Barros/Estadão Conteúdo
Policiais federais conversam com agentes da Guarda Nacional Bolivariana no lado venezuelano da fronteira com o Brasil, em Pacaraima (RR) Imagem: Edmar Barros/Estadão Conteúdo

25/02/2019 22h10

O fechamento da fronteira por ordem do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, está deixando Pacaraima, pequena cidade limítrofe em Roraima, sem atividade comercial e com escassez de gasolina.

A medida foi adotada na noite de quinta-feira para impedir a entrada à Venezuela da ajuda humanitária, denunciada por Maduro como uma tentativa de derrubar seu governo impulsionada por Juan Guaidó, reconhecido por meia centena de países como presidente encarregado do país. Desde então, a agitação habitual na rua Suapi em Pacaraima foi perdendo fôlego.

"Aqui vivemos da Venezuela. Se a fronteira está fechada, não vendemos nada. Estes dias estou vendendo 10% do que o costume. Se isto continuar assim, terei que fechar", diz à AFP Antonio Magdalena Castro, dono de uma padaria, enquanto aponta para a rua, vazia e sem vida.

"É uma tragédia. Não poderemos aguentar mais de duas semanas. Se isto continuar assim, os brasileiros vão começar a pedir responsabilidades ao governo do Brasil por ter se metido nisso da ajuda humanitária", explica Salomón dos Santos Paes, dono de uma loja de pneus.

Esta cidade de 13 mil moradores, ao norte da Amazônia, foi assolada nos últimos anos pela chegada maciça dos venezuelanos, muitos deles a pé e em condições precárias.

Alguns foram instalados em abrigos, outros dormem ao relento esperando ser transferidos para outras cidades do Brasil.

Em agosto passado foram registrados alguns confrontos entre brasileiros e venezuelanos.

Mas o declive do país vizinho, sufocado por hiperinflação, escassez e violência, fortaleceu a já estreita dependência econômica com a Venezuela.

Os venezuelanos vinham se abastecer de tudo o que careciam, de itens básicos como arroz ou farinha até peças de carros. Agora, com o fechamento, as coisas ficaram mais difíceis.

O único caminho são trilhas, as rotas usadas de forma irregular para levar produtos até Santa Elena de Uairén, a primeira cidade da Venezuela, a 20 km.

Sob sol intenso, Edile, uma senhora de 60 anos, decidiu fazer o caminho de volta acompanhada por um "carreteiro", jovens que transportam malas e outros volumes com uma carreta precária pelos campos da até território venezuelano.

"Temos um familiar, que está doente e precisa de uma intervenção cirúrgica e há medicamentos aqui para ajudá-lo para que possa ser operado", explicou.

A travessia não está livre de riscos.

Algumas testemunhas reportam interceptações por parte de membros da Guarda Nacional Bolivariana. Ou de pedidos de propina.

Dupla dependência energética

Pacaraima tem dupla dependência energética da Venezuela.

Os preços baixos da gasolina na Venezuela levaram as autoridades desse país a instalar um posto de gasolina internacional na fronteira com o Brasil, onde o combustível é vendido a um terço do valor no Brasil.

Mas com o fechamento da fronteira, este posto ficou fora de alcance. E Pacaraima, justamente porque os preços brasileiros não são competitivos, não tem posto. A mais próxima fica em Boa Vista, capital de Roraima, a 220 km.

Na segunda-feira, na rua Suapi e em outras vizinhas podia-se ver muitos carros estacionados e cobertos de pó por inatividade, à espera de que as autoridades encontrassem alguma alternativa para garantir o abastecimento.

Roraima é o único dos 27 estados brasileiros que não está ligado ao sistema elétrico nacional.

Dois terços de sua demanda energética são atendidos pela hidrelétrica de Guri, na vizinha Venezuela, através de uma linha de transmissão inaugurada em 2001 pelos então presidentes Hugo Chávez e Fernando Henrique Cardoso.

Com a crise na Venezuela, que afeta de forma severa os serviços públicos, Roraima começou a sofrer cortes repetidos de energia, intensificados nos últimos meses.

Nestes dias, em plena escalada diplomática pela operação da ajuda alimentar, que acabou fracassando, os temores de um corte por parte do governo venezuelano aumentavam.

Em Pacaraima, cada vez que se faltava luz, alguns gritavam: "Maduro já cortou".

Mas o governo brasileiro garante ter um plano para pôr em andamento usinas termelétricas para evitar que o estado fique às escuras. Só que para que estas funcionem, será preciso levar combustível até a remota Roraima.