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Destituição de juízes em El Salvador acende alarme sobre autoritarismo do presidente

1º.nov.2019 - O presidente de El Salvador, Nayib Bukele - Jose Cabezas - 1º.nov.2019/Reuters
1º.nov.2019 - O presidente de El Salvador, Nayib Bukele Imagem: Jose Cabezas - 1º.nov.2019/Reuters

03/05/2021 06h00Atualizada em 03/05/2021 11h31

San Salvador, 3 Mai 2021 (AFP) - O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, iniciou neste fim de semana o que chamou de uma "limpeza da casa", destituindo, com o apoio do Congresso, um grupo de juízes da Suprema Corte e o procurador-geral, acendendo o alarme sobre tentativas de concentração de poder.

"Condenamos categoricamente este golpe de Estado, avalizado pelo presidente Bukele e executado por deputados dos partidos Novas Ideias, Gana, PCN e PDC", todos aliados do governante, disseram em um comunicado 25 organizações da sociedade civil salvadorenha, entre elas sindicatos patronais.

"Mediante a cooptação da justiça, pretendem consumar um já questionável projeto político autoritário no qual todos os poderes respondem a uma única pessoa", acrescentaram.

A primeira medida adotada no sábado (1º) pela nova Assembleia Legislativa unicameral, onde os aliados de Bukele têm 61 de 84 assentos, foi destituir os cinco membros da Sala Constitucional da Suprema Corte, a mais importante do tribunal, e nomear seus substitutos, cujos nomes já tinha prontos.

A Sala Constitucional, cuja missão é zelar pelo cumprimento da Carta Magna, conteve várias medidas presidenciais relacionadas à gestão da pandemia, a maioria sobre regimes de exceção, porque considerou que fragilizavam direitos fundamentais da cidadania.

O presidente tem emitido duras qualificações contra eles e os acusou de não lhe permitir cuidar da vida de seus compatriotas.

"Ditador? Eu teria fuzilado todos ou algo do tipo. Salvar mil vidas em troca de cinco [magistrados], mas não sou um ditador", ironizou Bukele em agosto passado.

"Falta mudar muita coisa"

O Parlamento também depôs o procurador-geral, Raúl Melara, a quem questionou por ter filiações com o partido opositor Arena. Entrada a madrugada de domingo, elegeram seu sucessor, Rodolfo Delgado.

Tanto os novos juízes quanto o procurador foram escoltados pela polícia para assumir seus cargos imediatamente. Em seguida, o diretor da Polícia Nacional Civil (PNC), Mauricio Arriaza, entrou sob aplausos na sala da Assembleia Legislativa.

"Falta mudar muita coisa no nosso país, mas está claro que não podem fazer tudo em um dia. Sei que a maioria do povo salvadorenho espera ansioso a segunda plenária", que será realizada na segunda-feira, disse Bukele.

Preocupação dos Estados Unidos

Ontem, a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, expressou "profunda preocupação" de seu governo com a democracia de El Salvador após a destituição dos magistrados.

"Um poder judicial independente é fundamental para uma democracia saudável e para uma economia forte", escreveu Harris no Twitter.

Horas antes, o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, destacou a preocupação com a destituição do procurador-geral que "luta contra a corrupção e a impunidade e é um parceiro eficaz dos esforços para combater o crime tanto nos Estados Unidos quanto em El Salvador", nas palavras do porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price.

Blinken destacou, ainda, o compromisso dos Estados Unidos para melhorar as condições em El Salvador, inclusive "reforçando as instituições democráticas e a separação de poderes, defendendo uma imprensa livre e uma sociedade civil vibrante".

Enquanto isso, a OEA (Organização de Estados Americanos), advertiu que "quando as maiorias eliminam os sistemas de pesos e contrapesos no âmbito institucional, estão alterando a essência de funcionamento do mesmo".

Diante do ocorrido, a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) pediu a Bukele para "garantir a separação de poderes e a ordem democrática".

"O presidente Bukele e seus aliados estão usando a nova maioria na Assembleia para destituir adversários políticos. Este é um claro ataque às instituições democráticas do país e uma preocupante concentração de poder", comentou o presidente da ONG WOLA (Washington Office on Latin America), Geoff Thale.

Na noite de sábado, Bukele mostrou-se disposto a seguir trabalhando com a comunidade internacional, mas esclareceu: "estamos limpando nossa casa e isso não é de sua incumbência".

Um grupo de cidadãos protestou no domingo em uma praça de San Salvador contra as decisões do Parlamento.

Uma contenda intensa

Em 9 de fevereiro de 2020, Bukele desafiou o então Parlamento opositor quando, escoltado pelo Exército, chegou à Assembleia para pressionar pela aprovação de um crédito destinado a combater as gangues.

Bukele, de 39 anos, conseguiu capitalizar o descontentamento da população em relação aos partidos tradicionais. Ele conta com apoio popular e o respaldo das Forças Armadas.

Isso levou seus aliados a vencerem as eleições parlamentares de 28 de fevereiro, deixando de lado as tradicionais Aliança Republicana Nacionalista (Arena, direita) e a ex-guerrilha esquerdista da FMLN.

"A atuação dos deputados governistas confirma o temor de que o apoio popular expresso nas urnas fosse utilizado para concentrar o poder no Executivo", assegurou em um pronunciamento a influente Universidade Centro-americana (UCA).

Para a UCA, a destituição "mostra a veracidade dos sinais de autoritarismo no Governo do presidente Bukele".