Topo

Esse conteúdo é antigo

Arrependidos, jovens chilenos que não votaram temem eleição da extrema-direita

"A vitória de [José Antonio] Kast [foto acima] me fez sentir mal; me senti responsável", disse um eleitor à AFP - Ernesto Benavides/AFP
"A vitória de [José Antonio] Kast [foto acima] me fez sentir mal; me senti responsável", disse um eleitor à AFP Imagem: Ernesto Benavides/AFP

22/11/2021 17h21Atualizada em 22/11/2021 17h55

Jovens chilenos, protagonistas das manifestações que estouraram há dois anos reivindicando igualdade social, estão assustados com a liderança do ultradireitista José Antonio Kast no primeiro turno. Embora muitos não tenham votado, afirmam que no segundo turno vão apoiar o esquerdista Gabriel Boric.

Sebastián Miranda optou por não votar nas eleições presidenciais de domingo para ficar em Santiago, onde sua companheira votou, ao invés de viajar para a região de O'Higgins, a cerca de 90 km da capital, onde está inscrito.

"Os candidatos deixam muito a desejar, nenhum me representa", contou à AFP nesta segunda-feira (22) Miranda, de 32 anos, administrador de uma empresa privada.

Após tomar conhecimento dos resultados da eleição, na qual Kast (27,91%) se posicionou na dianteira para disputar, em 19 de dezembro, o segundo turno com Boric (25,83%), Sebastián sentiu que tinha cometido um erro.

"A vitória de Kast (no primeiro turno) me fez sentir mal; me senti super responsável por não ter ido votar. Disse a Nico (sua companheira), 'O que eu fiz, Nico, o que eu fiz?'", contou.

"Temos medo de que o (candidato do partido) Republicano vença", admitiu Natalia, dentista de 30 anos, que se diz decepcionada de que tanta gente tenha votado no ultradireitista.

As eleições de domingo contaram com a participação de 47% do colégio eleitoral, de cerca de 15 milhões de pessoas. Para os analistas, este percentual segue o histórico de abstenção que o Chile registra pelo menos desde 2012, quando começou a vigorar o voto facultativo.

Desde aquele ano, o maior percentual de votação foi de 49,2% no plebiscito que aprovou por 78% dos votos a opção de redigir uma nova Constituição em substituição à herdada pela ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e que ainda vigora no país.

Miragem

As longas filas vistas nos locais de votação durante todo o dia deram a impressão de uma participação maciça, com grande presença dos jovens.

"Apesar de que na votação tenham sido vistas longas filas, isso foi uma miragem. O voto jovem não se comportou de forma homogênea nesta eleição", disse Vicente Inostroza, de 27 anos, analista político da Universidade Diego Portales, em declarações à AFP.

"Chama a atenção a baixa participação rural e que quanto maior o nível socioeconômico, maior a participação eleitoral", acrescentou.

A ausência dos jovens contrastou com o compromisso que demonstraram nas ruas durante os protestos que eclodiram em outubro de 2019, iniciados com calotes maciços no metrô por estudantes do ensino médio, que puseram em xeque o governo do presidente conservador Sebastián Piñera.

"Há um percentual de jovens que não se sentem identificados com nenhum dos dois lados, nem a direita, nem a esquerda, e nenhum dos candidatos soube aproveitar o voto dos jovens", afirmou, por sua vez, Pablo González, professor universitário de 28 anos.

"Que Kast tenha vencido me faz sentir que vivo em uma bolha. Com base nas minhas redes sociais, o resultado devia ter sido outro, mas quando enfrentei a realidade, me dei conta de que o que ocorre nas minhas redes sociais não está acontecendo no resto do país", acrescentou em declarações à AFP.

"Sinto muito medo"

Kast, um advogado de 55 anos, contrário ao aborto e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, é antítese de Boric, um deputado de 35 anos, idade mínima para disputar a Presidência no Chile, que propõe substituir o modelo neoliberal do Chile por um Estado de bem-estar.

Segundo Inostroza, "agora têm a missão de convocar a população que não foi votar e que optou por outros candidatos, especialmente Franco Parisi", um economista populista que conquistou um surpreendente terceiro lugar, apesar de fazer toda a campanha dos Estados Unidos através das redes sociais.

Diferentemente do primeiro turno, os jovens afirmam que vão votar no segundo turno, majoritariamente em Boric.

"Eu não gosto de nenhum dos dois candidatos, mas tenho uma diferença de valores com Kast, sinto muito medo que se eleja, coisas terríveis podem acontecer", disse González.

"Kast representa um mundo conservador, antigo, muito preso aos ideais religiosos e a suas políticas contra as minorias", avaliou Miranda.