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Dirigentes da Eletronuclear e Eletrobras tentaram reduzir custos de Angra 3

dE São Paulo

14/09/2015 14h05

Os dois consórcios de empreiteiras que se organizaram em cartel para fraudar as licitações da usina de Angra 3 encontraram resistência de "dr. Vasco", "Cardeal" e "botafoguense", dirigentes da Eletronuclear e Eletrobras, quanto ao valor que elas receberiam para a execução de dois pacotes de obras da usina após se fundirem em um único consórcio. As informações constam de trocas de e-mails e depoimentos encaminhados pela Camargo Corrêa ao Cade em seu acordo de leniência e revelam que os esforços das estatais para tornar as obras mais econômicas não foram bem-sucedidos diante da organização do cartel.

Os apelidos eram utilizados pelos executivos das sete empreiteiras que participaram do certame - Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, UTC, Queiroz Galvão, Techint e EBE - para se referir ao diretor técnico da Eletronuclear, Luiz Soares ("botafoguense"), ao superintendente de Gerenciamento de Empreendimentos da Eletronuclear, Luiz Amaral Messias ("dr. Vasco") e ao diretor de Geração da Eletrobras, Valter Luiz Cardeal (chamado de "cardeal", "eclesiástico" e "sua santidade").

Chamou atenção dos dirigentes da Eletrobrás e da Eletronuclear os preços dos dois pacotes que foram vencidos pelo consórcio UNA 3 (Odebrecht, Andrade Gutierrez, UTC e Camargo Corrêa) e que, devido a uma restrição contratual, teve que ficar com apenas um pacote e conceder o outro ao consórcio concorrente, no caso o Angra 3 (Queiroz Galvão, Techint e EBE). Após ser anunciado que cada consórcio ficaria com um dos pacotes de obras, as empresas pretendiam se fundir em um consórcio só, o Angramon. Valter Luiz Cardeal, da Eletrobrás, contudo, cobrou um desconto de 20% do valor total dos dois pacotes, que juntos somavam R$ 3 bilhões.

"Dr. Vasco" e "botafoguense", então, foram escalados para informar aos executivos das empreiteiras da demanda da Eletrobrás, estatal da qual a Eletronuclear é subsidiária. O diretor de Contratos da Odebrecht, Henrique Pessoa Mendes Neto, conversou com os dois e repassou as informações aos seus colegas de consórcio em um e-mail de 21 de fevereiro de 2014. "O botafoguense esteve com o eclesiástico ontem em BSB (Brasília), em jantar delongado. O eclesiástico está irredutível no espírito de querer desconto... que para início de conversa falou em 20%", relatou Mendes Neto aos demais executivos.

A mensagem causou forte reação dos empreiteiros e o então diretor comercial de Energia da Camargo, apontado no acordo de leniência como Luiz Carlos, logo respondeu: "não podemos demonstrar fraqueza. Vamos atender a convocação e escutar. Nada mais nos é permitido. Se estamos seguro do trabalho que desenvolvemos até aqui, prossigamos firmes", disse.

"O governo precisa urgentemente de Angra 3. Nós enquanto empresários não. Ele (Cardeal) vai ameaçar, vai nos desqualificar como empresas, enfim virá cheio de impropérios e nós com cara de paisagem, sem cair na cilada que ele está armando para nós", afirmou. "Perfeito, nada de entrar na onda do LS (Luiz Soares)", respondeu o diretor Superintendente da UTC Antônio Carlos Miranda.

A partir daí, representantes dos dois consórcios, UNA 3 a Angra 3, se reuniram e decidiram como responder às demandas da estatal. Os empreiteiros decidiram mandar um estudo apontando a possibilidade de desconto de 3,94% no preço dos dois pacotes e que estariam dispostos a dar o desconto total de 6% no caso da fusão dos consórcios.

O próprio edital da licitação previa que, em caso de fusão dos consórcios vencedores, deveria haver um desconto de 6% só que, além disso, os dirigentes da Eletrobras e da Eletronuclear cobravam uma redução maior no preço. Isso porque chamou a atenção da estatal o fato de que cada um dos pacotes vencedores foi vencido por um preço 4,98% maior que a proposta inicial da Eletronuclear, sendo que o edital previa um limite máximo de 5% acima do valor estipulado pela estatal.

Inicialmente, houve a cobrança da redução dos 20%, considerando os 6% do edital mais 14% "negociáveis", mas Cardeal, diretor da Eletrobras, recuou e em 7 de abril de 2014 pediu aos executivos o desconto de mais 4% além dos 6% previstos no edital. "Sua santidade me procurou, eu não retornei… fiquei sabendo que ele está querendo 6% + 4% AG (Andrade Gutierrez) e QG ( Queiroz Galvão) disseram não. Roque (Augusto Roque, diretor de Odebrecht Energia que representa a empreiteira no consórcio de Belo Monte) foi abordado também, disse que este assunto é contigo e Fábio", afirmou Luiz Carlos, da Camargo Corrêa, em e-mails aos outros empreiteiros. "Quer cancelar… minha opinião: se é desejo dele, que cancele. Belo Monte está caminhando na mesma direção", seguiu Luiz Carlos.

Ao final da negociação com a estatal, os empreiteiros acabaram conseguindo firmar o contrato com a Eletronuclear e criar o consórcio Angramon, responsável pelos dois pacotes de obras. Os esforços dos dirigentes da estatal, contudo, não surtiu efeito e foi concedido apenas o desconto de 6% previsto no edital em caso de fusão.

Respostas

Quando procuradas sobre o acordo de leniência da Camargo Corrêa com o Cade, no começo do mês, as empreiteiras citadas no esquema negaram irregularidades e evitaram comentar sobre o acordo.

A Queiroz Galvão disse que "acredita na idoneidade de todos os seus executivos e reafirma seu compromisso com a ética e a transparência". A companhia negou qualquer pagamento ilícito a agentes públicos para obtenção de contratos ou vantagens e reiterou que "todas as suas atividades seguem rigorosamente à legislação vigente".

A EBE disse que "não tem nenhum executivo envolvido neste processo que está sendo apurado e nem pagou nada a ninguém". "Apesar da desistência de algumas empresas do Consórcio Angramon, continuamos no firme propósito de manter o contrato assinado para a montagem de Angra 3. A EBE montou sozinha a Usina Nuclear de Angra 1 e fez parte do consórcio de empresas que montou Angra 2. A empresa tem larga experiência no setor nuclear e continua com o objetivo de honrar o contrato assinado para Angra 3."

A Techint Engenharia e Construção informou que reitera "que segue padrões internacionais de governança e observa estritamente a legislação brasileira."

A Construtora Norberto Odebrecht disse que nunca participou de cartel para contratação com qualquer cliente público ou privado. "A empresa não teve acesso a documentação constante do referido acordo e se manifestará nos autos do processo tão logo tenha acesso às informações em sua integralidade."

A Andrade Gutierrez e a UTC informaram que não iriam se manifestar sobre o caso.