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'O mal da gente é ser pobre', diz cozinheira que teve dois filhos e a neta mortos

"Eu não tenho vontade de nada mais", diz a cozinheira Alieti da Silva - Clayton de Souza/Estadão Conteúdo
"Eu não tenho vontade de nada mais", diz a cozinheira Alieti da Silva Imagem: Clayton de Souza/Estadão Conteúdo

Em São Paulo

03/03/2016 08h30

O fundo de um armário, no 2º andar de um sobrado em Cidade A. E. Carvalho, na periferia da zona leste de São Paulo, a cozinheira Alieti da Silva, 64, guarda três carteiras de identidade. A do filho, Francisco Monteiro. A da filha, Gisele Monteiro. E a da neta, Thuany Tainá de Sousa Monteiro. Todos assassinados. "O que está sobrando da minha família é isso: um pedaço de papel."

Monteiro foi vítima de homicídio há mais de dez anos com uma facada pelas costas. Gisele foi assassinada depois, com cinco tiros pelo ex-marido. Thuany Tainá, filha de Monteiro, morreu aos 19 anos, após ser agredida por uma vizinha. Mais recente, o assassinato completou um ano em 23 de janeiro. "Não teve Natal, não teve Ano-Novo, não teve nada", relembra Alieti. "Todo dia, eu saio de casa e fico esperando… Parece que eu vejo ela vindo, sabe?"

Abandonada pela mãe e órfã do pai, Thuany Tainá viveu desde a infância com a avó. A jovem tornou-se ausência em uma noite de quinta-feira. Saiu de casa para buscar uma roupa emprestada. Foi surpreendida no caminho de volta, segundo familiares, por uma vizinha em quem havia batido e por quem havia sido jurada três semanas antes. Teve os cabelos puxados, sofreu uma pancada na nuca e dois chutes no rosto. Socorrida, já chegou morta ao hospital.

A mulher nunca mais foi vista na região: a família de Thuany Tainá ouviu dizer que fugiu para o interior. Em uma pasta de plástico, a cozinheira conserva uma foto rasgada e outros três retratos maiores, com o rosto e o nome da suposta agressora escrito em caligrafia infantil. Levantou as informações com amigos e foi por conta própria à delegacia, entregar uma cópia. Alieti investigou pela polícia.

Dos filhos dela, dois sobraram vivos. Para esquecer as perdas, já tentou sair caminhando a esmo pelas ruas. Pensou em virar andarilha. Também já tentou parar de caminhar. Jogou-se sobre um carro em movimento.

"Eu não tenho vontade de nada mais", diz a cozinheira. "Meus filhos nunca foram ladrões, nunca foram bandidos. O mal da gente é ser pobre. É o único mal que a gente teve."

No boletim de ocorrência de Thuany Tainá, a única informação que não diz respeito a uma morte violenta é que ela era usuária de drogas. Aos 14 anos, a jovem chegou a esconder uma sacola de lança-perfume na escola e acabou descoberta. Passou a usar cocaína, chegou a namorar um traficante e a ficar mais de 60 dias sem voltar para casa. A família conta, no entanto, que a situação havia mudado seis meses antes do assassinato.

A jovem conheceu um homem mais velho, com quem engatou um namoro, e teria parado de usar drogas. Também começou a frequentar a Igreja e até pensava em ser mãe.

"Eu fui lutando, lutando, lutando. Lutei muito por ela", lembra a avó. "Na hora que a menina estava livre…", interrompe Alieti, para completar pouco depois: "Isso é uma dor que não passa. Essa dor não passa nunca."

Lesão corporal

Inicialmente, a Secretaria da Segurança Pública informou que a jovem era mais uma vítima de lesão corporal seguida de morte - e, por isso, não seria correto incluí-la nas estatísticas de homicídio. Na quarta-feira (2), em nova nota, a pasta reconheceu o caso como homicídio.

O processo tramita na 4ª Vara do Júri da capital. A polícia solicitou prazo ao Fórum para relatar o inquérito. Faltam informações nos papéis. As informações são do jornal "O Estado de S. Paulo".