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'Já cruzamos metade do rio', diz Moro em entrevista a jornal argentino

Rahel Patrasso/Xinhua
Imagem: Rahel Patrasso/Xinhua

São Paulo

06/04/2017 17h12

O juiz Sergio Moro, que esteve em Buenos Aires nesta semana para uma conferência na Universidade Católica Argentina (UCA), disse em entrevista ao "Clarín" que é difícil estimar um tempo para o fim dos casos relacionados à Operação Lava Jato, mas que já cruzou a "metade do rio". Ele disse, porém, que na primeira instância, os processos dos quais é responsável estão levando de seis meses a um ano. Sem citar Eduardo Cunha, o juiz deu o exemplo do ex-presidente da Câmara, que começou a ser investigado em setembro do ano passado e foi julgado na semana passada.

"O problema é que vão surgindo provas de novos acontecimentos, e por isso falo de uma corrupção sistêmica, não isolada", afirmou o magistrado, que disse ter se incomodado um pouco com o que chama de "críticas não procedentes". "Apesar de a opinião pública brasileira estar, majoritariamente, a favor das operações, há uma minoria mais crítica que às vezes incomoda. Principalmente quando se tenta relacionar meu trabalho como se tivesse uma intenção político-partidária."

O magistrado falou, também, sobre a demora nos julgamentos que correm no Supremo Tribunal Federal, que pode levar à prescrição dos crimes. Na entrevista, ele destaca a decisão da Corte, no ano passado, de permitir a execução de pena já a partir da condenação em segunda instância, independente de recurso. "Essa regra de esperar até o fim era utilizada para buscar impunidade por parte de criminosos poderosos. A lei tem que proteger o acusado, tanto culpado como inocente, mas o sistema também tem que permitir uma resposta institucional para estes delitos", disse o juiz ao jornal.

O magistrado afirmou que, apesar de um juiz não julgar segundo o que diz a opinião pública, ela funciona como proteção contra interferências indevidas em processos envolvendo "pessoas políticas e economicamente poderosas". Moro acredita, contudo, que o Brasil tem um problema de crer em "salvadores da pátria". "Isso é muito infantil. É preciso construir as instituições dia a dia", disse. "A responsabilidade não é de uma só pessoa. Creio que existe um foco excessivo sobre a mim, quando existe uma polícia que investiga, um Ministério Público que acusa e mesmo no poder judicial há outros tribunais que revisam minhas decisões."

Em defesa da delação premiada, recurso que tem sido amplamente utilizado nas investigações da Lava Jato, Moro disse que há crimes praticamente secretos, em que apenas os acusados podem prestar testemunho para descobri-los. "O problema é que, apesar de ser um colaborador, não deixa de ser um criminoso". O magistrado cita o exemplo bem-sucedido da delação do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que revelou onde recebia os pagamentos de recursos desviados. "Eram contas no exterior que jamais seriam descobertas sem sua colaboração."

Na entrevista, também falou sobre a negociação com diretores de empresas investigadas, como a Odebrecht, já que a responsabilidade penal das companhias é caso em discussão no Congresso argentino. "Creio que o melhor caminho é que as empresas recuperem sua reputação. Uma empresa 'recuperada' é melhor que uma empresa extinta", disse o juiz, reconhecendo que o processo é complexo. "A empresa deve reconhecer os delitos, adotar políticas diferentes de transparência, eventualmente mudar seus executivos e, principalmente, indenizar a sociedade." Moro falou sobre a maturidade institucional no País, que permitiram a mudança de percepção que a impunidade é a regra, e destacou como a corrupção pode gerar um impacto na economia que não deve ser considerado. "Os países corruptos podem competir em condições de igualdade em um mundo cada vez mais globalizado em que os custos adicionais fazem diferença? A situação do Brasil, com déficits crescentes, também está afetada pelos custos da corrupção?"