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Procuradoria diz que Cabral agiu com 'ganância' e recorre por pena máxima

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
Imagem: Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Fausto Macedo e Julia Affonso

São Paulo

01/11/2017 20h37

Os procuradores da República que integram a força-tarefa da Operação Calicute (desdobramento da Lava Jato no Rio) querem pena máxima para o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), já condenado a 45 anos e dois meses de prisão pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal Federal.

Em razões de recurso de apelação, os procuradores alegam que "restou evidenciado que [Sérgio Cabral] agiu com ganância, imbuído da intenção de enriquecer de modo fácil, ainda que para tanto fosse sacrificada a higidez da administração pública estadual, em prejuízo da coletividade".

Cabral está preso desde novembro de 2016. Atualmente, ele ocupa uma cela no presídio de Benfica, zona norte do Rio.

Na apelação, o Ministério Público Federal requer a reforma da sentença de Bretas "para que a majorante prevista no artigo 2º, parágrafo 4º, da Lei 12.850/2013 (Lei da organização criminosa), seja aplicada em patamar superior ao mínimo legal".

A Operação Calicute atribui ao ex-governador o papel de chefe de organização criminosa. "Tal organização não atuou no Rio de Janeiro somente em face das obras para a reforma do Estádio do Maracanã. Na verdade, os esquemas de cartelização mediante o pagamento de propinas iniciaram-se a partir do momento em que Sérgio Cabral assumiu em 2007 o cargo de governador do Rio.

Segundo a Procuradoria, "em tais esquemas, há evidências de que foram englobadas praticamente todas as grandes obras públicas de construção civil realizadas pelo ente público, algumas delas custeadas com recursos federais, inclusive provenientes do Programa de Aceleração do Crescimento. Dentre elas, destacam-se a construção do Arco Metropolitano e a urbanização de grandes comunidades carentes na cidade do Rio de Janeiro, ação vulgarmente denominada por 'PAC Favelas'."

Os procuradores observam que especificamente em relação à causa de aumento de pena prevista no parágrafo 4º, do artigo 1º da Lei 12.850/201346, "é imperioso destacar que a organização criminosa se compôs precipuamente por funcionários públicos do mais alto escalão do governo estadual".

A pena é aumentada de um sexto a dois terços "se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal".

Os procuradores anotam que, além de Cabral, a Calicute condenou ex-ocupantes de cargos comissionados no Governo do Rio, durante o mandato de Cabral. "Dentre esses funcionários públicos, frise-se, estavam o secretário de Governo e o secretário de Obras à época, todos valendo-se de seus cargos e da máquina pública para a prática de crimes, razão pela qual a lesividade e periculosidade da organização criminosa é sobremaneira agravada para todos os integrantes que sabiam dessa composição e, em parte por este motivo, resolveram aderir."

"Desse modo, considerando que o parágrafo 4º, do artigo 2º, da Lei 12.850/2013, prevê uma margem de aumento de pena entre 1/6 e 2/3, e tendo em vista a presença de cinco funcionários públicos, ao menos neste processo, ocupantes de cargos da cúpula da administração pública estadual, além de outros que ocuparam cargos comissionados, a reprovabilidade do crime exige que a majorante seja aplicada em patamar superior ao mínimo legal", insiste a Procuradoria.

Em 194 páginas, os procuradores alertam, ainda: "As consequências do crime, por sua vez, apesar de não poderem ser precisamente calculadas, foram extremamente nefastas para o Estado do Rio, haja vista a enorme quantidade de crimes cometidos por essa complexa organização criminosa, que já são objeto de diversas ações penais ajuizadas neste Juízo, havendo tantos outros ainda sob investigação."

"O crime também acarretou abalo inestimável para a população fluminense, gerando absoluta descrença nas instituições públicas estaduais. Do mesmo modo, as circunstâncias dos crimes se revelam altamente negativas, haja vista se tratar do agente responsável por cobrar e receber vultosas quantias em espécie na organização criminosa", ressalta a acusação.

"Não é demais destacar que os atos de lavagem praticados pelos membros da organização criminosa perduram até hoje, porquanto há veementes indícios de que os membros da organização criminosa são proprietários, no plano fático, de vasto patrimônio em nome de 'laranjas', tais como empresas, lanchas, carros etc, sem contar as joias sabidamente adquiridas como forma de lavagem de dinheiro e que continuam ocultas, eis que não apreendidas pela Polícia Federal", segue o documento.

"Dessa forma, o longo tempo de permanência da organização criminosa e a estabilidade da associação entre os seus membros são circunstâncias do crime que devem servir como vetor negativo."

"Como amplamente comprovado ao longo do processo, a organização criminosa tratada nestes autos possui complexidade, extensão e duração extremamente lesivas à paz pública. Não se pode olvidar que a variedade de crimes praticados pela organização criminosa, a enorme lesividade dos crimes a que se dedicaram, e as altas cifras envolvidas nos delitos verificados são elementos que não podem ser desconsiderados no momento da fixação da pena base quanto ao delito em exame."

"Assim, entende-se que, diante de todas as circunstâncias judiciais extremamente desfavoráveis na situação em exame, as já reconhecidas na r. sentença recorrida e as apontadas nesta peça que não foram utilizadas para majoração da pena na primeira fase da dosimetria, a aplicação da pena-base deve ocorrer em patamar superior ao adotado pelo Juízo na sentença apelada."

Sobre o ex-governador, os procuradores afirmam: "Sérgio Cabral, ao assumir o cargo de governador, vangloriava-se por ter viabilizado as obras bilionárias que estavam sendo realizadas no Rio de Janeiro, alegando que elas trariam muitos benefícios para a sociedade, quando, na verdade, foram utilizadas para financiar as atividades de uma nociva organização criminosa por ele comandada que se infiltrou no governo do Estado do Rio de Janeiro."

"Mais do que uma traição às promessas realizadas durante a campanha eleitoral, ao se apresentar como um candidato da renovação, as práticas criminosas perpetradas por Sérgio Cabral e seus asseclas sepultaram as legítimas expectativas dos cidadãos de transformação do Estado assolado por graves mazelas."

"Ao ser questionado pela imprensa sobre irregularidades noticiadas durante a sua gestão, Sérgio Cabral demonstrava indignação, dizia-se aviltado e desrespeitado por tais questionamentos, buscando passar a imagem de que estaria acima de qualquer suspeita."

"Trata-se de personalidade de uma pessoa altamente manipuladora e calculista, correspondente ao perfil do chefe máximo da organização criminosa."

"Assim, entende-se que, diante de todas as circunstâncias judiciais extremamente desfavoráveis na situação em exame, as já reconhecidas na sentença recorrida e as apontadas nesta peça que não foram utilizadas para majoração da pena na primeira fase da dosimetria, a aplicação da pena-base já deveria ocorrer em seu máximo legal."

"O Ministério Público Federal requer a reforma da sentença apelada quanto à primeira fase da dosimetria da pena no que concerne ao apelado Sérgio Cabral, para que a pena-base para o delito descrito no conjunto de fatos seja fixada no máximo previsto em lei."

Defesa

Em nota, o advogado Rodrigo Roca, que defende Sérgio Cabral, informou que vai apresentar seu recurso diretamente ao Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF2).