Topo

Esse conteúdo é antigo

Condenação de Lula no TRF-4 não afrontou STF, diz relator do caso do sítio

27.nov.2019 - O desembargador João Pedro Gebran Neto, do TRF-4 - Divulgação/TRF-4
27.nov.2019 - O desembargador João Pedro Gebran Neto, do TRF-4 Imagem: Divulgação/TRF-4

Ricardo Brandt e Fausto Macedo

São Paulo

01/12/2019 08h43

"O TRF-4 não afrontou o STF." A afirmação do desembargador federal João Pedro Gebran Neto, o relator em segunda instância da Operação Lava Jato, no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, busca um fim para o que ele enxerga como falsa polêmica: a de que houve um enfrentamento ao Supremo Tribunal Federal (STF) na decisão que ampliou a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, de 12 para 17 anos de prisão no processo do sítio de Atibaia.

A defesa de Lula tinha pedido nulidade da condenação porque a 13.ª Vara de Curitiba (primeira instância) não havia aplicado prazo distinto para delatores e delatados entregarem suas alegações finais no processo, conforme decisão recente do STF, em outra ação penal da Operação Lava Jato. "O que se fez é aplicar o entendido do Supremo, em conformidade com os precedentes da existência e demonstração de prejuízo", afirma.

Ao Estado, em entrevista realizada por e-mail dois dias após a análise do caso de Lula, Gebran Neto rebateu acusações de que os julgamentos têm conotação política. "Tampouco há contaminação ideológica dos julgadores", afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O TRF-4 "afrontou", como afirmou a defesa do ex-presidente Lula, o STF ao negar a tese de regra geral retroativa defendida por réus, com base em entendimento da Corte, sobre prazo diferenciado para delatores e delatados nos processos penais?

Com certeza o TRF-4 não afrontou o STF e nunca teve qualquer interesse em polemizar sobre o tema. O que se fez, e me parece claro nas manifestações e votos, é aplicar o entendido do STF, em conformidade com os precedentes da existência e demonstração de prejuízo. Aliás, o STF estava modulando os efeitos de sua decisão, mas não concluiu o julgamento. Assim, aplicou-se o entendimento em consonância com os precedentes históricos, seja no tocante à eficácia para o futuro das novas normas processuais, seja no tocante à ausência de prejuízo. De momento, não há decisão em repercussão geral ou mesmo efeito suspensivo concedido nos processos em trâmite na Suprema Corte, cabendo aos tribunais inferiores examinarem o caso concreto.

O julgamento da apelação sobre o caso do sítio de Atibaia foi político, como criticaram as defesas dos réus?

Nenhum julgamento relacionado à Operação Lava Jato tem conotação política. Tampouco há contaminação ideológica dos julgadores. Como se procurou destacar nos votos, somente os fatos imputados aos réus são objeto do julgamento, segundo as provas existentes nos autos. Magistrados não julgam pessoas e suas histórias de vida, mas condutas específicas, tudo conforme o acervo probatório. Aliás, em meu voto cito precedente da ministra Cármen Lúcia fazendo exatamente essa referência. A fixação de tese de um papel do Judiciário de antagonismo aos réus é bastante antiga, mas neste caso é seguramente falaciosa.

Como vê as sucessivas tentativas das defesas de réus da Lava Jato de atribuírem suspeição aos juízes do caso? Tanto o senhor, como o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, o ex-juiz Sérgio Moro e a juíza Gabriela Hardt foram alvo de questionamentos...

Do ponto de vista jurídico processual, acho absolutamente natural que os réus utilizem-se dos meios de defesas que entenderem pertinentes. Assim, não há qualquer estranhamento quando alguém recorre ou interpõe medidas como exceções de competência ou mesmo de suspeição. De outro lado, vejo que há uma tentativa intensa de imputar aos magistrados uma atuação política ou ideologizada, como se estivessem a serviço de alguém ou atuando com objetivos outros, que não simplesmente realizar seu ofício da melhor forma possível. E isso é um equívoco e um desserviço para a sociedade.

Como viu a mudança de entendimento do Supremo em relação à execução provisória da pena em segundo grau e quais suas convicções sobre o tema?

Minha compreensão sobre o tema é antiga, antecedendo inclusive aos julgamentos do STF, como é possível ver nos votos que proferi ao longo dos anos, reconhecendo a possibilidade da execução da pena após o julgamento em segunda instância. Essa antecipação do paradigma no TRF-4 ocorreu porque, naquele tempo, era visível a mudança que o STF faria em sua jurisprudência. Todavia, recentemente, a Suprema Corte voltou a firmar jurisprudência em desfavor da execução após julgamento em segundo grau. Compreende-se e respeita-se. Há argumentos bons e fortes em favor da tese recentemente chancelada pelo Supremo. Mas, segundo compreendo, os fundamentos jurídicos e sociais em sentido contrário são igualmente bons e fortes. Esse debate, hoje no Brasil, talvez esteja contaminado pelo momento político, embora devesse ter uma visão de Estado.

A advertência dada ao procurador Deltan Dallagnol, a aprovação da nova Lei de Abuso de Autoridade, o esvaziamento do projeto anticorrupção do ministro Sérgio Moro no Congresso foram derrotas recentes. É a pior fase desses seis anos de Lava Jato?

Cada episódio tem seu foro adequado de discussão, mas não faço essa avaliação de pior ou melhor momento da Lava Jato. Como magistrado, defendo minhas convicções com aquilo que vejo no processo. Porém, após quase seis anos, vejo com naturalidade a existência de avanços e retrocessos no combate à impunidade e à corrupção. Certamente teremos diversos outros avanços e alguns retrocessos. Outras vezes correções de rumos serão necessárias. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.