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Moro afirma que Congresso incluiu 'empecilhos' na Lei Anticrime

O então ministro da Justiça, Sergio Moro, em audiência na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) - Marcos Oliveira/Agência Senado
O então ministro da Justiça, Sergio Moro, em audiência na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) Imagem: Marcos Oliveira/Agência Senado

Rayssa Motta

São Paulo

12/10/2020 20h41

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, defendeu nesta segunda-feira, 12, que o Congresso Nacional mantenha os vetos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) à Lei Anticrime.

Em entrevista à GloboNews, Moro afirmou que a ideia do projeto, redigido quando ocupou a pasta, era um 'endurecimento racional' no combate à criminalidade, mas que foram colocados 'empecilhos' pelos parlamentares durante a tramitação na Câmara dos Deputados.

"O Projeto de Lei Anticrime foi enviado para endurecer. Nada ali tinha de inconstitucional, de proposta extremamente rigorosa. Nós sabemos que temos que respeitar o direito dos acusados. Mas, durante a tramitação na Câmara, com todo respeito, houve a inserção da alguns dispositivos que geraram mais dificuldades para o combate ao crime do que o contrário", afirmou.

O ex-ministro também chegou a dizer que o presidente, com quem rompeu ao deixar o governo, devia usar o poder e a popularidade para retomar a agenda anticorrupção e anticrime 'para além do partidarismo político'. Uma das bandeiras mencionadas foi a necessidade de retomada da execução criminal após condenação em segunda instância, barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento apertado no final do passado, mas que, segundo Moro, pode ser revista com a nova formação da Corte em razão da aposentadoria do decano Celso de Mello.

"É o momento de discutir a revisão dessa parte da lei pelo Congresso ou pelos tribunais. Nós temos ainda vetos presidenciais a serem analisados pelo Congresso. O presidente não vetou tudo o que eu acho que deveria vetado, inclusive esse dispositivos. Mas os vetos que estão lá são importantes e seria importante manter todos os vetos", defendeu.

A discussão sobre o pacote anticrime foi reacendida depois que o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, mandou para soltar André Oliveira Macedo, o André do Rap, apontado como homem forte do Primeiro Comando da Capital (PCC). No centro do debate estão os critérios para manutenção de prisões preventivas - aquelas determinadas sem prazo definido -, reformados com a aprovação da Lei Anticrime pelo Congresso no final do ano passado. O dispositivo prevê, no artigo 316 do Código de Processo Penal, a reavaliação da medida cautelar por um juiz a cada 90 dias.

Ao autorizar André do Rap a deixar o sistema prisional, o argumento usado por Marco Aurélio foi justamente o de que o prazo para manutenção da prisão preventiva foi esgotado e que a continuidade da medida cautelar era ilegal uma vez que não houve decisão judicial decretando sua renovação nos últimos três meses.

Ao Estadão, o ministro defendeu os fundamentos que o levaram a determinar a soltura. "Atuo segundo o direito posto pelo Congresso Nacional e nada mais. Evidentemente não poderia olhar a capa do processo e aí adotar um critério estranho", afirmou. "Está claríssimo no preceito (lei anticrime) que hoje a prisão dura por 90 dias podendo pelo juiz da causa ser renovada em ato fundamentado. E o próprio preceito culmina para o caso de não ser renovada a ilegalidade. Cansei de decidir dessa forma", completou o ministro.

Segundo Sérgio Moro, o dispositivo não estava previsto no projeto original e, no entendimento do ex-ministro, é incompatível com a realidade da magistratura.

"Em um mundo ideal, em que um juiz tem poucos processos e todo o tempo do mundo para examinar todos os casos, não teria problema nenhum. Agora, em um sistema como o nosso, que o juiz e os tribunais recusais estão assoberbados de processos, é muito comum você ficar premido pelo dia-a-dia dos novos processos e sem muita possibilidade de ficar revendo cada decisão que foi tomada anteriormente. Quando se decreta uma prisão preventiva, que é uma prisão antes do julgamento, se houver uma discordância ou uma mudança do tempo, o que deveria acontecer: a defesa vem e requer ao juiz que revise. O juiz vai sentar, vai examinar, vai ouvir o Ministério Público e vai decidir", defendeu.

"O grande problema que colocaram nesse dispositivo é que essa revisão deve ser feita de ofício. Isso tem um propósito positivo: evitar que prisões se alonguem, porque o acusado está mal defendido e acaba ficando esquecido dentro das cadeias. Mas gera esse efeito colateral negativo", completou o ex-ministro.

Sem criticar abertamente Marco Aurélio, Moro defendeu ainda que integrantes de Cortes superiores se abstenham de decidir sobre a revisão de prisões preventivas decretadas em primeira instância.

"Me parece que a melhor solução, e eu não quero entrar em nenhuma controvérsia envolvendo o Supremo Tribunal Federal, seja o entendimento de que isso tem que ser provocado, que isso tem que ser decidido pelo juiz emissor da decisão, o juiz de primeira instância normalmente. Se a questão for levada diretamente a uma corte recursal, que a corte recursal emita uma decisão pedido que o juiz revise, que o juiz decida, e não simplesmente entender que isso se torna ilegal pelo mero decurso do tempo, porque pode isso gerar esses casos que acabam expondo a sociedade a um risco", alegou.

Perguntado sobre as prisões preventivas decretadas no âmbito da Lava Jato, o ex-juiz da operação negou abuso nas ordens de detenção cautelares.

"Quase todas elas foram mantidas pelas instâncias recursais ou superiores e não se alongavam muito tempo antes do julgamento", rebateu. "Às vezes tem uma ideia pejorativa de que nós abusávamos da prisão preventiva, mas nós estávamos basicamente cumprindo a lei. É claro que, talvez por uma noção equivocada, eventualmente parte da classe política tenha visto isso como uma possibilidade de evitar que situações assim se repetissem, vezes alguns deles investigados por corrupção que pudessem ser, de alguma maneira, presos preventivamente", disse.