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Com poucas doses, País só deve concluir vacinação de prioritários no 2º semestre

Para especialistas, grupos prioritários (77,2 milhões de pessoas) não estarão imunizados antes de setembro - Marcelo Bittencourt/Futura Press/Estadão Conteúdo
Para especialistas, grupos prioritários (77,2 milhões de pessoas) não estarão imunizados antes de setembro Imagem: Marcelo Bittencourt/Futura Press/Estadão Conteúdo

Roberta Jansen, com colaboração de Giovana Girardi

Rio

05/04/2021 13h05

Com a lenta vacinação no Brasil em meio à pandemia de covid-19, os grupos prioritários (77,2 milhões de pessoas) não estarão imunizados antes de setembro, segundo projeções de especialistas ouvidos pelo Estadão. Qualquer previsão mais otimista, explicam os cientistas, depende que sejam vacinados pelo menos um milhão de indivíduos por dia, continuamente. Na última quinta-feira, dia 1º, pela primeira vez desde o início da campanha, o País conseguiu imunizar pouco mais de um milhão de pessoas. Na sexta, 2, no entanto, o número voltara ao patamar de 300 mil.

O Programa Nacional de Imunizações (PNI) tem capacidade para vacinar pelo menos dois milhões de pessoas por dia. Mas precisa ter doses disponíveis. Como o governo federal não garantiu a compra em 2020 - diferentemente do que fizeram Estados Unidos e Europa -, o Brasil agora enfrenta problemas. Tem dificuldades para a aquisição de imunizantes prontos e também de Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) - matéria-prima necessária à produção nacional de vacinas no Instituto Butantan, em São Paulo, e em Biomanguinhos/Fiocruz, no Rio.

Por causa dessas dificuldades, frequentemente o Ministério da Saúde revisa para baixo o número de doses entregues ao PNI. A campanha de vacinação já foi interrompida várias vezes por falta de imunizantes. No dia 31, o ministro Marcelo Queiroga voltou a baixar a previsão de entrega de vacinas em abril de cerca de 40 milhões para 25 milhões de doses. Mesmo assim, no mesmo dia, o governo anunciou que pretendia vacinar 80 milhões de pessoas (metade da população elegível para receber a vacina) até metade do ano. Para a imunização, são necessárias duas doses.

Para especialistas, só seria possível atingir o número prometido pelo governo se a partir de hoje vacinássemos pelo menos um milhão de pessoas por dia de forma continuada, sem reduções ou interrupções. Atualmente, parece impossível. Segundo cientistas, esse fluxo contínuo só deverá estar disponível em setembro, quando Biomanguinhos começa a produzir o IFA da vacina de Oxford/AstraZeneca. Mesmo esse cronograma pode mudar, já que a assinatura do contrato de transferência de tecnologia entre AstraZeneca e Fiocruz está atrasado há quatro meses.

Já pelo cronograma do Butantan, a produção do IFA da Coronavac só deverá ocorrer em larga escala a partir do início do ano que vem.

"Se a gente conseguisse chegar a 1,5 milhão de vacinados por dia, em abril concluiríamos o grupo 1 das prioridades", diz o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas. "Aí daria para concluir todas as prioridades até agosto, setembro, e o restante da população, até o fim do ano. Mas acho pouco provável que isso aconteça porque toda vez que o Ministério da Saúde anuncia uma meta, ele a corrige logo depois."

Coordenador da Rede Análise Covid-19, Isaac Schrarstzhaupt explica a matemática: "Para metade da população receber uma dose até o meio do ano, teríamos de vacinar, já a partir de agora, 970 mil por dia; para duas doses, seriam praticamente dois milhões por dia."

Incertezas

Mas o cenário de incerteza e imprevisibilidade sobre quando novas doses estarão de fato disponíveis impedem um planejamento. "Não sabemos de verdade com o que podemos contar. E é muito difícil trabalhar com essa política de distribuir vacina a conta-gotas", afirma a epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o Programa Nacional de Imunizações de 2011 a 2019.

"A falta de um cronograma confiável impede qualquer planejamento adequado", concorda Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações. "Quem está na ponta tem muita dificuldade. Como é que se planeja uma vacinação sem ter em mãos a matéria-prima fundamental, que é a vacina?", questiona.

Como a previsão de recebimento de vacinas para abril já foi revista, os especialistas acham pouco provável manter o ritmo. "Com as frequentes revisões para baixo que o ministério tem feito em relação à aquisição e oferta de vacinas, é bastante improvável que no primeiro semestre consigamos aumentar (e manter) a velocidade para um patamar que possamos chamar de vacinação em massa - algo entre um milhão a dois milhões de pessoas vacinadas por dia, por falta de insumos. Só podemos começar a vislumbrar algo para o segundo semestre", afirma o infectologista Alexandre Naime Barbosa, da Unesp.

Para os especialistas, o maior erro foi não ter comprado as vacinas quando elas estavam disponíveis, ainda no ano passado. "Houve uma negligência inaceitável por parte do governo federal", complementa Barbosa.

Especialista em gestão de saúde e integrante do Comitê de Combate ao Coronavírus da UFRJ, Chrystina Barros acredita que só conseguiremos ter vacinação em massa sustentável a partir de setembro. Será quando o Brasil já estará produzindo o seu IFA e não precisará importá-lo para fazer seus imunizantes anti-covid-19. "Não temos um cronograma fidedigno", reforça. "Só conseguiremos ter autossuficiência quando Butantan e Fiocruz já tiverem concluído as novas plantas e iniciarem a fabricação do IFA. Só conseguiremos respirar quando tivermos produção própria", diz.

Consequência

Além de custar milhares de vidas, a lentidão favorece também o surgimento de novas variantes do Sars-Cov-2. O alerta é do virologista Fernando Spilki, da Universidade Feevale (RS), especialista em mutações. "Com só uma parcela da população imunizada e muita gente suscetível, temos as condições darwinianas para o surgimento e seleção de novas variantes e, com o tempo, o aumento da resistência ao imunizante", diz. "Esse processo precisa ser estancado. Sem mais vacinas disponíveis, a única forma de fazer isso é com restrição da mobilidade, coisa a que os gestores são refratários." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.