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'Papa das Rupturas', Francisco renova diplomacia vaticana

22/12/2014 12h45

Por Beatriz Farrugia SÃO PAULO, 22 DEZ (ANSA) - Apesar de evitar a palavra "ruptura", os discursos e atitudes do papa Francisco ao longo de 2014 confirmaram que seu pontificado alterará profundamente as estruturas da Igreja Católica, tanto na relação entre sacerdotes e fiéis quanto na atuação da diplomacia vaticana. Nos últimos 12 meses, Jorge Mario Bergoglio não hesitou em tocar em temas sensíveis que há anos vinham sendo ignorados por seus antecessores, como pedofilia, corrupção e casamento gay, além de tomar a iniciativa de diálogo em grandes crises internacionais. "'Ruptura' era a palavra mais evitada pelos outros Papas e Bergoglio introduziu-a em seu pontificado", disse à ANSA o teólogo brasileiro Leonardo Boff, expoente da Teologia da Libertação na América Latina. "Essas rupturas, no entanto, são totalmente coerentes com a origem de Francisco. Bergoglio está criando uma nova geração de Papas, do terceiro e do quarto mundo", comentou. Fazendo duras críticas à corrupão, Francisco instituiu em junho uma comissão para fiscalizar as atividades do Instituto para as Obras de Religião (IOR), também conhecido como Banco do Vaticano, afastou religiosos suspeitos de irregularidades e trocou a Presidência da entidade financeira. Em outro tema sensível, Bergoglio admitiu que a pedofilia atinge 2% dos membros da Igreja Católica e a definiu como uma "lepra".   

Ao longo de todo o ano, ele respondeu cartas de vítimas de abuso e até incentivou um menino espanhol a procurar as autoridades e denunciar um padre de Granada, que acabou sendo detido, assim como o sacerdote argentino José Mercau e o polonês Józef Wesolowski, cujas prisões e afastamentos foram ordenados pelo próprio Pontífice. As novidades, no entanto, foram as discussões sobre o reconhecimento do casamento homossexual e a reintegração de divorciados à Igreja, questões que acirraram os ânimos dos bispos participantes do Sínodo para a Família, realizado em outubro, na Itália.   

"Francisco acolhe os homossexuais e diz que eles carregam qualidades e virtudes importantes para a Igreja, como a compaixão, já que são reprimidos pela sociedade. O Papa também está aberto aos divorciados, porque coloca o coração no centro das discussões. Embora seja teólogo, ele age como um pastor e deixa a teologia para os estudiosos, ao contrário de Bento XVI", disse Boff. Mas a maior mudança em 2014 na Santa Sé foi em sua atuação diplomática. Na área internacional, Francisco não se limitou a preces e apelos de paz. O Papa se envolveu com negociações complexas que se arrastam há décadas sem soluções, como a crise entre Israel e Palestina e o embargo norte-americano a Cuba. "Ele mudou completamente a diplomacia vaticana. Está fazendo uma reforma completa, em todos os setores da Santa Sé", afirmou o escritor e religioso Frei Betto. "A presidente Dilma Rousseff, com quem estive em novembro, disse que o papa Francisco é o maior estadista que existe hoje no mundo. O mais lúcido e capaz de estabelecer pontes em situações conflitantes", contou. "Francisco tenta aproximar as pessoas, colocar os interlocutores para conversar, pois assim é possível encontrar semelhanças, medos e preocupações entre as duas partes. O Papa é implacável nisso", afirmou Boff, por sua vez. Em maio, durante sua viagem a Israel e Terra Santa, o Papa se ofereceu para mediar a retomada dos diálogos de paz entre judeus e muçulmanos. De fato, Francisco conseguiu fazer com que os líderes Shimon Peres e Mahmoud Abbas se reunissem e se abraçassem no Vaticano, um mês depois. Naquela época, Israel e Palestina se enfrentavam em um conflito armado que suspendeu as negociações e provocou a morte de mais de duas mil pessoas.   

Em seguida, Francisco começou a demonstrar preocupação com os cristãos do Oriente Médio perseguidos e mortos pelo grupo extremista Estado Islâmico (EI,ex-Isis). Além de exigir que a comunidade internacional articulasse uma resposta contra os crimes de decapitações, sequestros e mutilações praticados pelos radicais sunitas, Francisco disse aos jihadistas que sua "porta está aberta" para o diálogo. "Não me admiraria que ele fosse conversar com o Estado Islâmico, mesmo correndo o risco de ser decapitado. Para Francisco, a morte está na mão de Deus e, caso aconteça, terá chegado sua vez. Tenho certeza que, se o EI der uma brecha, ele inicia o diálogo", afirmou Boff. Apesar dos discursos de paz no Oriente Médio, o triunfo do ano da diplomacia vaticana em 2014 ocorreu na América, com a retomada das relações entre Cuba e Estados Unidos, suspensas desde 1961. O acordo, mediado pelo Canadá e pelo papa Francisco durante 18 meses, permitirá a reabertura das embaixadas, a libertação de prisioneiros e o fim de restrições a viagens e transações financeiras. O ponto final da Guerra Fria foi anunciado em 17 de dezembro, justamente no dia do aniversário de 78 anos de Bergoglio. O acontecimento poderá colocar Francisco novamente na lista dos candidatos ao Prêmio Nobel da Paz, posto que já ocupou em 2014, quando o título foi entregue à paquistanesa Malala Yousafzai e o indiano Kailash Satyarthi. "Quem sabe ele não possa receber nos próximos anos algum prêmio por sua atuação da paz, até mesmo de outros organismos e instituições. Ele é merecedor", afirmou o arcebispo de Aparecida, Dom Raymundo Damasceno, em declarações à ANSA.   

"O Papa já foi eleito por diversas revistas e jornais como uma das pessoas mais influentes do mundo, acima até do presidente dos EUA, Barack Obama, e da chanceler alemã, Angela Merkel.   

Francisco não é um nome, é um projeto", definiu Boff. (ANSA)
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