Ivan Lessa: Palavras, palavras, palavras
Um amigo erudito, que ocasionalmente vem visitar meu enfisema, como não tem fundos para flores ou presentes, me traz o prazer de sua presença e um papo - monólogo ou preleção, a bem dizer - sobre seu assunto favorito: vida, paixão e morte das palavras.
Sabe que eu tenho o mesmo gosto por elas que ele, embora indigno de beijar seus pés incalustres (obsoleto, português do Brasil: livre de calos). Sempre que posso tomo nota depois de pedir a devida vênia (outro termo nosso em vias de extinção) e fico por uns dias pesquisando e, que me resta?, meditando.
Meu amigo, que ensina inglês para emigrantes lusos e brasileiros recém-chegados à Grã-Bretanha (pois é, nem todo mundo está indo embora), gosta de se dizer poliglota, embora mais de uma vez tenha me explicado, e eu sempre esquecendo, a contradição existente na confecção do termo formado por poli + glota.
"Trata-se de um idiotismo lusitano seiscentista", já me explicou e, tamanha sua verve formal e presença avassaladora, que eu já me esqueci. Em matéria de idiotismos minha cota já se esgotou.
Cá está diante de mim, no entanto, a lição-visita que ele me fez ainda agora, em meados de maio. Fiquei sabendo, pois ele gosta de formar frases com suas redolências léxicas, que - e os não iniciados que se segurem - eu tenho o costume de ouvir música em microfones backpfeifengesicht.
E que o mero pousar de meus olhos num bakkushan poderá, ou não, em mim despertar sentimentos de forselsket, o que, no caso, seria melhor eu evitar ter que recorrer a um desenrascanço. Neste caso, o melhor seria evitar um litost de forma a que outras pessoas no vagão não passem a sentir uma pena ajena de mim.
Ganha um doce quem pegar uma que seja das palavras ou de que trata a longa sentença, que mais parece injeção letal. No parágrafo acima estão enfileiradas palavras em equivalente, preciso ou não, em inglês de alemão, japonês, filipino, português, tcheco e espanhol-mexicano.
Meu amigo, figura sem par, insiste que o referido parágrafo, descodificado por mestres como ele (duvido que haja plural; meu amigo é único), quer dizer, mais ou menos, em rude tradução, o seguinte: "A desagradável pessoa tem uma cara que você gostaria de esmurrar enquanto uma jovem japonesa, melhor vista de costas, inspira uma sensação de euforia quando você se apaixonar pela primeira vez".
Se ele disse é porque é. Não creio que eu vá ter muitas oportunidades de empregá-la. Na verdade, não creio que vá ter uma única oportunidade. Tudo bem. Já me conformei a coisas piores, pelo que peço taarradhin, palavra arábica que significa uma solução satisfatória a todos os envolvidos numa questão.
Mas eu tenho minha forma de apoquentá-lo. Como o dileto (Dileto não é seu verdadeiro nome) se encontra fora do país natal, que é o mesmo meu, gosto de atazaná-lo, ou melhor, espicaçar sua mente viva, com os neologismos que pesco aqui e ali nas águas bravias do mare nostrum cibernético.
Já o pus frente a frente com brasileirismos atuais que o deixaram rubro de vergonha ou ódio, pois ele é difícil de distinguir quando se queima. Taquei-lhe brasileirismos atuais como bullying, point, fashion week, os irmãos Loxas e Lunda e vi-o deixar minha casa falando sozinho entredentes, como se tivesse sido assaltado pelo mundo.
Quebrei a cara uma ou duas vezes, o que era de se esperar: embora da mesma geração minha, matou de estalo balacobaco, e, em português luso, salta-pocinhas e baitola.
De certa feita, fui contra as regras do jogo e deixei-o zonzo por desconhecer o significado de biringaço, que, após revelar-me sua total ignorância, danou-se quando eu expliquei tratar-se de lusitanismo obsoleto significando, nas altas camadas sociais do século 17, uma espécie de guarda-costas alugado a preços de arrasar.
Palavras. Há nelas, embutida, uma tremenda luta corporal. Urge dela participar, mesmo passando rasteira (regionalismo, Brasil).
Sabe que eu tenho o mesmo gosto por elas que ele, embora indigno de beijar seus pés incalustres (obsoleto, português do Brasil: livre de calos). Sempre que posso tomo nota depois de pedir a devida vênia (outro termo nosso em vias de extinção) e fico por uns dias pesquisando e, que me resta?, meditando.
Meu amigo, que ensina inglês para emigrantes lusos e brasileiros recém-chegados à Grã-Bretanha (pois é, nem todo mundo está indo embora), gosta de se dizer poliglota, embora mais de uma vez tenha me explicado, e eu sempre esquecendo, a contradição existente na confecção do termo formado por poli + glota.
"Trata-se de um idiotismo lusitano seiscentista", já me explicou e, tamanha sua verve formal e presença avassaladora, que eu já me esqueci. Em matéria de idiotismos minha cota já se esgotou.
Cá está diante de mim, no entanto, a lição-visita que ele me fez ainda agora, em meados de maio. Fiquei sabendo, pois ele gosta de formar frases com suas redolências léxicas, que - e os não iniciados que se segurem - eu tenho o costume de ouvir música em microfones backpfeifengesicht.
E que o mero pousar de meus olhos num bakkushan poderá, ou não, em mim despertar sentimentos de forselsket, o que, no caso, seria melhor eu evitar ter que recorrer a um desenrascanço. Neste caso, o melhor seria evitar um litost de forma a que outras pessoas no vagão não passem a sentir uma pena ajena de mim.
Ganha um doce quem pegar uma que seja das palavras ou de que trata a longa sentença, que mais parece injeção letal. No parágrafo acima estão enfileiradas palavras em equivalente, preciso ou não, em inglês de alemão, japonês, filipino, português, tcheco e espanhol-mexicano.
Meu amigo, figura sem par, insiste que o referido parágrafo, descodificado por mestres como ele (duvido que haja plural; meu amigo é único), quer dizer, mais ou menos, em rude tradução, o seguinte: "A desagradável pessoa tem uma cara que você gostaria de esmurrar enquanto uma jovem japonesa, melhor vista de costas, inspira uma sensação de euforia quando você se apaixonar pela primeira vez".
Se ele disse é porque é. Não creio que eu vá ter muitas oportunidades de empregá-la. Na verdade, não creio que vá ter uma única oportunidade. Tudo bem. Já me conformei a coisas piores, pelo que peço taarradhin, palavra arábica que significa uma solução satisfatória a todos os envolvidos numa questão.
Mas eu tenho minha forma de apoquentá-lo. Como o dileto (Dileto não é seu verdadeiro nome) se encontra fora do país natal, que é o mesmo meu, gosto de atazaná-lo, ou melhor, espicaçar sua mente viva, com os neologismos que pesco aqui e ali nas águas bravias do mare nostrum cibernético.
Já o pus frente a frente com brasileirismos atuais que o deixaram rubro de vergonha ou ódio, pois ele é difícil de distinguir quando se queima. Taquei-lhe brasileirismos atuais como bullying, point, fashion week, os irmãos Loxas e Lunda e vi-o deixar minha casa falando sozinho entredentes, como se tivesse sido assaltado pelo mundo.
Quebrei a cara uma ou duas vezes, o que era de se esperar: embora da mesma geração minha, matou de estalo balacobaco, e, em português luso, salta-pocinhas e baitola.
De certa feita, fui contra as regras do jogo e deixei-o zonzo por desconhecer o significado de biringaço, que, após revelar-me sua total ignorância, danou-se quando eu expliquei tratar-se de lusitanismo obsoleto significando, nas altas camadas sociais do século 17, uma espécie de guarda-costas alugado a preços de arrasar.
Palavras. Há nelas, embutida, uma tremenda luta corporal. Urge dela participar, mesmo passando rasteira (regionalismo, Brasil).
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